GOVERNO FEDERAL ALTERA A TRIBUTAÇÃO DE APLICAÇÕES EM FUNDOS DE INVESTIMENTO

GOVERNO FEDERAL ALTERA A TRIBUTAÇÃO DE APLICAÇÕES EM FUNDOS DE INVESTIMENTO

A tributação aplicável aos fundos de investimento – em especial àqueles que não permitem resgates de cotas durante seu prazo de duração, chamados de fechados – foi alterada de modo relevante por meio da Medida Provisória nº 806.  O presente artigo apresenta abordagem crítica dos principais pontos da reforma em questão.

 

I. Alterações promovidas pela MP 806/17 para fundos fechados em geral

Até a edição da MP 806/17, os cotistas de fundos fechados eram, via de regra, tributados por ocasião do resgate, em decorrência do término do prazo de duração ou da liquidação do fundo, da amortização ou alienação das cotas.  Com as alterações promovidas pela MP nº 806/17, os fundos fechados em geral (com as exceções indicadas abaixo) ficam sujeitos a regime de tributação assemelhado àquele aplicável a fundos abertos, denominado de “come-cotas”.

A transição de regime de tributação é marcada por uma tributação inicial sobre rendimentos fictamente considerados pagos ou creditados aos cotistas: os rendimentos correspondentes à diferença positiva entre o valor patrimonial da cota em 31 de maio de 2018, incluídos os rendimentos apropriados a cada cotista, e o respectivo custo de aquisição, ajustado pelas amortizações ocorridas, serão considerados pagos ou creditados aos cotistas de fundos fechados.

A data fictamente adotada como sendo a de ocorrência de pagamento/crédito dos referidos rendimentos será 31 de maio de 2018, submetendo-se à tributação regressiva conforme o prazo de aplicação e classificação do fundo como sendo de longo prazo (22,5% a 15%) ou curto prazo (22,5% ou 20%)[1].  O administrador do fundo é responsável pela retenção do imposto, que deverá ser recolhido em cota única até o terceiro dia útil subsequente ao decêndio da ocorrência do fato gerador.

A partir de 1º de junho de 2018, a incidência do imposto de renda na fonte sobre os rendimentos auferidos por qualquer beneficiário, incluídas as pessoas jurídicas isentas, nas aplicações em fundos fechados ocorrerá no (i) último dia útil dos meses de maio e de novembro de cada ano ou (ii) no momento da amortização ou do resgate de cotas em decorrência do término do prazo de duração ou do encerramento do fundo, o que ocorrer primeiro.

A base de cálculo corresponderá à diferença positiva entre o valor patrimonial da cota (isto é, o valor da cota divulgado pelo administrador à época da incidência do imposto), incluído o valor dos rendimentos apropriados a cada cotista no período de apuração, e o seu custo de aquisição, ajustado pelas amortizações ocorridas, ou o valor da cota na data da última incidência do imposto.  Portanto, a título exemplificativo, não havendo amortização ou resgate de cotas até o dia 30 de novembro de 2018, a base de cálculo será a diferença entre o valor patrimonial da cota nesta data e aquele tomado como referência na tributação ficta do dia 31 de maio de 2018.

As alíquotas aplicáveis de retenção na fonte constam da tabela abaixo, não sendo aplicáveis, segundo o texto da MP, as regras já conhecidas de come-cotas para fundos abertos[2]:

 

Fundo fechado de longo prazo Fundo fechado de curto prazo
Alíquota Prazo de aplicação Alíquota Prazo de aplicação
22,5% Até 180 dias 22,5% Até 180 dias
20% Entre 181 e 360 dias 20% Acima de 180 dias
17,5% Entre 361 e 720 dias
15% Acima de 720 dias

Embora fosse possível interpretar que as alíquotas fixas aplicáveis aos fundos abertos deveriam, também, ser aplicáveis aos fundos fechados, a leitura no sentido de tributação na fonte via alíquotas regressivas decorre do caput do artigo 3º da MP nº 806/17, que trata da retenção do imposto no último dia útil dos meses de maio e de novembro de cada ano, e do parágrafo 3º, que tem a função de complementar/excetuar o caput, e prevê que os rendimentos sujeitos à retenção (previstos no caput) serão tributados às alíquotas estabelecidas no artigo 1º da Lei nº 11.033/04 e no artigo 6º da Lei nº 11.053/04.

Entretanto, o artigo 1º da Lei nº 11.033/04 e o artigo 6º da Lei nº 11.053/04 preveem tanto as alíquotas regressivas conforme o prazo de aplicação quanto o regime de come-cotas com as alíquotas fixas de 15% ou 20%, o que pode causar dúvidas na aplicação.  Trata-se de ponto que deve ser esclarecido por ocasião da eventual conversão em lei da MP nº 806/17.

