Lei 13.506, de 13 de novembro de 2017 – Nova Lei sobre os processos administrativos sancionadores no âmbito de atuação da CVM e do Banco Central

Lei 13.506, de 13 de novembro de 2017 – Nova Lei sobre os processos administrativos sancionadores no âmbito de atuação da CVM e do Banco Central

Visão Geral

Em 13 de novembro de 2017, foi sancionada a Lei 13.506. Em nosso último boletim, havíamos tratado do processo legislativo da Medida Provisória 784, que, após ter perdido seu prazo de validade, gerou projeto de lei na Câmara que terminou por resultar no texto de lei ora comentado.

A lei é extensa e conta com 72 artigos. No espectro de sua abrangência, além de criar tipificações para certas condutas que passam, expressamente a ser consideradas ilícitos administrativos, a lei regula o novo processo administrativo sancionador na esfera de atuação da CVM e do Banco Central.

As penalidades aplicáveis também sofreram modificações, bem como os termos de compromisso.

A lei ainda cria o chamado “acordo administrativo em processo de supervisão”, novo nome dado ao “acordo de leniência” da extinta MP 784.

Outra importante inovação diz respeito ao aumento dos poderes cautelares do Banco Central do Brasil, trazendo mecanismos coercitivos de caráter liminar e antecipatório para esse âmbito administrativo, antes somente possível, em teoria, na esfera judicial.

Em relação à CVM e às suas jurisdicionadas (com impacto direto, portanto, para as companhias abertas), a lei estende as inúmeras mudanças no rito processual, bem como a possibilidade de “acordo administrativo em processo de supervisão” previstas para a jurisdição do Banco Central, com as adaptações pertinentes na regulamentação específica da CVM, naquilo que disser respeito à atuação desta.

Nas disposições finais da lei, que ocupam mais da metade do texto normativo, há modificações relevantes na legislação-base dos mercados financeiros e de capitais, com destaque para alterações promovidas nas Leis 9.613/96 (Lei dos Crimes de Lavagem de Dinheiro), 6.385/76 (Lei da CVM e do Mercado de Valores Mobiliários), 4.131/62 (Lei de Aplicações do Capital Estrangeiro no Brasil e das Remessas para o Exterior), 6.024/74 (Lei de Intervenção e Liquidação de Instituições Financeiras), 7.492/95 (Lei dos Crimes de Colarinho Branco) e, last but not least, a 4.595/65 (Lei da Reforma Bancária) – esta última, tendo sido afetada em artigos relevantes como o 34 e o 44, conforme veremos logo abaixo.

Ponto a ponto, passamos a abordar os principais dispositivos.

  

Tipificação de condutas (as infrações)

Uma importante novidade trazida na lei foi a descrição de certas condutas como verdadeiros fatos típicos puníveis no âmbito administrativo.

A lista, trazida no art. 3º da lei, descreve em 17 incisos um vasto leque de condutas que são consideradas infrações puníveis. Algumas condutas repetem infrações que já são previstas no âmbito regulatório do Banco Central, elevando-as ao nível legal/infraconstitucional. Outras, entretanto, inovam. Tais inovações abarcam tipos abertos e que demandarão um cuidado muito grande por parte das instituições financeiras e seus respectivos agentes quando da elaboração, sobretudo, de novos produtos.

Exemplificativamente, chamamos atenção para as seguintes tipificações:

III – opor embaraço à fiscalização do Banco Central do Brasil;

VII – deixar de adotar controles internos destinados a conservar o sigilo de que trata a Lei Complementar no 105, de 10 de janeiro de 2001;

XIII – deixar de atuar com diligência e prudência na condução dos interesses de pessoa mencionada no caput do art. 2o desta Lei;

XV – deixar de fiscalizar os atos dos órgãos de administração de pessoa mencionada no caput do art. 2o desta Lei, quando obrigado a isso;

Note-se que as normas selecionadas trazem um elevado grau de subjetividade e discricionariedade transmitida ao ente autárquico.

Entendemos que boa parte dos parâmetros legais para dar objetividade a essas normas já vem sendo construído ao longo dos últimos anos. Como exemplo, podemos selecionar um tema que é especialidade dos profissionais de VBSO: o previsto no inciso XV sobre fiscalização societária.

Os standards de fiscalização vêm, ao longo do tempo, sendo construídos desde a já revogada Resolução CVM 3081/02, que já evoluiu em boa parte para a recém editada Resolução CMN 4.595/17. A precisão do conceito do que é efetivamente “fiscalizar” e o que seria “deixar de fiscalizar” demandará de cada cliente a identificação, no caso a caso, se a conduta está de acordo com os últimos standards requeridos pelo Banco Central (não apenas nas identificados nas resoluções do CMN), mas sobretudo nos precedentes que vem se construindo ao longo dos últimos 15 anos na jurisprudência específica da CVM, do Banco Central e do CRSFN.

