Regulamentação do Crowdfunding de investimento

Regulamentação do Crowdfunding de investimento

 

A Comissão de Valores Mobiliários regulamentou a dispensa de registro para a captação pública por meio da distribuição de valores mobiliários por Sociedades Empresárias de Pequeno Porte (conforme abaixo definidas) por meio de Plataforma Eletrônica de Investimento Participativo (conforme abaixo definida) (“Crowdfunding de Investimento”), de modo a atender as demandas dos agentes de mercado e alinhar a estrutura do mercado de capitais brasileiro às novas tendências de implantação de plataformas eletrônicas.

A Instrução CVM nº 588, de 13 de julho de 2017  foi editada com a finalidade de: (i) assegurar a proteção aos investidores; (ii) garantir a segurança jurídica aos agentes de mercado envolvidos na captação pública por meio do Crowdfunding de Investimento; e (iii) padronizar o procedimento de oferta de Crowdfunding de Investimento, vez que antes da edição da referida Instrução as dispensas de registro de distribuições eram viabilizadas caso a caso por meio de “Pedidos de Dispensa de Registro ou de Requisitos”, formulados com base no artigo 5º, III da Instrução CVM nº 400, de 29 de dezembro de 2003, conforme alterada, o qual foi revogado com a edição da Instrução CVM nº 588/17.

A edição da Instrução CVM nº 588/17 possui fundamento na criação de mecanismos de captação de recursos que viabilizem o acesso das Sociedades Empresárias de Pequeno Porte – que, em muitos casos, são empresas em estágios iniciais de desenvolvimento – ao mercado de capitais de modo a aumentar as opções de alavancagem e financiamento. Tal medida representa um avanço para o mercado de capitais brasileiros, visto que, historicamente as Sociedades Empresárias de Pequeno Porte enfrentam muitas barreiras para seu pleno desenvolvimento, incluindo o acesso ao crédito, bem como apresentam altas taxas de mortalidade em seus primeiros anos de vida[1].

Para fins da Instrução CVM nº 588/17 não são consideradas como oferta pública de valores mobiliários o financiamento captado por meio de páginas na rede mundial de computadores, programa, aplicativo ou meio eletrônico, quando se tratar de doação, ou quando o retorno do capital recebido se der por meio de brindes e recompensas ou por bens e serviços (exemplo comum seriam os crowdfundings de obras artísticas, feitas por meio de sites como o “Kickstarter”); bem como não serão reguladas as atividades de empréstimos concedidos por pessoas físicas a pessoas físicas ou jurídicas por meio da rede mundial de computadores, programa, aplicativo ou meio eletrônico, que não envolva a emissão de valores mobiliários.

Muitos aspectos relevantes foram sistematizados pela Instrução CVM nº 588/17, dentre os quais destacam-se:

 

Definição de Sociedade Empresária de Pequeno Porte

Para fins da Instrução CVM nº 588/17 são Sociedades Empresárias de Pequeno Porte as sociedades empresárias regularmente constituídas e registradas no Brasil, com receita bruta anual de até R$10.000.000,00 (dez milhões) de reais, conforme apurada no exercício social encerrado no ano anterior à oferta de Crowdfunding de Investimento e que não sejam registradas como emissoras de valores mobiliários na CVM.

Na hipótese de Sociedades Empresárias de Pequeno Porte que não tenham operado por 12 (doze) meses no exercício social encerrado no ano anterior à oferta de Crowdfunding de Investimento, o limite R$10.000.000,00 (dez milhões) de reais será proporcional ao número de meses em que a sociedade empresária houver exercido atividade, desconsideradas as frações de meses. Ainda, na hipótese de Sociedade Empresária de Pequeno Porte ser controlada por outra pessoa jurídica ou por fundo de investimento, a receita bruta consolidada anual do conjunto de entidades que estejam sob controle comum não pode exceder R$ 10.000.000,00 (dez milhões) de reais no exercício social encerrado no ano anterior à oferta.

 

Definição e Regulamentação de Sindicato de Investimento Participativo e de Investidor Líder

A Instrução CVM nº 588/17 permite que as Plataformas Eletrônicas de Investimento Participativo admitam a participação de Sindicatos de Investimento Participativo em ofertas de Crowdfunding de Investimento. Os Sindicatos de Investimento Participativo são definidos como grupos de investidores vinculados a um Investidor Líder (conforme abaixo definido) e reunidos com a finalidade de realizar investimentos em ofertas de Crowdfunding de Investimento, sendo facultativa a constituição de um veículo de investimento para tanto.

No contexto dos Sindicatos de Investimento Participativo e, com vistas a reduzir a assimetria informacional entre emissores e investidores, a Instrução CVM nº 588/17 admite a participação de um Investidor Líder nas ofertas de Crowdfunding de Investimento. Para fins desta Instrução considera-se Investidor Líder a pessoa natural ou jurídica com comprovada experiência na liderança de rodadas de investimento ou com a realização de investimentos em Sociedades Empresárias de Pequeno Porte.

