PRINCIPAIS INOVAÇÕES DO NOVO CÓDIGO ANBIMA DE OFERTAS

PRINCIPAIS INOVAÇÕES DO NOVO CÓDIGO ANBIMA DE OFERTAS

 A Associação Nacional das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais – ANBIMA divulgou, em 28 de fevereiro, seu novo código de autorregulação a respeito das ofertas públicas de valores mobiliários.

Com a entrada em vigor do novo Código ANBIMA de Regulação e Melhores Práticas para Estruturação, Coordenação e Distribuição de Ofertas Públicas de Valores Mobiliários e Ofertas Públicas de Aquisição de Valores Mobiliários – ou apenas Código ANBIMA de Ofertas – a ocorrer em 3 de junho de 2019, o mercado de capitais terá que se adaptar às inovações introduzidas.

O presente texto explora as principais inovações trazidas pela ANBIMA, a saber: (i) as regras para registro de ofertas restritas de ações e debêntures; (ii) as novas regras aplicáveis a ofertas de títulos de securitização; e (iii) novas regras aplicáveis aos agentes de notas e agentes fiduciários.

 

  1. Ofertas Restritas de Debêntures e Ações Deverão ser Registradas na ANBIMA: O que muda?

 Como era esperado pelo mercado, a ANBIMA passará a exigir o registro das ofertas públicas de ações e de debêntures realizadas com esforços restritos, realizadas conforme o procedimento disposto na Instrução CVM nº 476, de 16 de janeiro de 2009. Neste artigo, vamos explorar quais são as principais novidades para Ofertas Restritas decorrentes deste novo código.

As regras mencionadas abaixo será aplicáveis às ofertas restritas que se encerrarem a partir de 3 de junho de 2019.

 

Novos Documentos Obrigatórios: Memorando de Ações e Sumário de Debêntures

A principal destas mudanças é a exigência de elaboração e entrega aos investidores de documentos contendo informações relativas às Ofertas Restritas de debêntures e de ações, com conteúdo semelhante a uma lâmina ou term sheet da operação.

Serão chamados de “Memorando de Ações”, para as Ofertas Restritas de ações, e de “Sumário de Debêntures”, para as Ofertas Restritas de debêntures.

 

Conteúdo do Sumário de Debêntures e Uso do Selo ANBIMA

 Ainda não foi divulgado pela ANBIMA o conteúdo mínimo do Memorando de Ações.

O Sumário de Debêntures, por seu turno, foi objeto de diretriz divulgada pelo órgão autorregulador na mesma data em que publicou o novo Código ANBIMA de Ofertas. Este documento será composto de 5 grupos de informações:

(a) informações sobre a operação: este grupo abrange identificação do emissor, identificação das instituições intermediárias da Oferta Restrita, regime de colocação, descrição do ato societário que aprova a emissão, número e valor total da emissão, classificação de risco, dentre outras;

(b) informações sobre as debêntures ofertadas: aqui entram informações como quantidade de títulos emitidos, valor nominal unitário, datas de emissão e vencimento, remuneração, garantias, dentre outras;

(c) descrição da destinação dos recursos captados pela companhia emissora com a colocação dos títulos;

(d) fatores de risco: devem ser descritos todos os fatores de risco que, nas palavras da ANBIMA, “sejam capazes de afetar a própria decisão de investimento“; e

(e) informação sobre existência de parecer legal atestando a consistência das informações contidas no Sumário de Debêntures.

 

O Sumário de Debêntures deverá conter o Selo ANBIMA. A ANBIMA possui diretriz específica regendo sua utilização e é sempre essencial que o coordenador da Oferta Restrita busque junto ao autorregulador obter a versão mais atualizada do referido selo.

 

Sumário de Debêntures: Fatores de Risco e Importância da Due Diligence

De todas as informações que devem constar do Sumário de Debêntures, os itens (a), (b) e (c) são os mais simples, pois serão reproduções de trechos correlatos da escritura de emissão de debêntures.

Já o item (d) do novo Sumário de Debêntures introduz a necessidade – hoje pouco vista em Ofertas Restritas – de divulgar os fatores de risco relativos às Ofertas Restritas de debêntures. Esta iniciativa, a nosso ver correta, permitirá ao investidor ter ciência das circunstâncias que podem afetar negativamente os títulos que adquire.

Se bem elaborada, esta seção de fatores de risco poderá trazer um benefício relevante para o investidor e melhora nos níveis de diligência adotados pelas instituições intermediárias, pois demandará um trabalho mais aprofundado de due diligence das companhias emissoras e das garantias (incluindo os ativos dados em garantias e pessoas físicas e jurídicas garantidoras).

Como vimos acima, a ANBIMA adotou uma linguagem genérica para se referir a que fatores de risco devem ser incluídos no Sumário de Ações. Qual deverá, então, ser o parâmetro para definir a extensão dos fatores de risco?

