Estadão: FIAGRO: FUNDOS DE AGRONEGÓCIO PODERÃO MOVIMENTAR ATÉ R$ 15 BI NO PRIMEIRO ANO

Estadão: FIAGRO: FUNDOS DE AGRONEGÓCIO PODERÃO MOVIMENTAR ATÉ R$ 15 BI NO PRIMEIRO ANO

Os Fundos de Investimento nas Cadeias Produtivas Agroindustriais (Fiagro), projeto aprovado pelo Senado e que aguarda sanção do presidente da República, poderão movimentar até R$ 15 bilhões no primeiro ano de operação, segundo apurou o Broadcast Agro. A demanda total do setor é estimada em cerca de R$ 600 bilhões, considerando recursos de bancos, empresas e mercado de capitais. A avaliação do mercado é de que o fluxo de dinheiro para o setor tende a crescer, com o crescente interesse de investidores em ativos que tragam remuneração acima da taxa básica de juros (Selic) e a facilidade trazida pelos Fiagros em investir em ativos do agronegócio, com a “curadoria” de gestoras de investimentos.

“Hoje o investidor de varejo brasileiro, que são as classes média e média alta que estão buscando opções de investimentos, como ações em bolsa, tem poucas opções no agro. Existem alguns CRAs que vão ao mercado, alguns fundos com ativos do agro, mas são poucos”, diz o gestor de Agronegócio da Riza Asset, Paulo Mesquita, em referência aos Certificados de Recebíveis do Agronegócio. “Nós acreditamos que o Fiagro vai dar muita liquidez para CPR financeira, CDA, CDCA, os próprios CRAs. A partir do momento em que for criado o Fiagro, surgirão vários fundos Fiagro com interesse em adquirir esses papéis”, disse Mesquita.

Outra vantagem, segundo ele, é que, assim como Fundos de Investimento Imobiliário (FII) podem ser listados na B3 e suas cotas, negociadas no mercado secundário, o mesmo ocorrerá com os Fiagro. Isso garantirá maior flexibilidade para investidores deixarem ou participarem dos fundos e, com isso, mais atratividade ao papel.

Fundos nos moldes do Fiagro poderão destinar recursos a diversos ativos, como imóveis rurais, participações em empresas da cadeia produtiva agroindustrial, direitos creditórios do agronegócio ou imobiliários relativos a imóveis rurais, títulos de crédito do setor, títulos de securitização, como os CRAs, cotas de fundos que apliquem mais de 50% de seu patrimônio nos ativos acima, dentre outros. O texto que passou no Senado também prevê que tanto investidores brasileiros como estrangeiros não residentes poderão adquirir cotas de um Fiagro.

Outro fator deve ser chamariz para os Fiagro: a possibilidade de cotistas serem isentos de imposto de renda. O texto que saiu do Congresso prevê a isenção do IR para aqueles com menos de 10% das cotas de um fundo, em fundos com mais de 50 cotistas, regra à qual devem se aplicar a maioria dos investidores pessoa física, avalia o sócio-fundador da VBSO Advogados, Paulo Vaz. “O poder de compra de investidores pessoa física dificilmente passará de 10% das cotas de um Fiagro, e por isso ele tende a ser mais vantajoso que um fundo de renda fixa, por exemplo”, explica Vaz.

Cotistas de um Fundo de Investimento em Direito Creditório (FIDC), por exemplo, são tributados conforme o prazo em que fazem resgates, em 22,5% sobre o rendimento da cota em um resgate em até seis meses, e em até 15% no caso de resgates feitos após dois anos. O projeto de lei do Fiagro prevê tributação de 20% apenas para cotistas com 10% ou mais das cotas do fundo, na distribuição de ganhos feita pela gestora do fundo, na venda de cotas pelo cotista a terceiros ou na amortização de cotas (pagamento de parte do valor da cota pela gestora) em fundos fechados, que não permitem se desfazer da cota antes do prazo final do fundo.

