CVM EDITA NOVO MARCO REGULATÓRIO SOBRE A CONSULTORIA DE VALORES MOBILIÁRIOS

CVM EDITA NOVO MARCO REGULATÓRIO SOBRE A CONSULTORIA DE VALORES MOBILIÁRIOS

Em linha com a agenda de atualização das normas relacionadas ao exercício profissional de atividades sob sua competência, a Comissão de Valores Mobiliários – CVM divulgou, no último dia 17 de novembro, a Instrução CVM 592, que traz o novo marco regulatório da atividade de consultoria de valores mobiliários.  Nessa mesma data, a CVM editou a Instrução CVM 593, adaptando outros normativos relacionados à matéria aos novos requisitos e limites estabelecidos pela Instrução CVM nº 592.

Até a edição dessa nova regulamentação, a CVM vinha se valendo de decisões de seu Colegiado e da edição de Ofícios-Circulares para orientar os participantes do mercado, tendo em vista que a atividade de consultoria de valores mobiliários era disciplinada pela Instrução CVM 43 ‑ editada em 1985, que contava com apenas dois parágrafos que pouco contribuíam para elucidação dos pontos controvertidos sobre a matéria.

Os tópicos abaixo descrevem as inovações mais relevantes trazidas pela nova regulamentação:

I.         Definição da Atividade de Consultoria de Valores Mobiliários

A Instrução CVM 592 define como atividade de consultoria de valores mobiliários a prestação de serviços de orientação, recomendação e aconselhamento sobre investimentos no mercado de valores mobiliários, executada de forma profissional, independente e individualizada.  O desenvolvimento da atividade pode ser realizado por pessoas físicas ou jurídicas e ter como objeto classes de ativos, títulos e valores mobiliários, prestadores de serviço ou quaisquer outros aspectos relacionados a investimentos no mercado de valores mobiliários.

Ao prescrever a natureza individualizada da prestação de serviços de consultoria, a CVM atribui ao prestador a obrigação de aferir a adequação do investimento ao perfil do seu cliente – suitability.  Segundo a Autarquia, seria essa a característica distintiva entre os serviços de consultoria de valores mobiliários da atividade dos analistas de valores mobiliários, voltados para a análise generalizada de ativos, sem considerar as singularidades do cliente.

II.        Credenciamento e Manutenção da Habilitação

A Instrução CVM 592 estabelece que o consultor de valores mobiliários deve solicitar seu registro perante a CVM para estar autorizado a prestar a atividade. Sobre o tema, a CVM seguiu o racional adotado na Instrução CVM 558, que dispõe sobre o exercício profissional de administração de carteiras de valores mobiliários, passando o credenciamento do consultor pessoa física a dar-se mediante a comprovação de aprovação em exame de certificação profissional[1] ou comprovação de, no mínimo, 07 (sete) anos de experiência profissional na consultoria de valores mobiliários, gestão de recursos de terceiros ou análise de valores mobiliários.

Cabe mencionar que, conforme entendimento já reconhecido pela CVM em outras oportunidades, o exercício de atividade de agente autônomo de investimentos não é considerado para fins da experiência profissional necessária à habilitação como consultor.

Com relação ao credenciamento de pessoa jurídica, a Instrução 592 prescreve a necessidade de implementação de controles internos por meio da indicação de um diretor responsável pela atividade diverso daquele responsável pela atividade de consultoria em valores mobiliários em si, tendo estabelecido, ainda, a necessidade de manutenção de manual escrito que oriente as atividades de compliance.

Ademais, a norma exige que a instituição habilitada como consultora de valores mobiliários mantenha em sua página na internet: (i) Formulário de Referência atualizado; (ii) Código de Ética e Conduta; (iii) Manual de Compliance; e (iv) Política de Investimentos Próprios.

Com relação à manutenção de mais de uma habilitação, a CVM vetou que os diretores responsáveis pela atividade de consultoria em valores mobiliários e controles internos, bem como o consultor que atue na pessoa física, mantenham registro como agente autônomo de investimentos.

Por fim, importante mencionar a progressão definida pela norma com relação à habilitação da equipe de consultoria de valores mobiliários: (a) até 31 de dezembro de 2018, 30% da equipe encarregada deverá ter obtido a certificação ou registro; (b) até 30 de junho de 2019, 50% da equipe deverá ter cumprido com tais requisitos; e, por fim, (c) até 31 de dezembro de 2019, ao menos 80% da equipe técnica deverá ser formada por consultores certificados ou registrados na CVM.