Deixamos por fim e nessa mesma linha o polêmico inciso IX, que considera infração punível “simular ou estruturar operações sem fundamentação econômica, com o objetivo de propiciar ou obter, para si ou para terceiros, vantagem indevida”. Neste ponto a lei transfere para o âmbito de atuação do Banco Central o já consolidado princípio da “essência sobre a forma”.

Essa previsão legal tende a gerar relevantes impactos na criação de novos produtos e na elaboração de operações estruturadas ou customizadas. O princípio da “essência sobre a forma”, no caso da Lei 13.506/17, consagrado na exigência de uma “fundamentação econômica” e com forte apelo para o instituto da “simulação” (previsto no Código Civil em seu artigo 167), foi a pedra-de-toque de uma verdadeira mudança na forma de se interpretar o direito tributário a partir da Década de 1990. Essa tendência chega agora com muita força no direito bancário, muito também pelo influxo de decisões da CVM em que esse princípio se viu também invocado durante os anos 2000 (exemplo disso é a recente decisão da CVM no PAS no 3/2012, o “Caso Visanet”).

Portanto, a nova lei traz não apenas uma tipificação mais aberta, mas sobretudo a consolidação de uma tendência que ainda deverá construir os parâmetros ao longo dos próximos anos, gerando, neste início de aplicação da norma, inevitáveis oscilações com alguma insegurança inicial.

 

Penalidades

Muito propalado nos meios de comunicação foram as majorações dos valores de multa, que no caso dos processos sob atribuição do Banco Central passaram a um teto de 2 bilhões de reais e, no caso da CVM, a um teto de 50 milhões de reais.

Contudo, detalhes que não foram capturados pela grande imprensa mostram que o sistema, como um todo, sofreu abrandamentos em relação a certas infrações.

No espectro do Banco Central, foi extinta a pena de inabilitação permanente, antes prevista no art. 44, IV da Lei 4.595/65.

Desaparece também a pena de advertência e em seu lugar entra a pena de admoestação pública. A advertência, que não continha previsão de compartilhamento público, passa, na admoestação, a ter não apenas o caráter disciplinar em face da apenada, mas também certo caráter educativo, eis que seus termos podem gerar efeito sobre outras instituições que possam estar em situação semelhante, com algum efeito difuso e consequências de regulação indireta.

A concepção de que o valor de 2 bilhões de reais poderia representar, ainda, um teto preciso, não se sustenta quando a norma é lida com atenção. O art. 7º em seu caput deixa claro que um maior valor poderá ser aplicado, a saber, “0,5% da receita de serviços e de produtos financeiros apurada no ano anterior” (caso em que os 2 bilhões só seriam ultrapassados se a indigitada receita superar 400 bilhões de reais durante um exercício, algo ainda distante da realidade da média da economia mundial e dos maiores valores obtidos pelos maiores bancos brasileiros, que tem chegado, com muito trabalho, ao quarto desse valor).

Outro detalhe importante em relação a multas que podem ser aplicadas pelo Banco Central diz respeito ao valor “mezanino” de 50 milhões de reais, no qual as penas superiores a esse valor só poderão ser aplicadas se confirmadas por órgão colegiado previsto no estatuto interno do Banco Central.

No caso da CVM, o teto de 50 milhões é também ilusório: modificações impostas no art. 11 da Lei 6.386/76, segundo disposto no art. 35 da Lei 13.506/17, mantém os parâmetros de emissão irregular, vantagem decorrente do ilícito e insere o novo parâmetro baseado no prejuízo causado aos investidores.

Outro detalhe em relação aos antigos parâmetros é a sua majoração (de 50% para 100% no caso da emissão irregular), mantendo-se a mesma estrutura apenas em relação à vantagem auferida. No que tange ao parâmetro do prejuízo causado, a majoração pode atingir, inclusive, o dobro do valor de prejuízo. A majoração pelo triplo em caso de reincidência é mantida.

E apesar de todas essas elevações de parâmetro, a lei traz um parâmetro de discricionariedade para a CVM baseado na “capacidade econômica do infrator”, a fim de regular um dos temas mais polêmicos na esfera das decisões administrativas na CVM – a dosimetria. Este é um tema, tal qual o relativo à “essência sobre a forma”, que tende a gerar ainda muita polêmica e sofrer oscilações sobre a definição objetiva do que seria essa “capacidade econômica”. Mesmo parâmetro é também previsto para as penas no âmbito do Banco Central (art. 10, IV).

No quesito dosimetria, a Circular Bacen 3.857, de 14 de novembro de 2017 criou o Anexo I, onde um “quadro de fatores de ponderação para aplicação da pena-base de multa” é apresentado com os fatores, que são usados para determinar matematicamente a dose de pena nos casos de infração punível.