Para ser admitido, o Investidor Líder deverá comprovar sua experiência, incluindo a descrição do percentual de sua participação e os resultados auferidos em seus investimentos. Além disso, o Investidor Líder deverá apresentar aos investidores do Sindicato de Investimento Participativo sua tese de investimento pessoal expondo as justificativas para a escolha da Sociedade Empresária de Pequeno Porte de modo a auxiliar os demais investidores no processo de tomada de decisão de investimento.

Por fim, admite-se o pagamento da taxa de desempenho devida pelos investidores apoiadores do Sindicato de Investimento Participativo ao Investidor Líder e à Plataforma Eletrônica de Investimento Participativo, inclusive por meio de valores mobiliários emitidos pela Sociedade Empresária de Pequeno Porte.

 

Definição e Regulamentação do Funcionamento das Plataformas Eletrônicas de Investimento Participativo

Para os efeitos da Instrução CVM nº 588/17 são consideradas Plataformas Eletrônicas de Investimento Participativo as pessoas jurídicas regularmente constituídas no Brasil e registradas na CVM com autorização para exercer profissionalmente a atividade de distribuição de ofertas de Crowdfunding de Investimento, as quais serão conduzidas exclusivamente por meio de página na rede mundial de computadores, programa, aplicativo ou meio eletrônico que forneça um ambiente virtual de encontro entre investidores e emissores.

Para obtenção e manutenção do registro de Plataforma Eletrônica de Investimento Participativo, será necessário o atendimento dos seguintes requisitos pelas pessoas jurídicas: (i) dispor de capital social integralizado mínimo de R$100.000,00 (cem mil) reais; (ii) dispor de procedimentos e sistemas de tecnologia da informação adequados e passíveis de verificação que possibilitem a atuação como gatekeeper, de modo a garantir a adequação das ofertas objeto da Instrução CVM nº 588/17; (iii) elaborar um código de conduta aplicável a seus sócios, administradores e funcionários; (iv) possuir administradores domiciliados no Brasil; (v) possuir administradores e sócios: (a) com reputação ilibada; (b) não sujeitos a inabilitação ou suspensão de exercício de cargo em instituições reguladas; (c) sem condenações por certas práticas criminosas; e (d) sem punições, nos últimos 5 (cinco) anos, em decorrência do exercício de atividades sujeitas ao controle e fiscalização de instituições reguladoras.

A atuação da Plataforma Eletrônica de Investimento Participativo como gatekeeper da oferta de Crowdfunding de Investimento se faz de suma importância, tendo em vista: (i) os riscos inerentes ao investimento em sociedades em estágio inicial de desenvolvimento bem como a grande taxa de mortalidade das Sociedades Empresárias de Pequeno Porte ao longo dos seus primeiros anos de vida; (ii) a ausência de análise prévia da CVM em função da dispensa automática de registro; e (iii) a ausência de garantia da veracidade, pela CVM, com relação às informações prestadas, à adequação à legislação vigente ou julgamento sobre a qualidade da sociedade empresária de pequeno porte.

Por conta de sua função de gatekeeper, a Instrução CVM nº 588/17 incumbe às Plataformas Eletrônicas de Investimento Participativo algumas responsabilidades dentre as quais se destacam: (i) tomar todas as cautelas e agir com elevados padrões de diligência de modo a assegurar que a oferta de Crowdfunding de Investimento seja conduzida nos termos da Instrução CVM nº 588/17 e que as informações sobre a oferta, as Sociedades Empresárias de Pequeno Porte e sobre o Investidor Líder sejam verdadeiras, consistentes, corretas e suficientes, permitindo aos investidores uma tomada de decisão fundamentada; (ii) divulgar, com destaque, eventuais conflitos de interesse nas informações essenciais da oferta; (iii) manter registros da participação de cada investidor nas ofertas conduzidas; (iv) obter as declarações aplicáveis; (v) manter um fórum eletrônico de discussão para cada oferta, com acesso restrito aos investidores destinatários; (vi) verificar as exigências relativas à qualificação do Investidor Líder bem como supervisionar sua respectiva atuação; e (vii) manter serviço de atendimento ao investidor.

Por fim, cumpre ressaltar que as Plataformas Eletrônicas de Investimento Participativo não terão caráter de instituição financeira, de modo que fica vedada a realização de qualquer atividade privativa de instituição financeira, inclusive o trânsito de montantes transferidos pelos investidores por contas correntes mantidas pelas referidas plataformas.

 

Requisitos para Dispensa de Registro

A oferta de Crowdfunding de Investimento será automaticamente dispensada de registro na CVM, desde que: (i) o somatório do valor total de captação da oferta atual com os montantes captados no mesmo ano-calendário pela Sociedade Empresária de Pequeno Porte não pode exceder o valor de R$ 5.000.000,00 (cinco milhões de reais), e o prazo de captação não poderá ser superior a 180 (cento e oitenta) dias, que devem ser definidos antes do início da oferta; (ii) a oferta deve seguir os procedimentos descritos na referida Instrução; (iii) deve ser garantido ao investidor um período de desistência de, no mínimo, 7 (sete) dias contados a partir da confirmação do investimento, sendo a desistência por parte do investidor isenta de multas ou penalidades quando solicitada antes do encerramento deste período; (iv) a emissora deve ser Sociedade Empresária de Pequeno Porte; e (v) os recursos captados por meio da oferta de Crowdfunding de Investimento não podem ser utilizados para: (a) fusão, incorporação, incorporação de ações e aquisição de participação em outras sociedades; (b) aquisição de títulos, conversíveis ou não, e valores mobiliários de emissão de outras sociedades; ou (c) concessão de crédito a outras sociedades.