Esta tributação prevista na MP para saldo de rendimentos acumulados é contestável.  Faz lembrar a declaração de inconstitucionalidade do parágrafo único do artigo 74 da MP nº 2.158-35/01 pelo Supremo Tribunal Federal, que pretendia tributar acréscimo patrimonial pretérito.  Neste caso, em resumo, previa o dispositivo questionado que os lucros apurados por controlada ou coligada no exterior até 31 de dezembro de 2001 seriam considerados disponibilizados em 31 de dezembro de 2002, o que foi considerado inconstitucional.

Ainda que superada a questão da tributação retroativa, a discussão deve considerar o princípio da segurança jurídica, notadamente se considerarmos os relevantes investimentos efetuados a longo prazo e sem a possibilidade de resgate de cotas antes de determinado prazo.

A MP 806/17 afeta significativamente o ambiente de negócios e contribui para a desconfiança de investidores em momento frágil da economia, de modo que regras de transição que preservem a tributação para rendimentos já produzidos são, no mínimo, recomendáveis, tal como já ocorreu em outras alterações na legislação relativa à tributação nos mercados financeiros e de capitais (artigo 1º da Lei nº 11.033/04, por exemplo).

 

II. Cisão, incorporação, fusão ou transformação de fundos de investimentos

A partir de 1º de janeiro de 2018, na hipótese de cisão, incorporação, fusão ou transformação de fundo de investimento, consideram-se pagos ou creditados aos cotistas os rendimentos correspondentes à diferença positiva entre o valor patrimonial da cota na data do evento, incluídos os rendimentos apropriados a cada cotista, e o respectivo custo de aquisição, ajustado pelas amortizações ocorridas, ou o valor da cota na data da última incidência do imposto.

A MP nº 806/17 não faz distinção entre fundos fechados ou abertos, de modo que tal previsão alcança ambos, e revoga todas as disposições legais vigentes relacionadas à disciplina tributária de cisão, incorporação, fusão ou transformação de fundos, notadamente as regras previstas na regulamentação constante da Instrução Normativa RFB nº 1.700/17.  O imposto será retido pelo administrador do fundo de investimento e recolhido em cota única até o terceiro dia útil subsequente ao decêndio de ocorrência do fato gerador.

Antes da MP 806/17, estas operações somente gerariam tributação caso implicassem obrigatoriedade de resgate de cotas, nos termos do artigo 13 da Instrução Normativa RFB nº 1.585/15.

 

III. Fundos fechados submetidos a regras específicas

 Para os fundos fechados indicados na tabela abaixo, as regras gerais descritas no tópico anterior não são aplicáveis, prevalecendo as regras específicas de tributação:

 

Fundo Tributação
FII Conforme disposições da Lei 8.668/93
FIDC e FIC-FIDC Amortização, na alienação e no resgate de cotas
FIA e FIC-FIA Resgate de cotas
Fundos constituídos exclusivamente por investidores não residentes ou domiciliados no exterior Na forma prevista no artigo 81 da Lei nº 8.981/95
Fundos com prazo improrrogável de término até 31 de dezembro de 2018 Amortização/resgate de cotas ou na cisão, incorporação, fusão ou transformação do fundo
FIP Item IV abaixo deste artigo

 

A previsão de que FIDC e FIC-FIDC fechados permanecem sujeitos à tributação apenas no momento da amortização, alienação ou resgate de cotas é relevante: confirma a interpretação majoritária a respeito da legislação tributária em vigor.

Além disso, tende a conferir maior segurança jurídica às operações em andamento, principalmente após precedente recente da  2ª Turma Ordinária da 3ª Câmara da 1ª Seção de Julgamento do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais no sentido de que, aberto ou fechado, a valorização das cotas do fundo de investimento deveria ser tributada pelo regime de competência na pessoa jurídica (apropriação da valorização)[3].

 

IV. Tributação relacionada a FIP

No caso de Fundos de Investimento em Participações – FIP, a tributação dependerá da qualificação ou não do fundo como uma entidade de investimento de acordo com a regulamentação estabelecida pela Comissão de Valores Mobiliários – CVM.