Mesquita acredita que no primeiro ano em que os Fiagro surgirem de fato no mercado, todas as casas de investimento poderão captar entre R$ 10 bilhões e R$ 15 bilhões. A maior parte dos fundos deve concentrar os aportes, inicialmente, em títulos de crédito e de securitização. Entre eles, CPRs (Cédulas de Produto Rural, apresentadas por produtores a distribuidoras de insumos, agroquímicas, tradings ou bancos para obter insumos ou crédito antecipado para a safra); CDCA (Certificado de Direitos Creditórios do Agronegócio, emitidos por cooperativas de produtores e outras pessoas jurídicas que atuem com comercialização, beneficiamento ou industrialização de produtos do setor e tenham créditos a receber de produtores); CDAs (Certificado de Depósito do Agronegócio, que representa promessa de entrega, por armazéns e cooperativas, de produtos agropecuários depositados por produtores); e CRAs (geralmente emitidos por grandes companhias para financiar produtores ou outros projetos).

Mesquita diz que o maior montante a ser destinado aos Fiagros no primeiro momento virá de investidores brasileiros. “Claro que existe estrangeiro interessado no agro brasileiro, mas no começo quem vai responder pela maior parte de recursos são os brasileiros”, afirma.

No longo prazo, avalia Mesquita, com a familiarização de investidores com o produto e amadurecimento dos agentes de mercado na operacionalização, os Fiagros poderão suprir ao menos 30% dos cerca de R$ 600 bilhões demandados pelo agronegócio atualmente, ou seja, em torno de R$ 180 bilhões. “Os fundos imobiliários respondem hoje por uma parcela muito relevante do mercado imobiliário. O Fiagro tem potencial para ter uma participação maior no agro do que os FIIS (no setor de imóveis), pode chegar a 30% ou 35% da demanda total, em um período de cinco a dez anos”, diz Mesquita.

Rodrigo Amato, CEO da Mark 2 Market, empresa de gestão de risco que em dezembro foi autorizada pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM) a atuar como central depositária de CRAS, também vê semelhanças na trajetória esperada para os Fiagro com a dos FIIs. A estrutura destes fundos, lembra ele, serviu de base para o PL do Fiagro e beneficiou o mercado de Certificados de Recebíveis Imobiliários (CRI). “O volume de recursos dos fundos imobiliários nos últimos três anos saiu de R$ 40 bilhões para R$ 105 bilhões. Os FIIs compram cada vez mais CRI (Certificados de Recebíveis Imobiliários, lastreados em financiamentos imobiliários), dando liquidez para pessoas físicas irem para a bolsa, e a tendência é de que os CRAs sigam essa onda e o Fiagro comece a dar mais liquidez aos CRAs”, acrescentou. Amato acredita que os Fiagros poderão movimentar entre R$ 5 e R$ 10 bilhões no primeiro ano de operação.

Para o diretor de Agronegócio do Itaú BBA, Pedro Fernandes, o ritmo de desenvolvimento dos Fiagros tende a ser mais acelerado do que o dos FII, criados há 15 anos. “Haverá uma curva de penetração (do Fiagro), mas ela tende a ser mais rápida do que a dos fundos imobiliários pela tecnologia adotada hoje e pelo momento dos juros  (em patamares baixos), que torna investidores mais propensos à tomada de risco para receber prêmio”, ponderou.

O executivo do Itaú diz que, no momento, há “boa receptividade” no mercado de ações e de dívida para títulos do agro, mas lembra que, sendo o Fiagro uma nova classe de ativo, haverá um processo de “education” (educação) do mercado, incluindo bancos, family offices e plataformas de investimento. “A preocupação é que, assim como na primeira geração de fundos imobiliários, essa primeira geração de Fiagro não tenha os parâmetros de risco bem compreendidos pelo investidor, o que poderia levar a um soluço no mercado. Há particularidades no agro, como o fato de as datas em que o caixa é gerado na agricultura serem definidas pelo andamento da safra, o que não é tão claro para os investidores”, alerta Fernandes. “Nossa carteira no Itaú é predominantemente de longo prazo, em instrumentos pouco líquidos, porque essa é a necessidade do cliente (do agro)”, complementou.

Não se sabe, ao certo, quando os Fiagro chegarão ao mercado, pois após a sanção presidencial a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) precisará normatizar a lei, ou seja, detalhar todas as regras relacionadas ao fundo. Mesquita, da Riza, acredita que os primeiros fundos só serão lançados, de fato, em 2022, considerando que a sanção saia em março ou abril e a CVM demore mais seis a oito meses na normatização. Outra fonte ouvida pela reportagem diz que há grande expectativa e articulação de entidades do agro e da própria Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) para que o instrumento possa ser usado ainda em 2021.

Reportagem publicada no Broadcast Agro em 23 de março de 2021.