Audiência Pública da Instrução do CRA: Um Longo Caminho à Frente

A CVM publicou, em 15 de maio, edital de audiência pública sobre a norma que regulará as ofertas públicas de Certificados de Recebíveis do Agronegócio (CRA). A edição de regulamentação específica para os CRA é uma demanda antiga do mercado, tendo em vista as incertezas e limitações que circundam o produto em virtude da inexistência de um regime jurídico específico para sua oferta até o momento. O presente informe abordará os principais aspectos da norma proposta.

Contexto da Audiência Pública

Os CRA foram criados pela Lei nº 11.076, de 30 de dezembro de 2004, a chamada Lei dos Títulos do Agronegócio. Em 18 de novembro de 2008, como resposta às primeiras demandas do mercado, o Colegiado da CVM determinou se aplicarem aos CRA as regras relativas às ofertas públicas de Certificados de Recebíveis Imobiliários (“CRI”) contidas na Instrução CVM nº 414, de 30 de dezembro de 2004.

Embora haja semelhanças entre os títulos, esta utilização analógica das regras dos CRI sempre foi problemática, tendo em vista as especificidades dos CRA e mesmo a desatualização de algumas disposições relativas aos CRI, já objeto de críticas por agentes de mercado. Estas circunstâncias criaram uma série de incertezas para a estruturação de tais operações, que passaram a frequentar com alguma constância a pauta de decisões do Órgão Colegiado da CVM.

A despeito do ambiente regulatório adverso, os incentivos fiscais concedidos às pessoas físicas que adquirissem CRA ensejaram o aumento substancial do número e volume financeiro de ofertas destes títulos e, nesse contexto, a autarquia colocou em audiência pública a regra que passará a reger tais transações.

Principais Acertos e Erros da Norma Proposta

A minuta de norma proposta contém uma série de inovações, muitas vezes decorrentes de entendimentos previamente adotados em decisões do Colegiado sobre tema. Destacamos abaixo os principais pontos a serem discutidos pelo mercado:

De início, a nova regra se propõe a delimitar o que pode ser enquadrado como lastro dos CRA, dando sua interpretação para a definição legal de “direitos creditórios do agronegócio”. De acordo com a norma proposta, é criada uma delimitação clara, ainda que questionável, de tais direitos creditórios. A autarquia deixou claro entender que o direito creditório do agronegócio é (i) direito creditório cujo devedor ou cedente seja produtor rural ou cooperativa (“Direito Creditório Comercial”); ou (ii) aquele decorrente de dívida corporativa vinculada à relação comercial entre o devedor e produtor rural ou cooperativa (“Direito Creditório Dívida”).

Entram na definição de Direito Creditório Comercial aqueles decorrentes da comercialização de produtos agropecuários, entendidas como a compra, venda, importação, exportação, intermediação, armazenagem e transporte de produtos considerados “in natura”.

Pode ser considerado in natura o produto em seu estado natural, de origem animal ou vegetal, ou sujeito a um beneficiamento primário (modificação ou preparo que não retire a característica original do produto, a exemplo de lavagem, limpeza, descascamento, secagem) ou industrialização rudimentar (pasteurização, resfriamento, fermentação, embalagem). Ainda, os créditos relacionados a insumos agropecuários ou maquinário e implemento utilizados na atividade agropecuária continuam permitidos, desde que originados por negócios que tenham pelo menos um produtor rural ou cooperativa como parte.

Em relação aos Direitos Creditórios Dívida, a CVM permite que a securitizadora subscreva as emissões de debêntures, eliminando a equivocada interpretação anterior de que seria necessário haver um “debenturista de passagem” para originação do lastro.

Uma importante evolução proposta é a oficialização da possibilidade de revolvência do lastro, isto é, da aquisição de novos direitos creditórios pela securitizadora com a utilização dos recursos provenientes do pagamento dos direitos creditórios originais vinculados à emissão. São requisitos para que se preveja a revolvência, cumulativamente: (i) que o termo de securitização estabeleça prazo máximo entre o efetivo recebimento dos recursos e a nova aquisição; (ii) que os novos direitos creditórios atendam aos critérios de elegibilidade previstos no termo de securitização; (iii) que haja compatibilidade entre o montante total dos direitos creditórios vinculados ao CRA e o pagamento da remuneração e amortização previstas para emissão; (iv) que a parcela de recursos oriundos dos direitos creditórios não utilizada deve ser direcionada à aquisição de novos direitos creditórios do agronegócio, na amortização ou no resgate dos CRA; e (v) que o agente fiduciário verifique o atendimento de tais critérios de elegibilidade.

Porém, há previsões na norma proposta que recomendam atenção. Uma delas é a obrigatoriedade de contratação de custodiantes no âmbito de emissões de CRA. Esta previsão foi desenhada de modo muito semelhante àquela aplicável aos fundos de investimento em direitos creditórios – FIDC, proibindo que a securitizadora detenha a guarda dos documentos comprobatórios dos créditos. Isso pode limitar muito o escopo de operações lastreadas em Direitos Creditórios Comerciais, reeditando os problemas já enfrentados pelos FIDC após a edição da Instrução CVM nº 531. Seria razoável prever, ao menos, o afastamento desta obrigação em operações voltadas a público alvo composto por investidores qualificados ou profissionais.

Outra regra que não parece adequada é a obrigatoriedade de retenção de riscos pelo cedente ou terceiros em emissões de CRA voltadas a investidores não qualificados. Aqui, o problema é grave, pois tal previsão destoa da própria natureza das operações de securitização. Via de regra, é do interesse do investidor correr o risco da carteira de recebíveis, e não do cedente ou originador dos créditos, pois a securitização se justifica, do ponto de vista mercadológico, justamente pelo melhor risco de crédito da carteira cedida em relação ao cedente.

Por outro lado, sob a ótica do cedente, uma previsão deste tipo lhe impediria de reconhecer de imediato a receita oriunda da cessão dos direitos creditórios, bem como lhe obrigaria a manter os créditos em seu balanço ao longo da vida da operação. Em resumo: esta regra impõe um ônus desnecessário ao cedente sem trazer um benefício claro para o investidor. Não seria melhor, neste ponto, deixar que a demanda do mercado investidor decida se tal retenção de risco é desejável?

Ressaltamos que há outras diversas previsões de relevo – positivo e negativo – na minuta do normativo, as quais serão abordadas em futuras publicações relativas sobre o tema.

Evolução ou Problema?

Tal como está posta, a minuta de instrução poderá criar limitações indesejadas para o mercado de CRA. Por exemplo, a previsão de retenção substancial obrigatória pelo cedente dos créditos poderá impactar negativamente a perspectiva de expansão deste mercado, assim como a obrigatoriedade de contratação de custodiantes, especialmente em emissões lastreadas em Direitos Creditórios Dívida, com aumento de custo da emissão que não se reflete em maior proteção ao investidor. Deste modo, é de se esperar que o processo de audiência pública da norma acabe por introduzir algumas correções de rota, de modo a aprimorar a regulamentação ora sugerida.

Encaminhamento de comentários e sugestões

O Edital de Audiência Pública pede que sugestões e comentários sejam encaminhados, por escrito, até o dia 14 de julho de 2017, à Superintendência de Desenvolvimento de Mercado, pelo endereço eletrônico audpublicaSDM0117@cvm.gov.br.

 

Equipe de Mercado de Capitais
VBSO Advogados

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