Além disso, não será admitida a realização de nova oferta de Crowdfunding de Investimento com dispensa de registro pela mesma Sociedade Empresária de Pequeno Porte, por meio da mesma ou de outra plataforma, dentro do prazo de 120 (cento e vinte) dias contados da data de encerramento da oferta anterior que tenha logrado êxito. A Plataforma Eletrônica de Investimento Participativo ficará incumbida de verificar a aderência aos requisitos apresentados acima.

Para fins do item (ii) acima, a distribuição pública dispensada de registro deverá ser realizada por uma única Plataforma Eletrônica de Investimento Participativo devidamente registrada na CVM, devendo ser observados os seguintes procedimentos: (i) todos os investidores devem firmar “Termo de Adesão e Risco” declarando que teve acesso às informações essenciais da oferta pública, em especial aos alertas de risco, e que está ciente dos riscos em geral da oferta; (ii) para cada oferta em andamento a Plataforma Eletrônica de Investimento Participativo deve manter uma página na rede mundial de computadores, nos programas, aplicativos ou outros meios eletrônicos disponibilizados, informando o montante total correspondente aos investimentos confirmados, possibilitando a comparação diária com relação aos valores alvo mínimo e máximo de captação; (iii) admite-se a distribuição parcial, com estabelecimento de valores alvo mínimo e máximo de captação, sendo que o valor alvo mínimo corresponderá a pelo menos 2/3 (dois terços) do valor alvo máximo; (iv) em caso de sucesso da oferta, a Plataforma Eletrônica de Investimento Participativo deverá divulgar o seu encerramento em sua página na rede mundial de computadores, sem restrição de acesso; (v) em até 5 (cinco) dias úteis após o encerramento da oferta, a Plataforma Eletrônica de Investimento Participativo deverá tomar as providências necessárias para a transferência do montante final para a Sociedade Empresária de Pequeno Porte, em caso de sucesso da oferta, ou aos investidores, caso o valor alvo mínimo não tenha sido atingido.

 

Limites de Investimento

O montante total aplicado por investidor em valores mobiliários ofertados com dispensa de registro no âmbito da Instrução CVM nº 588/17 ficará limitado a R$10.000,00 (dez mil) reais por ano-calendário, exceto no caso de: (i) Investidor Líder, o qual deverá realizar investimento de recursos próprios na Sociedade Empresária de Pequeno Porte de pelo menos 5% (cinco por cento) do valor alvo mínimo de captação na oferta pública; (ii) qualificado, conforme definido no artigo 9-B da Instrução CVM nº 539, de 13 de novembro de 2013, conforme alterada; ou (iii) cuja renda bruta anual ou montante de investimentos financeiros seja superior a R$100.000,00 (cem mil) reais, hipótese em que o limite anual de investimento de R$10.000,00 (dez mil) reais poderá ser ampliado para até 10% (dez por cento) do maior destes critérios, por ano calendário. A Plataforma Eletrônica de Investimento Participativo ficará incumbida de obter as declarações e realizar as diligências necessárias para assegurar o cumprimento dos requisitos apresentados acima.

 

Dispensa de Verificação de Suitability

 As Plataformas Eletrônicas de Investimento Participativo ficam dispensadas da observância da regulamentação específica sobre a verificação da adequação dos produtos, serviços e operações ao perfil do investidor – suitability.

 

Prazo de Adaptação

Conforme mencionado anteriormente, as plataformas que já tenham realizado ao menos uma oferta pública de valores mobiliários com dispensa de registro nos termos da Instrução CVM nº 400/03 terão 120 (cento e vinte) dias para requerer autorização para registro como Plataforma Eletrônica de Investimento Participativo, nos termos mencionados acima. Uma vez protocolado o pedido de registro, a plataforma poderá realizar oferta de Crowdfunding de Investimento obedecendo todos os requisitos da Instrução CVM nº 588/17, exceto quanto à exigência de registro.

Por fim, as ofertas públicas de valores mobiliários por meio de plataformas eletrônicas e dispensadas de registro que já estejam em andamento na data de publicação da Instrução CVM nº 588/17 poderão transcorrer nos termos que foram inicialmente apresentados aos investidores, sem necessidade de adaptações até o seu respectivo encerramento.

 

Equipe Mercado de Capitais – VBSO Advogados

 

[1] Conforme pesquisa do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas – SEBRAE, em 2012, 23,4% das empresas abertas há 2 anos fecharam suas portas. Maiores informações podem ser consultadas em: http://www.sebrae.com.br/Sebrae/Portal%20Sebrae/Anexos/sobrevivencia-das-empresas-no-brasil-relatorio-2016.pdf