Um bom parâmetro a adotar é o rol de fatores de risco disposto na Instrução CVM nº 480/09 aplicável às companhias abertas de categoria “B” (que não permite negociação de ações em mercado secundário), assim como na Instrução CVM nº 400/03, naquilo que for aplicável à operação específica.

Além disso, ao fazer constar declaração expressa sobre a existência de opinião legal sobre o Sumário de Debêntures, a ANBIMA reforça o papel dos assessores legais no levantamento e verificação de informações e documentos da emissora das debêntures e das garantias.

Tendo em vista que o objeto da opinião legal referida pelo autorregulador é a aferição da consistência das informações constantes do Sumário de Debêntures, somente poderá ser fornecida pelos advogados da operação mediante realização de auditoria legal da emissora, garantidores e ativos objetos de eventuais garantias reais, para fundamentar, especialmente, o conteúdo da seção de fatores de risco do Sumário de Debêntures.

Vale sempre lembrar que a realização de auditoria legal pelos assessores da operação é o meio mais adequado de o coordenador comprovar o cumprimento de suas obrigações de diligência estatuídas tanto na Instrução CVM nº 400/03 quanto na Instrução CVM nº 476/09.

 

Obtendo o Registro: Quem, Como, Quando?

O pedido de registro na ANBIMA deverá ser realizado pelo coordenador líder em até 15 dias contados da data de envio do comunicado de encerramento da Oferta Restrita à CVM. Este pedido deve ser endereçado à Comissão de Acompanhamento do Código ANBIMA de Ofertas.

O pedido de registro citado acima deve ser instruído com praticamente todos os documentos relativos à Oferta Restrita, que devem ser enviados em meio eletrônico exclusivamente.

O extenso rol consta abaixo:

  • Sumário de Debêntures;
  • Contrato de distribuição de valores mobiliários ou contrato de intermediação, acompanhado, se for o caso, dos termos de adesão e/ou instrumento(s) de subcontratação de colocação de valores mobiliários;
  • Comprovante do pagamento da taxa de registro na ANBIMA;
  • Comunicado de Início e Comunicado de Encerramento;
  • Boletim de subscrição, ou documento equivalente se houver;
  • Ato societário da emissora devidamente registrado (RCA ou AGE) que aprovou a emissão e a Oferta Restrita;
  • Ato societário da garantidora devidamente registrado (RCA ou AGE) que aprovou a outorga de garantias;
  • Relatório de classificação de risco (rating), se houver;
  • Escritura da emissão de debênture devidamente registrada;
  • Aditamentos à escritura de emissão de debêntures devidamente registrado; e
  • Contrato de garantia devidamente registrado.

 

  1. Novas Regras da ANBIMA para Ofertas de Securitização

O novo Código ANBIMA de Ofertas também introduz requisitos adicionais que afetam securitizadoras e ofertas de securitização. Vamos discutir abaixo as mudanças que são mais relevantes em relação a este tema.

 

Due diligence de Securitizadoras

 Em relação às securitizadoras, a novidade reside na obrigação de o coordenador da oferta pública realizada de acordo com a Instrução CVM nº 400/03 efetuar due diligence da securitizadora que será emissora dos CRI ou CRA. Isto não se aplica às ofertas restritas (realizadas conforme a Instrução CVM nº 476/09).

due diligence referida acima é realizada mediante o preenchimento de um questionário padronizado disponibilizado pela própria ANBIMA em seu site, e deve ser atualizado a cada 12 meses.

Este questionário abrange diversas informações da securitizadora, desde informações sobre seus controladores, dados financeiros e descrição da estrutura tecnológica e de pessoal, políticas de continuidade de negócios e de lavagem de dinheiro, descrição de estrutura de gerenciamento de riscos, informações jurídicas, dentre outras, em linha com outros questionários do gênero já exigidos pela entidade autorreguladora.

 

Requisitos adicionais do Prospecto de Ofertas Públicas de Securitização

O novo Código ANBIMA de Ofertas introduziu a necessidade de novas seções no Prospecto de ofertas públicas de títulos de securitização. Além dos fatores de risco adicionais para estas operações, que já eram exigidos anteriormente, o novo código introduz a obrigatoriedade de novas informações relativas ao lastro da operação.

 

Informações Adicionais para CRI

Para os CRI, passa a ser obrigatória a indicação do tipo de ativo que constitui seu lastro de acordo com 3 categorias: (i) se o lastro é “composto por imóveis“; (ii) se o lastro é “uma aquisição ou promessa de aquisição de unidades imobiliárias vinculadas a incorporações objeto de financiamento“; ou (iii) se o lastro é “constituído por crédito imobiliário, independentemente de qualquer evento futuro“.

