JOTA: O combinado também sai caro: a indevida intervenção judicial em contratos futuros

JOTA: O combinado também sai caro: a indevida intervenção judicial em contratos futuros

Cooperativa de produtores de grãos recorreu ao Judiciário para revisão de contratos futuros de compra e venda de soja

De tempos em tempos, o Poder Judiciário emite decisões e entendimentos que surpreendem e preocupam os agentes econômicos que atuam no fomento das atividades ligadas ao agronegócio, acarretando insegurança jurídica às relações obrigacionais do setor.

O susto e a surpresa da vez vêm da 1ª Vara Cível da Comarca de Curitibanos-SC, em que tramita o processo nº 5001941-87.2020.8.24.0022.

Trata-se, em síntese, de demanda judicial ajuizada por cooperativa de produtores de grãos com vistas à revisão de contratos futuros de compra e venda de soja. Sob a alegação de ocorrência de onerosidade excessiva em razão da pandemia do COVID-19, a parte autora pretendia a modificação dos valores previstos contratualmente: no lugar das cotações do dólar e da saca de soja fixadas de comum acordo pelas partes quando da celebração dos contratos em março e julho de 2019, buscou-se a utilização dos valores praticados à época da entrega da mercadoria, marcada para os meses de março e abril de 2020. O substrato fático em questão, ante o cenário de valorização da moeda estrangeira e do preço da commodity, tende a se proliferar no setor.

O pleito em questão foi acolhido pelo Poder Judiciário, tendo a sentença afirmado que seria aplicável ao caso a “teoria da imprevisão que altera substancialmente as bases negociais, impondo ônus insuportável a uma das partes, enquanto a outra beneficia-se enormemente com a vantagem contratual advinda desse acontecimento posterior não conhecido e nem considerado quando da celebração dos negócios pelas partes”.

Sem dúvida alguma, vem a ser conclusão altamente controversa ao agronegócio, tanto do ponto de vista jurídico quanto sob a lógica econômica que rege os contratos futuros de compra e venda de produtos agrícolas.

A partir disso, nota-se que a sentença mostra-se incompatível com o entendimento consolidado do Superior Tribunal de Justiça sobre o tema, após importante evolução jurisprudencial, segundo o qual é impossível admitir a revisão de contratos agrícolas em razão de altas do dólar e da cotação do produto no mercado internacional, uma vez que tais circunstâncias representam riscos inerentes às relações estabelecidas entre os agentes do agronegócio, não constituindo situações imprevisíveis que demandem a intervenção do Poder Judiciário.

No caso específico dos contratos futuros de compra e venda de produtos agrícolas, como é o caso do processo objeto deste artigo, é imprescindível considerar que referido tipo contratual existe justamente em razão da possibilidade de ocorrência, ao longo do tempo, de intensas flutuações das cotações de dólar e de produtos agrícolas.

Ou seja, o que se tem é contrato mediante o qual cada uma das partes apresenta uma opção lastreada em sua expectativa sobre o mercado: do lado do vendedor, em que se espera a queda das cotações no futuro, busca-se garantir um valor mínimo de venda no presente; do lado do comprador, por sua vez, em que se vê a subida das cotações como cenário futuro mais provável, o objetivo é o de garantir, no momento da celebração do contrato, o valor máximo de compra.  As operações de hedge existem justamente para proteger os agentes do mercado de intensas variações de preço que possam prejudicar as atividades de tais agentes. Essas operações são especialmente importantes em cenários que envolvem flutuações do câmbio e de preços afetados pelo mercado internacional.

Explicada a lógica por detrás dos contratos futuros, é necessário indagar: caso as cotações do dólar e da saca de soja tivessem experimentado, ao invés de intensa elevação, uma abrupta queda, teria a cooperativa de produtores de grãos buscado a intervenção do Judiciário?

A resposta negativa ao questionamento acima apenas reforça a ideia de que a sentença proferida pelo juízo de Santa Catarina, no lugar de garantir aos agentes econômicos graus mínimos de segurança e previsibilidade nas relações jurídicas, apenas incentiva, ao ignorar a álea de risco inerente aos contratos futuros mediante a utilização de fatores previsíveis como justificativa à revisão forçada de contratos, a adoção de comportamentos oportunistas, de modo a tornar cada vez mais comuns as tentativas de obtenção de revisões contratuais forçadas em situações nas quais devem prevalecer, nos termos da Lei da Liberdade Econômica, a autonomia e vontade das partes.

Diante de tal cenário, ao Sistema Privado de Financiamento do Agronegócio, resta a torcida para que entendimentos como o ora analisado permaneçam isolados na jurisprudência, de modo a se evitar, parafraseando a sábia frase do ex-Ministro da Fazenda Pedro Malan, que até mesmo o pactuado entre as partes se torne incerto no Brasil.

Artigo publicado em 3 de março no jornal JOTA disponível em: https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/o-combinado-tambem-sai-caro-a-indevida-intervencao-judicial-em-contratos-futuros-03032021?amp