Os critérios para determinar se o fundo se caracteriza como entidade de investimento constam da ICVM 579/16, e foram baseados nas normas internacionais de contabilidade (IFRS 10), introduzidas no Brasil por meio do Pronunciamento Técnico CPC 36.  De acordo com o artigo 4º da referida ICVM 579/16, são qualificados como entidades de investimento os fundos que, cumulativamente:

  • obtenham recursos de um ou mais investidores com o propósito de atribuir o desenvolvimento e a gestão de uma carteira de investimento a um gestor qualificado, que deve possuir plena discricionariedade na representação e na tomada de decisão junto às entidades investidas, não sendo obrigado a consultar os cotistas para essas decisões e tampouco indicar os cotistas ou partes a eles ligadas como representantes nas entidades investidas;
  • se comprometam com os investidores com o objetivo de investir os recursos unicamente com o propósito de retorno através de apreciação do capital investido, renda ou ambos;
  • substancialmente mensurem e avaliem o desempenho de seus investimentos, para fins de modelo de gestão, com base no valor justo; e
  • definam nos seus regulamentos estratégias objetivas e claras a serem utilizadas para o desinvestimento, assim como a atribuição do gestor de propor e realizar, dentro do prazo estabelecido na estratégia, o desinvestimento, de forma a maximizar o retorno para os cotistas.

 

Nesta hipótese, os recursos obtidos pelos fundos na alienação de qualquer investimento serão considerados como distribuídos aos cotistas, independentemente do tratamento previsto no regulamento a ser dado a esses recursos, incidindo o imposto de renda sobre as distribuições a partir do momento em que, cumulativamente, os valores distribuídos, ou considerados como distribuídos, passem a superar o capital total integralizado nos fundos.

Por outro lado, na hipótese em que o FIP não se qualifique como entidade de investimento, nos termos da ICVM nº 579/16, ficará sujeito à tributação aplicável às pessoas jurídicas.  A MP nº 806/17 atribui ao administrador do fundo de investimento a responsabilidade pelo cumprimento das demais obrigações tributárias do fundo, incluídas as acessórias.

Há previsão de regra de transição também para a tributação de FIP não qualificados como entidades de investimento.  Os rendimentos e ganhos que não tenham sido distribuídos aos cotistas até 2 de janeiro de 2018 ficam sujeitos à incidência de imposto de renda na fonte à alíquota de 15%, e serão considerados pagos ou creditados aos seus cotistas nessa data.

Também nesta situação, a tributação sobre renda fictamente considerada paga ou creditada esbarrará na discussão já enfrentada pelo Supremo Tribunal Federal na declaração de inconstitucionalidade do parágrafo único do artigo 74 da MP nº 2.158-35/01 no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 2588/DF. O debate encontrará paralelo também na questão da inconstitucionalidade do Imposto sobre o Lucro Líquido – ILL, instituído pelo artigo 35 da Lei nº 7.713, de 22 de dezembro de 1988 e em outras discussões semelhantes levadas aos tribunais superiores.

Quanto à mencionada equiparação do FIP não qualificado como entidade de investimento a pessoa jurídica para fins tributários (ignorando-se, inclusive, a natureza jurídica condominial de tais fundos), devem ser esclarecidas ou instituídas regras de apuração, levando em consideração, inclusive, as normas contábeis aplicáveis – obrigatória ou facultativamente – pelo FIP.

Além disso, a MP 806/17 não aborda o tratamento que seria dado aos resultados distribuídos por FIP equiparado a pessoa jurídica (i.e. se fará ou não jus à isenção prevista no artigo 10 da Lei nº 9.249/95).  Embora trate especificamente de pessoa jurídica, a sua aplicação para situações peculiares envolvendo entidade que não seja pessoa jurídica não é novidade.

Para fins de apuração do imposto de renda, a filial brasileira de empresa domiciliada no exterior qualifica-se como contribuinte do IRPJ via equiparação legal.  Até a entrada em vigor da Lei nº 9.249/95, estavam sujeitos à incidência do imposto na fonte, à alíquota de 25%, considerados automaticamente percebidos pela matriz na data do encerramento do período-base, os lucros das filiais, sucursais, agências ou representações, no País, de pessoas jurídicas com sede no exterior.

Após a entrada em vigor da referida lei, o tratamento tributário foi alterado.  Ainda que o artigo 10 da Lei nº 9.249/95 disponha que a isenção se aplica a lucros ou dividendos pagos ou creditados pelas pessoas jurídicas tributadas com base no lucro real, presumido ou arbitrado, deve ser estendido o tratamento para a filial brasileira de empresa domiciliada no exterior.  Tal entendimento decorre da equiparação legal da filial brasileira de empresa domiciliada no exterior à pessoa jurídica para fins da legislação do imposto de renda.

A própria regulamentação em vigor prevê a aplicação da isenção, conforme se observa do artigo 694 do RIR/99: Art.  694.  Os lucros das filiais, sucursais, agências ou representações no País, de pessoas jurídicas com sede no exterior, apurados a partir de 1º de janeiro de 1996, considerados automaticamente percebidos pela matriz na data do encerramento do período de apuração, não estão sujeitos à incidência do imposto na fonte (Lei nº 9.249, de 1995, art10).”.