III.      Independência e Regras de Conduta

Uma das diretrizes sobre as quais está pautada a reforma da regulamentação sobre a consultoria de valores mobiliários é a garantia da independência da atuação do consultor.

Nesse sentido, a Instrução CVM 592 traz uma série de regras de conduta que realçam o dever fiduciário do consultor para com seus clientes, entre os quais destacamos (a) a vedação ao recebimento de qualquer remuneração, benefício ou vantagem que potencialmente prejudique a independência na prestação de serviço de consultoria de valores mobiliários; e (b) a obrigação de transferir ao cliente qualquer benefício ou vantagem que possa alcançar em decorrência de sua condição de consultor de valores mobiliários.

No entanto, a CVM excetuou ao regime descrito acima a consultoria prestada a investidores profissionais, casos em que será permitido que o consultor receba remuneração, benefício ou vantagem, direta ou indiretamente por meio de partes relacionadas. Nesses casos, o cliente deverá assinar termo atestando ciência de que o recebimento da remuneração anteriormente mencionada pode afetar a independência da atividade de consultoria em decorrência do potencial conflito de interesses.

A norma também estabelece como conteúdo que necessariamente deve constar do contrato firmado entre o consultor e seu cliente, a identificação de potenciais conflitos de interesses, descrição detalhada da remuneração do consultor, riscos inerentes aos ativos e operações recomendadas, conteúdo e periodicidade das informações prestadas ao cliente, entre outras matérias.

Chamamos atenção ainda para necessidade de manutenção, pelo prazo mínimo de 5 (cinco) anos, de documentação que evidencie os fundamentos das análises e recomendações disponibilizadas ao cliente, bem como das informações sobre os cálculos da taxa de performance eventualmente cobrada de investidores profissionais. Mais do que uma obrigação imposta pelo regulador, entendemos que essa rotina constitui verdadeiro instrumento de defesa do consultor em eventual caso de questionamento futuro, seja por parte de clientes ou pela CVM.

IV.      Cumulação e Segregação de Atividades

Por meio da edição da Instrução CVM 593, que alterou dispositivos da regulamentação sobre a administração de carteiras de valores mobiliários, a CVM afastou a possibilidade até então admitida da gestora profissional de recursos de terceiros prestar o serviço de consultoria de valores mobiliários sem a necessidade de habilitação específica, segregação de atividades e funções.

V.       Execução de Ordens

A Instrução CVM 592 proíbe que o consultor de valores mobiliários atue como representante de seus clientes perante instituições integrantes do sistema de distribuição de valores mobiliários, para fins de implementar e executar as operações que reflitam as recomendações objeto da sua prestação de serviço.

Apesar disso, reconhecendo a dinâmica necessária para execução das estratégias formuladas pelos consultores para seus clientes, a CVM permite que sejam estabelecidos canais de comunicação e ferramentas entre o consultor de valores mobiliários, o intermediário e os seus clientes em comum para facilitar a implementação das ordens decorrentes das recomendações profissionais do consultor.

Assim, são considerados procedimentos válidos o “de acordo” do cliente após envio de e-mail por parte do consultor diretamente para o intermediário, com o cliente em cópia, com a solicitação da execução das ordens que reflitam sua recomendação ou a realização de ligações em conferência entre intermediário, consultor e cliente, bem como outras formas de facilitar a implementação das ordens pelo cliente que deixem claramente consignado que o cliente determinou a realização de tais operações.

VI.      Robo Advisors

Atenta à proliferação de plataformas digitais que prestam serviços de consultoria, distribuição e gestão, a CVM trouxe regramento aplicável aos “robo-advisors”. Nesse sentido, foi estabelecido que a prestação de serviço de consultoria de valores mobiliários com a utilização de sistemas automatizados ou algoritmos está sujeita às obrigações e regras previstas na Instrução CVM 592 e não mitiga as responsabilidades do consultor em relação às orientações, recomendações e aconselhamentos realizados.

Adicionalmente, a Autarquia determina que o código-fonte do sistema automatizado ou o algoritmo deve estar disponível para a inspeção da CVM na sede da empresa em versão não compilada.

O VBSO está à disposição para esclarecer quaisquer dúvidas que possam surgir em relação às Instruções CVM 592 e 593.

 

Equipe de Mercado de Capitais – VBSO Advogados

[1] Os exames de certificação aceitos pela CVM foram relacionados na Deliberação CVM 783, também divulgada em 17 de novembro de 2017.