Outro ponto em relação às penalidades previstas para a CVM diz respeito a pena de proibição de contratar com o poder público e participar de licitações.

Curiosamente ainda em relação às penas aplicáveis no âmbito do sistema financeiro nacional, foi extinta a pena de “suspensão do exercício de cargos” (aplicável antes para os administradores) em substituição de uma reforma no instituto da “inabilitação temporária”, com consequente extinção, também, da inabilitação permanente.

Houve também inovações quanto à proibição de: prestar determinados serviços para certas instituições (III) e de realizar determinadas atividades ou modalidades de operação.

Esse tipo de pena, cujas inovações se viram na Lei 12.846/13, tem por escopo permitir uma intervenção direta do regulador no objeto social da companhia apenada, algo dantes considerado “sagrado” não apenas pelo regulador, mas por parte dos experts em direito societário.

 

 Termo de Compromisso

A lei também promove reforma no regime jurídico do Termo de Compromisso.

Antes apenas previsto na Lei 6385/76 (art.11, §§5º e ss), os arts. 11 e seguintes da lei estenderam o uso do Termo de Compromisso ao Banco Central. Além de incluir uma hipótese dentre as causas que justificam a assinatura do TC (consta agora a obrigação de “cumprir com as demais condições que forem acordadas no caso concreto…”), o termo de compromisso do Banco Central troca a exigência da publicação em Diário Oficial por publicação no sítio eletrônico da autarquia e insere novas medidas para o caso de descumprimento, tornado o termo título executivo extrajudicial, mudanças também efetuadas em relação ao termo de compromisso da Lei 6.385/76 para os casos sob atribuição da CVM.

A assinatura do termo também não desincumbe a autarquia de comunicar o evento ao Ministério Público, ainda que mantida a proposta de termo sob sigilo. Os efeitos judiciais podem ser vários: desde efeitos de natureza criminal, administrativa judicial (lei de improbidade administrativa no caso de administradores de sociedades de economia mista) bem como de natureza de anticorrupção (Lei 12.846/13).

A lei ainda regula o procedimento para assinatura do termo bem como a sua homologação por órgão colegiado, incluindo termos de conteúdo mínimo que não estão previstos na Lei 6.385/76.

 

Acordo Administrativo em Processo de Supervisão

Antes conhecido como “acordo de leniência dos bancos”, o novo acordo administrativo em processo de supervisão (AAPS), cria um regime especialíssimo de leniência, num híbrido entre a leniência prevista para os casos de atribuição do CADE e a outra leniência, aquela prevista na Lei 12.846/13.

Nesta nova leniência da 13.506/17, as pessoas físicas podem também se beneficiar do mecanismo (com algumas limitações). Frontal diferença em relação ao termo de compromisso está na confissão da matéria de fato, dispensável no termo de compromisso e requisito no AAPS.

Outra diferença reside no fato de que no AAPS o mecanismo importará na indicação de demais envolvidos na prática da infração, valendo apenas para o primeiro que dele se beneficiar. Já no caso do TC a hipótese, além de não importar confissão, estará sempre aberta para qualquer jurisdicionado, seja ele o primeiro de uma cadeia de co-partícipes ou não.

Por fim, outra diferença central diz respeito à pena aplicável: no AAPS há aplicação da pena com descontos, já no Termo de Compromisso não temos pena. Vamos ter apenas o cumprimento de certas condições restritivas que, se têm, no dia a dia, um mesmo efeito operacional e econômico, sob prisma jurídico, teríamos diferentes desdobramentos por conta da incidência ou não de uma pena (ainda que mais branda e não decorrente de uma condenação).

 

Mudanças no Rito do Processo Administrativo

O rito do processo administrativo ganhou igualmente um regime jurídico novo, que deve ser interpretado em contraponto à Lei 9.784/99, prevalecendo o regime previsto na Lei 13.506/17, já regulamentada pela Circular Bacen 3.857, de 14 de novembro de 2017.

Dentre as sofisticações, o processo administrativo passa a contar com um ato formal de citação do acusado, nos moldes do processo judicial previsto para citação por correio (art. 246, I do CPC) ou edital e com expressa previsão para integração processual por meios eletrônicos, de acordo com cadastro mantido junto ao Banco Central. Desta forma, não só as intimações poderão ser feitas por via eletrônica, como também as citações.

Em relação à citação por edital, a publicação poderá ocorrer pelo Diário Oficial ou no próprio site do Banco Central.

O prazo para defesa será de 30 dias, contados de forma contínua, excluído o início e incluído o vencimento.

Há também previsão no rito administrativo para que o Banco Central aja com total discricionariedade em relação à matéria probatória, podendo indeferir as provas ilícitas, impertinentes, desnecessárias ou protelatórias.