Esta redação adotada pela ANBIMA causa perplexidade, tendo em vista que, por disposição legal, todo CRI é lastreado por créditos imobiliários. Veja-se o que dispõe o artigo 6º da Lei nº 9.514/97, que criou estes títulos:

Art. 6º O Certificado de Recebíveis Imobiliários – CRI é título de crédito nominativo, de livre negociação, lastreado em créditos imobiliários e constitui promessa de pagamento em dinheiro.

Deste modo, a redação utilizada no código novo peca no aspecto técnico. À parte disso, é difícil entender o que seria um lastro “composto por imóveis”: a regra estaria se referindo à locação de imóveis e/ou direitos reais onerosos sobre eles (p.ex., direito de superfície)? São dúvidas que deverão ser esclarecidas pela entidade em casos concretos e, talvez, aprimoradas futuramente.

Outra novidade relativa aos CRI é a necessidade de descrever a “concentração geográfica do lastro“. Este dado se soma à necessidade de descrever o Estado (Unidade da Federação) e município em que se encontram os imóveis a que o lastro se refere, o que torna a nova exigência mais útil em operações em que há maior pulverização.

 

Informações Adicionais para CRA

Duas informações adicionais sobre os CRA merecem destaque. A primeira delas é a descrição de “qual fase da cadeia do agronegócio o lastro está inserido“, havendo quatro opções para serem apontadas: (i) produção; (ii) comercialização; (iii) beneficiamento; ou (iv) industrialização. Este rol não foi definido por acaso: decorre da definição de direito creditório do agronegócio constante da Lei nº 11.076/14.

Neste ponto, vale lembrar que a Instrução CVM nº 600/18 expande o conceito de comercialização, para abrigar sob seu guarda-chuva as atividades de “compra, venda, exportação, intermediação, armazenagem e transporte” de produtos agropecuários. Deste modo, os lastros que se relacionarem com as atividades mencionadas neste parágrafo estarão incluídas na fase de comercialização.

A segunda informação relevante é a indicação dos critérios para caracterização do produtor rural. A autorreguladora aponta os seguintes critérios: (i) para pessoa jurídica, a condição de produtor rural é verificada (a) mediante análise do CNAE – Classificação Nacional de Atividades Econômicas primário ou secundário ou (b) conforme o objeto social da pessoa jurídica constante de seus atos constitutivos (contrato/estatuto social); ou (ii) em se tratando de uma pessoa física, comprovação de sua inscrição em seu estado ou município. Ainda, o novo código permite que o coordenador adote um outro critério além destes dois, desde que seja apto a comprovar a condição de produtor rural.

Vale lembrar que a CVM se pronunciou a respeito de seu entendimento da caracterização de produtor rural no relatório produzido pela autarquia ao final da audiência pública que resultou na Instrução CVM nº 600/18. Na ocasião, indicou que deve ser adotado o critério já estabelecido pela Receita Federal, que é bastante amplo, como se vê abaixo:

a pessoa física ou jurídica, proprietária ou não, que desenvolve, em área urbana ou rural, a atividade agropecuária, pesqueira ou silvicultural, bem como a extração de produtos primários, vegetais ou animais, em caráter permanente ou temporário, diretamente ou por intermédio de prepostos“.

 

  1. Novas Regras para Agentes de Notas e Agentes Fiduciários

 Um terceiro campo de novidades introduzidas pelo novo Código ANBIMA de Ofertas são as regras a serem observadas pelos agentes de notas e agentes fiduciários.

Em primeiro lugar, cabe esclarecer a distinção entre ambos traçada no código: os primeiros são aqueles agentes contratados como representantes da comunhão de investidores de notas comerciais com prazo de vencimento inferior a 360 dias, cuja contratação é facultativa. Os segundos são aqueles contratados nas circunstâncias exigidas em lei ou regulamento – incluindo os contratados para atuarem em notas promissórias com prazo de vencimento superior a 360 dias.  Ou seja, este segundo grupo corresponde às pessoas sujeitas à Instrução CVM nº 583/16.

Esta delimitação do destinatário das regras prevista no código em questão é a inovação relevante neste tema, pois sua introdução no mencionado diploma decorre da extensão da observância das regras previstas para os agentes que atuam em emissões de notas comerciais, CRI e CRA, enquanto a regra anterior limitava seu escopo àqueles que atuavam em emissões de debêntures.

Deste modo, todos os agentes fiduciários aderentes ao Código ANBIMA de Ofertas passarão a ter que observar suas regras, independentemente dos produtos em que atuem.  Dentre tais regras a que estarão sujeitos, incluem-se a necessidade de segregação da atividade de agente fiduciário/agente de notas das demais atividades da pessoa jurídica; elaboração e observância de plano de continuidade de negócios e observância de requisitos mínimos de sigilo e segurança da informação.

 

VBSO Advogados – Equipe de Mercado de Capitais