 No caso de fundos de investimento, o paralelo que se faz é com o tratamento do fundo de investimento imobiliário que, eventualmente, seja qualificado como pessoa jurídica para fins tributários.  Na hipótese de tributação corporativa sobre o FII, o parágrafo 6º do artigo 146 do RIR/99 o inclui como contribuinte do imposto de renda, e o parágrafo 7º prevê que, salvo disposição em contrário, a expressão pessoa jurídica, quando empregada no RIR/99, compreende todos os contribuintes indicados no artigo 146.[4]

Deste modo, em razão da legislação em vigor e baseado na equiparação legal do FIP a pessoa jurídica, as regras de integração entre pessoa física e pessoa jurídica não podem ser desconsideradas na análise, o que inclui não somente a isenção de dividendos como também a dedutibilidade de juros sobre o capital próprio.

Em linha com as demais alterações, o administrador do fundo de investimento, na data de retenção do imposto, reduzirá a quantidade de cotas de cada contribuinte em valor correspondente ao do imposto apurado em 2 de janeiro de 2018, e recolherá em cota única até o terceiro dia útil subsequente ao decêndio da ocorrência do fato gerador.

 

V. Considerações finais

 A MP 806/17 deve ser convertida em lei no prazo de 60 dias de sua publicação (prorrogáveis por mais 60, resultando em 120 dias).

Caso não seja convertida em lei nesse prazo, a MP perde eficácia e o Congresso Nacional deve publicar um decreto dispondo se ela produziu ou não efeitos nestes 60 ou 120 dias.  Se o Congresso não editar este decreto em até 60 dias da rejeição ou perda de eficácia da MP, ela terá produzido efeitos entre sua publicação e rejeição/perda de eficácia.

Equipes de Mercado de Capitais e Tributário – VBSO Advogados

 

[1] Conforme o artigo 3º, parágrafo 1º, da Instrução Normativa RFB nº 1.585, de 31 de agosto de 2015, o fundo de investimento será considerado como de longo prazo caso sua carteira de títulos tenha prazo médio superior a 365 dias.  Caso o prazo médio da carteira de títulos do fundo de investimento seja igual ou inferior a 365 dias, será considerado como de curto prazo.

[2] O come-cotas para fundos de investimento abertos tem alíquotas fixas de 20%, no caso de fundos fechados de curto prazo, e 15%, no caso de fundos fechados de longo prazo, com eventual complemento segundo o prazo de aplicação.

[3]OMISSÃO DE RECEITAS.  RENDIMENTOS DE QUOTAS DE FUNDOS DE INVESTIMENTOS DE DIREITOS CREDITÓRIOS FIDC.  REGIME FECHADO E ABERTO.  LUCRO REAL.  REGIME DE COMPETÊNCIA.  INCIDÊNCIA DE IRPJ E CSLL.  EXCLUSÃO INDEVIDA.  A IN SRF nº 25/2001 não autorizava a incidência do IRPJ e da CSLL somente no ano calendário do resgate das quotas do FIDC, fechado ou aberto.  É correto o procedimento da fiscalização em recompor o lucro real e a base de cálculo do IRPF e da CSLL, indevidamente excluídos na apuração do lucro real, em regime de competência, em relação aos rendimentos mensais de quotas de FIDC.  O art.  14 da IN SRF nº 25/2001, vigente à época, mas revogada em 2009, assegurava a incidência do imposto de renda, na forma do art.  23 da mesma IN.  Todavia, o art.  23, previa que o IR deveria ser tratado na forma daquela Seção da IN que, por sua vez, previa a incidência mensal do IR e o recolhimento no mês subsequente (art.  23, § 4º, IN SRF nº 25/2001)”(Acórdão nº 1302-002.298, CARF, 1ª Seção de Julgamento, 3ª Câmara, 2ª Turma Ordinária, Relator Rogério Aparecido Gil, em 22 de junho de 2017)

[4] Art.  146.  São contribuintes do imposto e terão seus lucros apurados de acordo com este Decreto (Decreto-Lei nº 5.844, de 1943, art27):

 (…)

  • 6ºSujeita-se à tributação aplicável às pessoas jurídicas o Fundo de Investimento Imobiliário nas condições previstas no § 2º do art752 (Lei nº 9.779, de 1999, art2º).
  • 7ºSalvo disposição em contrário, a expressão pessoa jurídica, quando empregada neste Decreto, compreende todos os contribuintes a que se refere este artigo.