Erik Oioli e Livia Mariz publicam artigo sobre “suitability” na Revista Capital Aberto

Erik Oioli e Livia Mariz publicam artigo sobre “suitability” na Revista Capital Aberto

Questões sobre a suitability – Novas regras são medidas de prevenção oportunas ou intervenção excessiva no mercado?

É natural o aumento da intervenção estatal no mercado de capitais como reflexo de grandes crises, tal qual a recentemente ocorrida no mercado de títulos hipotecários nos Estados Unidos. Igualmente natural, portanto, é questionar o reforço de certas leis e regulações, como as que atribuem às instituições intermediárias a responsabilidade de verificar se as aplicações oferecidas aos clientes são apropriadas aos perfis de investimento de cada um. Trata-se da chamada suitability, denominação estrangeira que soa cada dia mais familiar aos agentes do mercado nacional. A ideia por trás disso é que os intermediários verifiquem se os produtos e serviços ofertados são adequados ao perfil e aos objetivos do investidor.

É possível contestar, porém, a necessidade de regras rígidas de suitability, que são um exemplo claro de intervenção relevante na formação de vontade e na liberdade de contratar das partes, princípios caros ao direito privado. Há décadas nossas leis, dentre a quais se destaca o Código Civil, oferecem instrumentos para a proteção de investidores contra a oferta inadequada de produtos financeiros — em que não seja possível uma compreensão completa dos seus riscos e objetivos. Regras de defesa do consumidor e normas penais, como aquelas que reprimem crimes nos mercados financeiro e de capitais e contra a economia popular, também podem ser aplicadas com essa função.

A suitability, contudo, vai muito além dessa proteção legal. As regras propostas pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM) — atualmente em análise pela autarquia após o período de audiência pública encerrado em março — exigem que os agentes de mercado realizem uma verdadeira pesquisa sobre o passado, o presente e o futuro dos seus clientes. Essa investigação é baseada não apenas em critérios objetivos, como, por exemplo, o montante de recursos sob sua titularidade, mas também em aspectos subjetivos, tal qual o grau de conhecimento e a experiência do investidor.

Não é preciso ir muito a fundo para visualizar os desafios da efetividade dessas normas. É forçoso reconhecer que existe um natural conflito de interesses entre a instituição intermediária, interessada na colocação de seus produtos no mercado para realização de lucros, e seu cliente. Uma coisa é admitir a bem-vinda intervenção estatal para corrigir a assimetria informacional existente entre essas duas pontas. Outra, muito mais ampla, é exigir a verificação da adequação do investimento, que recai sobre a perigosa zona cinzenta da subjetividade.

Afinal, como é que os agentes do mercado vão aferir se o investidor possui conhecimento necessário para compreender os riscos relacionados a determinado produto ou serviço? Deveriam aplicar provas, realizar entrevistas, solicitar cartas de recomendação? Uma solução burocrática cumpriria formalmente a norma, mas não atingiria o seu espírito: a efetiva proteção dos investidores.

Regular algo tão complexo certamente não é tarefa fácil nem simples. Todavia, é necessário que os louváveis fins desejados respeitem o equilíbrio entre a intervenção estatal e a livre iniciativa. Além disso, em um mercado cada vez mais global e competitivo é urgente que análises de custo e benefício sejam realizadas e publicadas antes da promulgação de normas que alteram substancialmente a autonomia dos investidores e a atuação dos intermediários.

Respostas rápidas podem, às vezes, custar caro.

Erik Oioli e Lívia Mariz