O incidente de desconsideração da personalidade jurídica no Novo Código de Processo Civil

O incidente de desconsideração da personalidade jurídica no Novo Código de Processo Civil

O tema da desconsideração da personalidade jurídica há tempos tem ocupado os tribunais e as tribunas jurídicas. Advém da doutrina anglo-saxã conhecida como disregard of legal entity, que foi concebida para coibir o abuso da personalidade jurídica da sociedade empresária, permitindo o alcance do patrimônio pessoal dos sócios que desviaram a finalidade da empresa em prejuízo de terceiros. Possibilita, portanto, que o magistrado determine a suspensão episódica da eficácia do ato que constitui a pessoa jurídica, sendo relativizada a autonomia patrimonial conferida à pessoa jurídica.

Não obstante a aplicação da desconsideração da personalidade jurídica pelos tribunais brasileiros, até a sanção e publicação em 17 de março do Novo Código de Processo Civil (NCPC), não existia no ordenamento previsão processual para a aplicação da medida. Com isso, o diploma processual brasileiro passa a comportar capítulo que prevê a instauração de um incidente específico para a desconsideração.

Prevê-se, nos casos de incidentes de desconsideração no curso do processo, a citação do sócio ou da pessoa jurídica para que possa apresentar sua defesa nos autos, tendo como regra a suspensão do processo enquanto o incidente é julgado. Também será aberta possibilidade para produção de provas, visto que o NCPC fala em realização de instrução.

De um lado positivo, serão finalmente respeitadas as garantias constitucionais da ampla defesa e do contraditório, visto que atualmente a desconsideração se dá no transcorrer do processo, muitas vezes sequer sem se abrir vista aos sócios e administradores alvos do ato, expedindo-se ordens de bloqueio de bens. Além disso, o esforço do legislador se alinha ao fato de que a desconsideração se trata de medida extrema, de exceção. Isso porque a separação e autonomia patrimonial da pessoa jurídica é elemento essencial para estimular a assunção dos riscos inerentes à atividade empresarial, sendo, portanto, fundamental para o empreendedorismo e o desenvolvimento econômico.

A previsão de que o pedido de desconsideração da personalidade jurídica deverá observar os requisitos previstos em lei – apesar de óbvia – também é acertada, de modo que está em consonância com a jurisprudência mais lúcida sobre o tema, inclusive do STJ. Com isso, deve-se manter a tendência à repressão da aplicação da medida por mera insuficiência de bens para cobrir dívidas da sociedade, sem sequer se apurar eventual desvio de finalidade, confusão patrimonial ou fraude, como prevê o Código Civil.

Em contramão à segurança jurídica que se pretende fornecer ao empresariado, dados os notórios problemas do Judiciário brasileiro – que inclusive motivaram a criação do NCPC – é crível que em muitos casos o incidente instaurado acabe por ser alvo da morosidade, em prejuízo do eventual credor. Nesse ponto, é fundamental a atuação dos juízes, de modo que os incidentes sejam julgados com agilidade, de modo a não retirar a eficácia da medida. Assim, aplicando-se o rito processual de forma célere, sem excessivos formalismos que não mais cabem no processo civil moderno, pode-se considerar um avanço à atuação segura da sociedade empresária no Brasil.

STJ permite que sociedade falida questione sua quebra via ação autônoma

Em recente decisão, a 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça entendeu, por maioria, pela possibilidade da empresa falida questionar a própria falência através de ação rescisória. A sociedade que apresentou o recurso defendeu sua legitimidade para propor a ação, pautada na previsão do artigo 103, parágrafo único, da Lei nº 11.101/2005 (Lei de Falências e Recuperação Judicial – “LFR”), que permite ao falido intervir nos processos em que a massa falida seja parte ou tenha interesses.

O ministro cujo voto foi aceito pela maioria da turma julgadora entendeu que a falência não retira a capacidade do falido de questionar a decretação da quebra, visto que a falência afasta o falido da administração dos bens – seja pessoa física ou jurídica –, mas não sua legitimidade de discutir a decisão que determinou sua quebra.

Em contramão, é relevante à hipótese a análise do que dispõe o Código Civil sobre a decretação da falência, determinando que esta acarreta a dissolução da sociedade comercial, retirando-lhe a personalidade jurídica e, por consequência, a capacidade de ser parte em ação judicial. Certamente que a LFR permite que o falido intervenha em processos de interesse, contudo, o cerne da discussão está no termo “falido” empregado pelo legislador. A legislação falimentar, seguindo o modelo do Decreto-lei anterior, por diversas vezes faz referência ao termo falido. Algumas vezes referindo-se à sociedade falida, mas em outras (em sua maioria) ao empresário individual, aos sócios, aos diretores, e/ou aos administrados da sociedade falida. Sendo assim, parece um pouco apressado o entendimento de conferir legitimidade ativa para a sociedade falida quando a lei não o faz expressamente.

Nesse sentido foi o entendimento vencido do Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, segundo o qual o efeito da decretação da falência em relação à pessoa jurídica da sociedade empresária é a sua dissolução/extinção com a consequente perda da sua personalidade jurídica, o que impediria a propositura da ação.

Ademais, a LFR já permite a intervenção do falido nos processos de interesse da massa falida ou de esta que seja parte, de modo que autorizar a propositura de ações autônomas para rever o evento da quebra – já amplamente analisado no processo falimentar e certamente via recurso aos tribunais – pode conturbar o processo falimentar, além de não parecer adequado perante a legislação pertinente.

 

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