Todo esse regime jurídico com essas inovações se aplica na sua integralidade e no que couber ao âmbito dos processos administrativos sancionadores sob atribuição da CVM.

No âmbito do Banco Central todos os processos sancionadores passarão a ser conduzidos pelo Departamento de controle e Análise de Processos Administrativos Punitivos – DECAP. A acusação ficará sempre a cargo da Diretoria de Fiscalização – DIFIS por intermédio de um de seus Departamentos: o DESUP (Departamento de Supervisão Bancária), o DESUC (Departamento de Supervisão de Cooperativas e de Instituições Não Bancárias) ou no DECON (Departamento de Supervisão de Conduta, que terá competência voltada para averiguação de condutas relacionadas a lavagem de dinheiro e o financiamento ao terrorismo). O DEPEC (Departamento Econômico, subordinado à DIPEC – Diretoria de Política Econômica) ficará encarregado de apurar irregularidades no âmbito dos capitais internacionais.

 

Os poderes acautelatórios do BC

Outro ponto fundamental diz respeito a amplitude de poderes acautelatórios e de natureza coercitiva que a lei investe o Banco Central.

Dentre as medidas possíveis consta a prestação de informações, a cessação de atos ou atividades e a adoção de medidas acautelatórias que antecedam a instauração de processo administrativo sancionador que podem incluir: afastamento de administradores, prepostos e procuradores, restrição a atividades e a substituição compulsória de auditor independente.

As impugnações a tais medidas cautelares impostas pelo Banco Central poderão ser revistas pelo próprio órgão que impôs a restrição (art. 73 da Circular 3.857/17), nova revisão poderá ser feita pelo Conselho de Recursos do Sistema Financeiro Nacional.

 

Mudanças de natureza penal/criminal

As principais mudanças alteram o centro dos seguintes tipos penais: art. 27-C da Lei 6385/76 (manipulação de mercado) e 27-D (insider trading) da mesma lei, onde o dispositivo legal passou a equiparar o insider primário ao secundário; 27-E (exercício irregular), onde foi retirado o requisito do agente integrar o sistema de distribuição de valores mobiliários; no art. 17 da Lei 7.492/86 (crimes do colarinho branco), a vedação absoluta de empréstimo para ou de controladores, administradores e parentes até segundo grau destes além de outras figuras relevantes ou relacionadas recebeu o tempero das operações realizadas em condições compatíveis com as de mercado, excluindo-se também as empresas controladas pela União, além de inúmeras outras flexibilizações.

Os tipos penais ficaram, portanto, mais abertos e circunstanciais, restando agora dependentes de profundas análises caso a caso.

 

Mudanças na 6.024/74

A Lei 6.024/74 teve seu art. 19, acerca do regime de encerramento da liquidação extrajudicial, completamente modificado.

A Lei 13.506/17 racionalizou a discricionariedade do Banco Central em apurar certas condições de garantia, incluindo um processo formal de decisão do Banco Central em que, além de um novo regime de apuração de pagamento dos credores, passou-se a prover alternativas parecidas com algumas que são previstas na Lei 11.101/05, como a transferência de controle e mecanismos simplificados de aprovação via assembleia de credores, além ainda de mecanismos como a mudança de objeto social para atividade não integrante do Sistema Financeiro Nacional. Ficou mantida a convolação em liquidação ordinária ou decretação de falência.

A Lei 13.506/17 ainda trouxe critérios para a contagem do termo do prazo prescricional das obrigações da intervinda ou falida.

 

Mudanças na 4.595/64

A Lei 13.506/17 ainda trouxe mudanças centrais no regime de vedações e punições que antes era regulado pelos artigos 34 (integralmente reescrito), 35 e 36 (que passaram a ser regulados pelos parágrafos ao art. 3º da Lei 13.506/17, alterando o regime de aplicação em imóveis), bem como os arts. 43 (que passou a ser regulado pela nova redação dada ao art. 17 da Lei 7.492/86) e o 44 (integralmente revogado e com o texto substituído pela íntegra da Seção III da Lei 13.506/17, arts. 5º a 10º, complementados pela Circular Bacen 3.857/17, cujos breves comentários já fizemos acima no subitem “Penalidades”).

 

Conclusões

Ao longo das próximas semanas, traremos boletins tratando de temas específicos e detalhando melhor algumas dessas modificações, tais como aquelas trazidas pela Circular Bacen 3.857/17, a questão dos imóveis de propriedade de instituições financeiras, possíveis impactos e desdobramentos em produtos relevantes como derivativos, câmbio e empréstimos transnacionais, atividades envolvendo trading companies, detalhes processuais sobre os novos ritos, eventuais atualizações por meio de instruções e deliberações no âmbito da CVM e outros temas relevantes.