ConJur – Divergência sobre contagem para pedido principal após cautelar acende alerta

ConJur – Divergência sobre contagem para pedido principal após cautelar acende alerta

O prazo de 30 dias conferido pelo artigo 308 do Código de Processo Civil de 2015 para apresentar o pedido principal nos mesmos autos da tutela cautelar requerida em caráter antecedente deve ser contado em dias úteis ou corridos?

A advocacia, para quem a definição tem impacto relevantíssimo, defende que a contagem respeita finais de semanas e feriados. Mas há um grave desencontro doutrinário e jurisprudencial que alcançou o Superior Tribunal de Justiça, a corte responsável por uniformizar a interpretação da lei federal.

Para a 1ª Turma do STJ, o prazo deve ser contado em dias corridos. A posição foi votada por unanimidade no agravo interno no REsp 1.982.986, cujo julgamento foi feito em sessão virtual, encerrada às 23h59 de 20 de junho.

No dia seguinte, a 4ª Turma entendeu, também por unanimidade, que o mesmo prazo deve ser contado em dias úteis. Foi no REsp 1.763.736, julgado em sessão presencial e cujo acórdão ainda não foi publicado.

Para o advogado Vinicius Caccavali, sócio do VBSO, a interpretação dada pela 1ª Turma pode fazer a advocacia, por precaução, adotar o caminho mais conservador, o que resulta em desdobramentos desfavoráveis. Há uma quebra da confiança em relação a uma das principais alterações promovidas pelo CPC de 2015.

O artigo 219 foi uma das novidades mais comemoradas pela advocacia por definir a contagem dos prazos processuais em dias úteis, o que até o CPC de 1973 era feito em dias corridos. Isso significou menos finais de semanas e feriados de trabalho para todos os advogados do Brasil.

A origem
O prazo de 30 dias a que se refere o artigo 308 do CPC trata da tutela cautelar requerida em caráter antecedente. Esse é o mecanismo dado à parte que, por urgência, precisa de uma decisão antes mesmo de preparar a ação principal.

Seria o caso, por exemplo, de alguém que tem o nome negativado devido a uma cobrança indevida e que gere prejuízos imediatos. Antes do pedido principal, que pode incluir indenização por danos morais, será possível requerer a desnegativação por meio da liminar.

Essa possibilidade já existia na vigência do CPC de 1973. O pedido cautelar e o principal eram feitos em processos distintos. O artigo 806 previa que, uma vez concedida a cautelar, o autor teria 30 dias para ajuizar a ação principal.

Esse prazo, como os demais, era contado em dias corridos. Caso não fosse cumprido, levaria à perda de eficácia do processo cautelar, conforme a Súmula 806 do STJ.

Isso porque a jurisprudência entendia de forma pacífica que tratava-se de uma questão decadencial — após os 30 dias, perdia-se o direito de ajuizar a ação.

De um lado e de outro
Para a 1ª Turma do STJ, o fato de o pedido principal ser feito nos mesmos autos da tutela cautelar antecipada não alterou o caráter decadencial do prazo de 30 dias. Relator, o ministro Benedito Gonçalves concluiu que os 30 dias devem ser contados em dias corridos, e não em dias úteis.

Já para a 4ª Turma, o prazo não é decadencial, mas meramente processual. “Não se trata mais de lapso temporal para ajuizamento de uma ação, sujeita, por exemplo, aos prazos materiais de prescrição e decadência, mas, sim, de prazo para a prática de um ato interno do processo”, afirmou o relator, ministro Antonio Carlos Ferreira.

Sendo assim, “possui, por desencadeamento lógico, natureza processual, a ensejar a aplicação da forma de contagem em dias úteis estabelecida no artigo 219 do CPC/2015”, concluiu ele.

Na opinião de Vinicius Caccavali, a interpretação mais acertada é a que prevê contagem em dias úteis, uma vez que os 30 dias referem-se ao tempo que a parte tem para complementar uma petição inicial em uma ação que já existe.

Ele cita alguns pontos que reforçam essa percepção. Um deles é que o pedido principal pode ser formulado conjuntamente com o pedido de tutela cautelar (parágrafo 1º do artigo 308). Outro é o fato de não haver cobrança de custas processuais para o ajuizamento do pedido principal.

Divergência nos tribunais
Os tribunais de segundo grau brasileiros também divergem quanto à contagem do prazo do artigo 308 do CPC. A discussão é mais comum em processos cíveis e tributários.

No Tribunal de Justiça de São Paulo, por exemplo, a 22ª Câmara de Direito Privado entende que a contagem é feita em dias corridos. “O prazo é mesmo decadencial, tal como já proclamado ao tempo da legislação anterior. Não ajuizada a principal no prazo, o que ocorre é a consumação da decadência do direito à cautela”, disse o desembargador Campos Mello, relator.

Já a 24ª Câmara de Direito Privado julga que valem só dias uteis. “Trata-se, pois, de ônus processual daquele que postula em juízo a concessão de tutela de natureza antecedente, não havendo se falar em direito potestativo, tampouco em decadência”, apontou a desembargadora Jonize Sacchi de Oliveira.

No TJ-RJ, a 3ª Câmara Cível vota por usar dias corridos. “Não há razão para não considerar as lições doutrinárias e jurisprudenciais que já eram despendidas sobre o tema, na vigência do CPC/73”, defende a desembargadora Renata Machato Cotta em acórdão sobre o tema.

Por sua vez, a 6ª Câmara Cível considera dias úteis, já que “não se pode atribuir caracteres de prazo de direito material a um prazo que, embora peremptório, regula o tempo para a prática de um ato processual”, conforme voto do desembargador Carlos Eduardo Moreira da Silva.

A divergência também foi identificada no TJ-MG. A 1ª Câmara Cível, em acórdão relatado pelo desembargador Geraldo Augusto, entendeu que “se trata de prazo decadencial, de modo que não se suspende ou interrompe, e deve ser contado em dias corridos”.

A 10ª Câmara Cível, por outro lado, diz em acórdão da desembargadora Jaqueline Calábria Albuquerque que “o pedido principal terá de ser formulado pelo autor no prazo de 30 dias, como dispõe o artigo 308 do CPC, sendo tal prazo processual, nos termos do artigo 219 do CPC, contado em dias úteis”.

Reportagem publicada pelo ConJur em 23 de julho de 2022, disponível neste link: https://www.conjur.com.br/2022-jul-23/stj-diverge-contagem-pedido-principal-cautelar