Novas regras para oferta de CRI para varejo

Novas regras para oferta de CRI para varejo

A Comissão de Valores Mobiliários delegou à Superintendência de Registro de Valores Mobiliários – SRE competência para dispensar o cumprimento de certos requisitos de ofertas públicas de Certificados de Recebíveis Imobiliários (CRI) lastreados em créditos considerados imobiliários pela sua destinação, realizadas no âmbito da Instrução CVM nº 400/03 e destinadas a investidores não qualificados. Esta delegação consta da Deliberação CVM nº 772, divulgada em 7 de junho de 2017.

Na prática, a regra consolida a recente jurisprudência administrativa da CVM e tem como função diminuir o período de trâmite dos pedidos de dispensa, estimulando novas operações do gênero.

Breve Contexto

A Instrução CVM nº 414/04 somente permite que os CRI sejam ofertados a investidores não qualificados (varejo) se forem lastreados em créditos originados [1](i) de imóveis com “habite-se” ou (ii) da aquisição (ou promessa) de unidades imobiliárias cuja incorporação possua patrimônio de afetação constituído de acordo com a legislação aplicável.

Uma interpretação literal da norma, portanto, vedaria a oferta de CRI lastreados em créditos imobiliários “por destinação” a investidores de varejo, pois tal lastro corresponde a uma dívida e, por incompatibilidade lógica, não pode se enquadrar nos requisitos dispostos acima.

Ocorre que a CVM pode dispensar certos requisitos de registro mediante requerimento do interessando, considerando as características da oferta pública, o interesse público, a adequada informação e a proteção ao investidor.

Com base nessa faculdade, a CVM permitiu, em ao menos 3 oportunidades, a oferta a investidores não qualificados de CRI lastreados em debêntures com destinação imobiliária. Com efeito, a Autarquia autorizou o acesso de investidores de varejo às ofertas dos lastreados em debêntures emitidas por Cyrela Brasil Realty S.A. Empreendimentos e Participações, Aliansce Shopping Centers S.A. e Direcional Engenharia S.A. [2], dispensando o cumprimento dos requisitos previstos nos incisos I e II do artigo 6º da Instrução CVM nº 414/04 [3], observadas certas condições estabelecidas pelo Colegiado.

Condições para Obtenção da Dispensa

Na prática, a Deliberação apenas estende às demais ofertas públicas o mesmo tratamento dado por ocasião dos precedentes acima referidos. Deste modo, a área técnica fica autorizada a conceder a dispensa em questão caso presentes os seguintes requisitos:

(i) o lastro dos CRIs deve ser constituído por créditos imobiliários devidos pelo seu emissor independentemente de qualquer evento futuro (crédito “performado”);

(ii) o emissor dos créditos-lastro deve ser companhia aberta;

(iii) a companhia emissora dos créditos-lastro deve ser atuante no setor imobiliário, conforme previsto em seu objeto social constante de seu estatuto social;

(iv) deve ser instituído o regime fiduciário sobre os créditos que lastreiem a emissão;

(v) deve ser elaborado ao menos um relatório de agência classificadora de risco dos CRI;

(vi) os documentos da oferta devem prever que o agente fiduciário é o responsável por verificar o direcionamento dos recursos captados a imóveis; e

(vii) previsão nos documentos da oferta de que o direcionamento dos recursos captados a imóveis será realizado até a liquidação dos CRI.

Limitações da Nova Regra

Embora positiva, a nova regra editada pela Autarquia ainda apresenta duas limitações relevantes à possibilidade de dispensa de registro. Ambas dizem respeito ao devedor dos créditos imobiliários por destinação.

Primeiramente, a regra limita a concessão de dispensa às operações em que o devedor dos créditos-lastro seja companhia aberta. Ainda que seja possível compreender os motivos que levaram a Autarquia a adotar esta restrição, seria viável suprir a preocupação com disclosure mediante a própria obrigatoriedade de classificação de risco e, eventualmente, de divulgação de demonstrações financeiras e fatos relevantes na rede mundial de computadores.

Também neste sentido, a companhia devedora deve possuir como objeto social a atuação no setor imobiliário. Entendemos que tal exigência não se coaduna com o conceito de “crédito imobiliário por destinação” adotado pela própria Autarquia. Ora, se é a destinação que confere ao crédito a natureza de imobiliário, qual seria a relevância da atividade econômica desempenhada pela companhia devedora deste mesmo crédito?

Tendo em vista que a atividade econômica da devedora não altera a natureza jurídica do crédito como imobiliário ou não imobiliário, nos parece negativa a previsão inserida na Deliberação. Bastaria à companhia comprovar a aplicação dos recursos na construção, aquisição ou reforma de imóvel para que o crédito correlato possua natureza imobiliária (na modalidade “por destinação”, pois destinados são os recursos a um imóvel), quer a companhia tenha ou não objeto social de atividade imobiliária.

 

Medindo a Extensão das Limitações

Vale ressaltar que a CVM não proibiu que sejam realizadas emissões de CRI com lastro em dívidas com destinação imobiliária emitidas por empresas que não tenham no objeto social a atividade imobiliária. Apenas restringiu a delegação de competência à SRE para autorizar a venda de tais CRI a investidores de varejo às operações em que o lastro seja devido por tais companhias com atividade imobiliária.

Isto é: a edição da Deliberação CVM nº 772/17 não impede a realização de outros pleitos de dispensa à CVM, com fundamentos diversos. Deste modo, não se pode considerar fechada a porta a emissões de CRI lastreadas em dívidas de empresas não atuantes no setor imobiliário, questão que a CVM certamente terá que enfrentar em decisões futuras.

VBSO Advogados

[1] Conforme disposto no artigo 6º, I e II, da Instrução CVM nº 414/04.

[2] Os pedidos de dispensa em referência foram apreciados, respectivamente, nos Processos CVM nº 19957.000587/2016-51, nº 19957.009281/2016-61 e nº 19957.001682/2017-53.

[3] Art. 6º A oferta pública de distribuição de CRI destinada a investidores que não sejam qualificados, conforme definido em regulamentação específica, somente será admitida para CRI lastreados em créditos sobre os quais haja sido instituído o regime fiduciário previsto no art. 9º da Lei nº 9.514, de 20 de novembro de 1997, originados: I – de imóveis com “habite-se”, ou documento equivalente, concedido pelo órgão administrativo competente; ou II – da aquisição ou da promessa de aquisição de unidades imobiliárias vinculadas a incorporações objeto de financiamento, desde que integrantes de patrimônio de afetação, constituído em conformidade com o disposto nos arts. 31-A e 31-B da Lei nº 4.591, de 16 de dezembro de 1964.