JOTA – A alteração da lei de recuperação de empresas e o regime do empresário rural

JOTA – A alteração da lei de recuperação de empresas e o regime do empresário rural

Foi aprovado na Câmara dos Deputados, no dia 26 de agosto de 2020, o Projeto de Lei n. 6.229/2005, que altera a Lei  de Recuperação de Empresas e Falências (LRE), e recepciona, dentre outras, a Emenda n. 11, de autoria do Deputado Alceu Moreira, presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária, que confirma a possibilidade de o produtor rural pessoal física comprovar sua legitimidade para requerer recuperação judicial, desde que cumpridos os requisitos previstos ao acesso ao favor legal, permitindo ao produtor rural, ainda, a apresentação de um plano especial de recuperação.

Adicionalmente,  a Emenda n. 11 estabelece a não sujeição ao regime concursal (i) dos créditos e garantias cedulares vinculados à  Cédula de Produto Rural, com liquidação física, em caso de antecipação parcial ou integral do preço, ou ainda, representativa de operação de troca de insumos (barter); e (ii) de dívida constituída com a finalidade de aquisição de propriedades rurais, desde que constituída nos três anos anteriores ao pedido de recuperação judicial.

A necessidade de regulamentação das questões acima é oportuna com a revisão geral da LRE, em especial ante a celeuma existente gerada pela  decisão prolatada pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) no âmbito do Recurso Especial n. 1.800.032, no qual reconheceu-se – em apertada decisão de 3×2 e em recurso não afetado pelo regime de repetitivos – a natureza declaratória do registro mercantil, não sendo necessária a inscrição do produtor rural junto ao Registro de Comércio pelo prazo de 2 (dois) anos para fins de sua legitimação ao ajuizamento de recuperação judicial .

Essa situação está relacionada a um crescente volume de casos traz verdadeiro cenário de insegurança jurídica no ato de constituição dos negócios entre agentes das cadeias agroindustriais e, ressalta-se, pelo comportamento oportunista (moral hazard) de parte dos devedores, já que a inscrição  do produtor rural como empresário não representa mecanismo de segregação patrimonial, e acaba por dificultar e/ou obscurecer a análise dos agentes com quem o produtor se integra e estabelece relação jurídica.

Se não há formação de personalidade jurídica própria, são necessários mínimos requisitos contábeis-fiscais (Método das Partidas Dobradas), com a elaboração de balanço patrimonial por contador habilitado, dada a situação fática do devedor, com relevância no direito das obrigações e contratos.

Com efeito, impõem-se que somente os créditos que decorram exclusivamente da atividade rural e que estejam previstos pelos documentos fiscais apresentados se sujeitem à recuperação judicial. Nesse sentido, ainda, não ficarão sujeitos à RJ os créditos tomados nos últimos três anos no âmbito do mercado financeiro e de capitais pelo produtor para aquisição de imóvel rural, desestimulando hipótese de parcelamento da aquisição através do plano de recuperação.

Quanto à proteção dos recursos controlados no âmbito do Sistema Nacional de Crédito Rural (SNCR), há disposição no sentido de proteção da entidade financeira repassadora ou da eventual responsabilização do Tesouro Nacional (TN). No mesmo sentido, buscou o legislador incentivar a repactuação dos créditos pelas Instituições Financeiras participantes do sistema reforçando adequação ao Manual de Crédito Rural.

Na proteção de modelos de negócios típicos da atividade, a emenda citada incluiu tratamento diferenciado à Cédula de Produto Rural com liquidação física (CPR fomento), representativa de operação de barter ou que conte com antecipação parcial ou integral de preço. A alteração é oportuna e de extrema relevância aos casos de insolvência do setor, visto que busca afastar comportamento negativo do produtor, que atualmente leva vantagem econômica em ter a disponibilidade do produto objeto da cédula, principalmente entre o processamento da recuperação judicial e aprovação do plano, submetendo-se o crédito em questão ao regime concursal.

A alteração legislativa, portanto, impede eventual enriquecimento ilícito por parte do devedor. De outro modo, de forma incompreensível, a emenda deixa de contemplar no tratamento extraconcursal a CPR na modalidade financeira, comum ao âmbito das transações junto ao mercado financeiro e de capitais. Esta omissão perde a oportunidade de atrair e fomentar ainda mais a participação do setor privado no financiamento do agronegócio.

Sabemos que no processo de discussão coordenado junto à Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), o tratamento especial dado às Cprs fomento demonstrou ser o contraponto na alteração da manutenção da responsabilidade do devedor pelos prejuízos resultantes de caso fortuito ou força maior, conforme art. 11 da Lei n. 8.929, que genericamente mantinha intacta a obrigação de entrega do produto, ainda havendo a perda do objeto, em especial, pela hipótese quebra de safra. Acerta, também, a emenda ao dispor que caberá ao Ministério da Agricultura (MAPA) definir os atos, fatos e de que forma, passíveis de tipificar o caso fortuito e força maior para efeitos desse dispositivo, poupando o Poder Judiciário de matéria técnica e especifica e que contará com estudos científicos produzidos a cada safra por entidades idôneas reconhecidas internacionalmente.

Por fim, a emenda apresenta forma de diferenciar economicamente o pequeno produtor, de modo a viabilizar o seu acesso ao procedimento de reorganização, com menor custo e administração mais simples, na forma de um plano especial com regime dado pela inclusão do art. 70-A, que prevê a aplicação das disposições dos atuais arts. 70 a 72 da LRE ao produtor rural que possua dívidas relacionadas até R$ 4.800.000,00 (quatro milhões e oitocentos mil reais).

Busca-se, assim, na regulamentação de controversa questão, conferir direcionamento mais claro ao acesso à recuperação da atividade rural, com base nos pressupostos de propiciar maior transparência aos agentes que integram as cadeias agroindustriais, prezando pela neutralidade entre as diferentes forças que as integram, com simplicidade de linguagem e procedimentos, de modo, ainda, a contribuir à equalização dos créditos concursais e extraconcursais.

Leia o artigo completo do sócio Marcelo Winter e do advogado José Afonso Leirião Filho publicado no JOTA: https://www.jota.info/…/a-alteracao-da-lei-de…

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