BROADCAST – ESPECIAL: Lei de Cripto leva no mínimo um ano para valer e regras dependem de definição infralegal

BROADCAST – ESPECIAL: Lei de Cripto leva no mínimo um ano para valer e regras dependem de definição infralegal

Por Aramis Merki II

São Paulo, 02/12/2022 – A partir da aprovação do projeto de lei (PL) 4.401 na Câmara dos Deputados, nesta terça-feira, 29, a indústria de criptoativos no Brasil aguarda a sanção presidencial para que seja definido qual será o órgão regulador do setor. As fichas estão depositadas no Banco Central (BC), por todas as manifestações dos atores envolvidos, incluindo a própria autarquia. A definição não veio diretamente na lei porque o Poder Legislativo não é habilitado a definir tarefas para órgãos executivos. Se o PL indicasse o regulador, haveria um “vício de origem”, na linguagem legal.

Com a sanção e posterior promulgação, a lei passará a valer em 180 dias. Será a partir de então que a entidade designada pela administração federal vai estipular um período de transição para que as empresas que já estão em funcionamento possam continuar a funcionar. Este período de adequação para ter a licença definitiva não pode ser menor do que 180 dias, explica o advogado Marcelo Castro, sócio no Machado Meyer Advogados. Apenas somando estes prazos, já é um ano para que a regulação de fato esteja aplicada.

“Passando a valer a indicação, o órgão regulador, possivelmente o BC, poderá determinar regras mínimas para as empresas nesta transição, mas não poderá sancionar ou suspender atividades”, diz Castro. O advogado comenta também a possibilidade de que o BC, como indicado para regular o mercado, queira aprofundar os estudos e até realizar consultas e audiências sobre o tema cripto no intervalo até a lei ficar de pé – chamado no Direito de vacatio legis.

Já existe um grupo de trabalho estabelecido no BC para discutir o assunto de criptoativos. Além disso, o presidente Roberto Campos Neto tem interesse e participa ativamente de discussões do mercado. “O BC já está trabalhando no tema, então não vejo que vamos ficar estes seis meses absolutamente no vácuo”, afirma Karen Duque, diretora de políticas públicas da exchange mexicana Bitso.

Infralegal

O texto aprovado se caracteriza por ser generalista. Não vai a fundo em exigências para as prestadoras de serviços de ativos virtuais, mas traz balizas para que o regulador construa as regras na chamada legislação infralegal. Um ponto destacado por advogados consultados pelo Broadcast é que este modelo pode tirar força ou até invalidar posteriores exigências da regulação.

Sobre a segregação patrimonial, uma medida que exigiria que exchanges separassem o patrimônio próprio do de clientes, está uma das possíveis fragilidades da lei recém-aprovada. Este dispositivo determina que, em caso de insolvência, a exchange tenha os recursos dos clientes separados para o ressarcimento. Em caso contrário, os investidores “entram na fila” junto com todos os credores.

Cabe lembrar que a segregação estava na proposta do Senado, mas foi retirada pelo relator Expedito Netto (PSD-RO). Esta foi uma das pautas mais cobradas pela ABCripto no caminho do projeto pelo Congresso. Na reta final, a entidade abriu mão da reivindicação em detrimento do andamento ágil da aprovação. Para Lorena Borges Botelho, sócia do Peck Advogados, este era o ponto mais controverso do texto, e que o tema foi “deixado para ser regulado posteriormente, como forma de viabilizar a votação do projeto como um todo”.

Esse tema ganhou relevância internacional por conta da falência da exchange FTX. Mesmo assim, ficou de fora do projeto de lei brasileiro. O sócio do VBSO Advogados Erik Oioli avalia que uma norma no âmbito infralegal pode limitar que as empresas usem o ativo dos seus clientes. “Mas isso não tem o mesmo efeito como em uma verdadeira segregação patrimonial, onde é possível blindar o patrimônio do cliente em relação ao patrimônio da exchange”, diz.

O professor e advogado Isac Costa concorda que, caso a regulação infralegal exigir a segregação, haverá questionamentos. Em artigo, ele considera que este é o início de uma “batalha para tentar proteger o patrimônio dos investidores”. O regulador também poderá se debruçar sobre o livre uso dos recursos dos clientes em operações de aluguel de ativos, por exemplo.

Contato: merki@estadao.com

Reportagem publicada pelo Broadcast em 2 de Dezembro de 2022, disponível neste link: http://broadcast.com.br/cadernos/financeiro/?id=YlhpOFZUZ3VzSjNQWjNxbDRveG1DQT09