Valor Econômico – Câmara aprova projeto com regras para a recuperação judicial de produtores rurais

Valor Econômico – Câmara aprova projeto com regras para a recuperação judicial de produtores rurais

Câmara aprova projeto com regras para a recuperação judicial de produtores rurais

Texto exclui dos processos dívidas com crédito subsidiado pelo Tesouro e CPRs
Por Rafael Walendorff, Valor — Brasília

Reportagem publicada no Valor Econômico em 27 de agosto de 2020: https://valor.globo.com/agronegocios/noticia/2020/08/27/camara-aprova-projeto-com-regras-para-a-recuperacao-judicial-de-produtores-rurais.ghtml

A Câmara dos Deputados aprovou ontem o projeto com as regras para a recuperação judicial dos produtores rurais pessoas físicas. O texto cria requisitos contábeis e fiscais para pré-qualificar quem poderá acessar o instrumento e deixa de fora do processo as dívidas com crédito oficial, que contam com recursos do Tesouro Nacional, e as vinculadas às Cédulas de Produto Rural (CPRs) Físicas.

O deputado federal Alceu Moreira (MDB-RS), presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) e autor da emenda aprovada, acredita que o projeto será votado no Senado em duas semanas. Ele diz que o texto assegura o direito à recuperação judicial, um “remédio amargo e de última instância”, apenas a quem comprovadamente precisa. “A lei não permite que esse instrumento seja utilizado para fins inescrupulosos”, afirmou ao Valor.

A bronca dos agricultores, no entanto, é com a exclusão das CPRs do processo. O papel é usado na antecipação de pagamentos ou operações de barter com tradings e revendas de insumos. “Basicamente, o produtor não terá o que negociar”, diz Thiago Rocha, consultor jurídico da Associação dos Produtores de Soja e Milho de Mato Grosso (Aprosoja-MT).

De acordo com o texto, o Ministério da Agricultura vai regulamentar “casos fortuitos e de força maior” em que o crédito ligado à CPR poderá ser incluído no processo, como uma quebra generalizada de safra. “Excepcionalizamos todos os casos em que a CPR pode entrar, pois a má utilização induz o risco de crédito, que é pior do que não poder usar a cédula da recuperação”, disse Alceu Moreira.

O presidente-executivo da Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais (Abiove), André Nassar, afirmou que a medida ficou balanceada, mas desagradou a ambos os lados. “Nos preocupa essa questão de força maior para incluir a dívida vinculada à CPR. Mas o texto garante que as tradings vão receber a produção fomentada. Isso é importante, pois impede a ação de oportunistas”.

Os produtores também queriam que o regime simplificado de recuperação, previsto na lei para débitos de até R$ 4,8 milhões (o mesmo aplicado para micro e pequenas empresas), fosse ampliado para dívidas de até R$ 10 milhões. “Vai pegar pouca gente. Essa era a ferramenta para evitar que produtores entrassem na regra geral.

Nela, os credores teriam a previsibilidade de quantos anos teriam para receber os valores e poderiam prevê-los nos balanços já com a taxa de correção”, acrescentou Thiago Rocha, da Aprosoja-MT.

O governo considera o texto “bastante equilibrado e consistente” e acredita que ele não vai causar grande impacto aos financiadores, mas vai tentar deixar ainda mais clara a proteção do crédito oficial com subsídio. “A redação dá a entender que qualquer dívida do crédito oficial que não tenha sido renegociada pode entrar na RJ.

O que o artigo quer dizer é que qualquer dívida que tenha tido proposta de renegociação por parte do produtor, dentro dos prazos do Manual de Crédito Rural – e não tenha sido aceita pelo banco – pode entrar”, afirmou ao Valor Rogério Boueri, subsecretário de Política Agrícola e Meio Ambiente do Ministério da Economia. “É uma forma de facilitar a renegociação por parte dos bancos sem expor o crédito rural, que é subvencionado. Não podemos expor o Tesouro ao risco”.

A equipe econômica avalia que as CPRs físicas estão “razoavelmente protegidas” e que a regulamentação dos casos “de força maior”, em que o título poderá entrar na RJ, vai induzir maior contratação de seguro rural. “Os credores vão começar pedir o seguro para fazer a CPR, pois é onde eles estão desprotegidos. Não é de todo o ruim, já que tira o risco do setor agropecuário”, completou Boueri.

Produtores, por outro lado, reclamam que os bancos não cumprem as regras de renegociação e que o setor fica sem opção para saldar as dívidas. “Se o governo retirar todos os instrumentos da repactuação, vai ter que acudir todo mundo e vamos ouvir falar muito em securitização nos próximos anos”, ponderou Rocha.

Renato Buranello, sócio do VBSO Advogados e diretor do Instituto Brasileiro de Direito do Agronegócio (IBDA), realçou que o texto protege operações que merecem tratamento especial, como a CPR Física, os recursos do Tesouro Nacional e as instituições financeiras. “A lei é equilibrada e a finalidade é preservar a atividade”, opinou.

Já Roberto Keppler, sócio da Keppler Advogados, avalia que o projeto esvazia as alternativas de recuperação dos produtores. “A proposta tratou de cuidar da proteção ao crédito bancário”, disse. “O texto retira a principal força da CPR como título de crédito, que era justamente afastar expressamente a alegação de caso fortuito e força maior da exigibilidade da obrigação. Por certo impactará na concessão de crédito”, completou Fernando Pellenz, coordenador da área de Agribusiness do escritório Souto Correa Advogados.

Entre os pré-requisitos previstos no projeto para o produtor rural se qualificar para o acesso à RJ estão o Livro Caixa, balanço patrimonial e imposto de renda, que precisam estar disponíveis na tomada do crédito. A intenção é dar transparência ao ambiente de financiamento com os dados sobre receitas, bens, despesas, custos e dívidas.

Também ficam de fora da RJ as dívidas contraídas para compra de terras e as não relacionadas estritamente à atividade rural.

O Ministério da Agricultura informou que só vai se posicionar depois da sanção presidencial do projeto. O Valor aguarda posicionamento do Ministério da Economia.