A Liberação de Travas Bancárias na Recuperação Judicial

A Liberação de Travas Bancárias na Recuperação Judicial

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Ante o expressivo aumento do número de pedidos de Recuperação Judicial no país – de acordo com dados da Boa Vista SCPC, o primeiro trimestre de 2016 registrou alta de 165,7% em relação ao ano anterior – é de extrema relevância a discussão acerca das problemáticas dos processos de Recuperação Judicial e das consequências delas advindas.

Nessa esteira, um ponto relevante é a possibilidade de liberação, ainda que parcial, da trava bancária – obrigação de fazer acessória à cessão fiduciária de direitos creditórios, cujo escopo é garantir as operações de empréstimos – em prol da recuperação da empresa, não obstante a não submissão dos créditos oriundos de cessão fiduciária aos efeitos da recuperação judicial.

De acordo com o artigo 49, §3º da Lei nº. 11.101, de 9 de fevereiro de 2005 (“Lei nº. 11.101/05”), os créditos decorrentes de cessão fiduciária não estão submetidos aos efeitos da recuperação judicial, “prevalecendo os direitos de propriedade sobre a coisa e as condições contratuais”.

Ante a referida previsão, verifica-se que predomina nos tribunais o entendimento de que os mecanismos conhecidos como travas bancárias continuam válidos, ainda que deferido o processamento da recuperação judicial, dada a natureza extraconcursal dos créditos supramencionados.

No entanto, observa-se a formação de uma orientação jurisprudencial diversa, com destaque ao Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (“TJRJ”), no qual são verificados entendimentos favoráveis à liberação das travas bancárias, parcialmente ou até em sua totalidade. Tais posicionamentos se pautariam nos princípios da preservação da empresa, da manutenção de sua função social, bem como na essencialidade da medida para a preservação do funcionamento da sociedade empresária. Os precedentes indicam ser necessário o equacionamento entre os interessentes em conflito, quais sejam: o direito do credor fiduciário e a real possibilidade de recuperação, lastreada no citado princípio da preservação da empresa. Argumenta-se, ainda, que a medida não corresponde à autorização de inadimplência por parte da empresa, posto que os valores permanecem devidos, tendo apenas a garantia constituída se tornado excessiva frente ao devedor, ao ponto de culminar no esvaziamento da empresa recuperando dos bens necessários à manutenção de sua atividade.

Ressalta-se, entretanto, que a liberação da trava bancária além de ir de encontro à execção expressamente prevista na Lei nº. 11.101/2005, possui relevância que ultrapassa a seara jurídica, visto que se trata de mecanismo que garante operações bancárias dotadas de forte expectativa de retorno às instituições financeiras, permitindo a concessão de financimentos com menor taxa de risco e, consequentemente, contribuindo para a diminuição do spread bancário. A mitigação de tais garantias pelos tribunais, sem respaldo legal ou sequer parâmetros percentuais, poderá trazer como consequência o encarecimento geral do crédito bancário.

O tema em questão, de absoluta relevância, entrega aos tribunais a responsabilidade de se sopesar os direitos e princípios que norteiam o instituto da recuperação judicial no Brasil, sendo extremamente preocupantes tendências jurisprudenciais como a acima mencionada, ante o claro confronto que sustentam frente previsão expressa da Lei nº. 11.101/2005. Ademais, demanda com que instituições financeiras tomem precauções adicionais ao estruturar suas garantias, a fim de fortalecer sua posição em eventuais futuros questionamentos perante os tribunais.

As Cooperativas Singulares de Crédito e o Sistema Bacen Jud

A partir de 02 de maio de 2016, as cooperativas singulares de crédito, instituições financeiras formadas pela associação de pessoas que visam prestar serviços financeiros exclusivamente aos seus associados, passarão a receber ordens diretas de bloqueio de valores decorrente de ordem judicial por meio do Sistema Bacen Jud, nos termos do Comunicado nº 29.096, de 11 de fevereiro de 2016, emitido pelo Banco Central.

Referida medida trará grandes avanços em termos de efetividade na penhora on-line em processos judiciais, na medida em que amplia a via de acesso a ativos disponíveis para constrição. A medida determinada pelo Comunicado nº 29.096/2016 do Banco Central é reflexo dos dados obtidos em relatório elaborado pelo Fundo Garantidor do Cooperativismo de Crédito (“FGCOOP”), referentes ao ano de 2015, que demonstram a frequente utilização de cooperativas de crédito para a alocação de ativos, conforme segue:

(i) o setor teve um total de 83,6 bilhões de depósitos realizados até dezembro de 2015, o que constitui um aumento de 22,16% em relação ao ano anterior;

(ii) o Brasil possui mais de 1.000 cooperativas singulares de crédito;

(iii) cerca de 8,4 milhões de brasileiros são associados em cooperativas de crédito;

(iv) os depósitos realizados cresceram quase quatro vezes mais – proporcionalmente falando – que o volume de depósitos realizados nos bancos comerciais.

Ante tais estatísticas, que demonstram uma tendência já conhecida de alocação de recursos de devedores em cooperativas de crédito, a medida implantada pelo Banco Central deverá representar grandes impactos na efetividade dos processos em todo o país, na medida em que trará uma nova e relevante alternativa para a satisfação de créditos pela via judicial.

 

Equipe de Contencioso Empresarial – VBSO Advogados