Capital Aberto – MP 1.103 abre novo horizonte para securitização no Brasil

Capital Aberto – MP 1.103 abre novo horizonte para securitização no Brasil

Marco legal incentiva emissão de certificados de recebíveis para setores diversos da economia

Três meses após a chegada da Resolução 60 da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), que reconheceu o caráter sui generis das companhias securitizadoras, os participantes dessa indústria foram agraciados com mais uma boa notícia: a publicação da Medida Provisória (MP) 1.103/22. Assinada em 15 de março, ela inaugura no País um arcabouço legal único e de aplicação geral para a securitização, ampliando as possibilidades de emissão de certificados de recebíveis. O projeto não surgiu por acaso. Ele é aguardado desde 2020, quando a necessidade de regras capazes de fomentar o setor e de proteger seus investidores foi colocada na pauta da Iniciativa de Mercado de Capitais (IMK), que reúne, entre outras entidades, o Ministério da Economia, a CVM e a Associação Brasileira de Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima). O texto final segue grande parte das propostas sugeridas por seus representantes, o que corrobora a percepção do mercado de que a MP foi um “golaço”.

Em evento organizado pelo VBSO Advogados, José Alves Ribeiro Jr., sócio do escritório, afirmou que o novo arcabouço legal democratiza a securitização no Brasil. Isso porque, ao mesmo tempo em que as novas regras regulam todas as transações de recebíveis, independentemente do setor, elas permitem que os carros-chefes dessa indústria, os certificados de recebíveis imobiliários (CRIs) e os certificados de recebíveis do agronegócio (CRAs), continuem a existir conforme definições legais anteriores. “A MP permitiu que se instrumentalize a securitização de quaisquer recebíveis, sejam eles de natureza mercantil, educacional ou outro”, explica Ribeiro Jr. “Essa flexibilidade deu vida própria aos certificados e irá possibilitar que eles cumpram o seu papel de fomento ao crédito no Brasil”, acrescenta.

A visão positiva sobre a MP é compartilhada por Alexandre Rangel, diretor da CVM. Segundo ele, do ponto de vista regulatório, um aspecto importante do novo marco legal é que ele oferece um norte para a autarquia exercer sua competência na seara da securitização. “A partir da MP, a CVM consegue editar normas e fiscalizar as novas frentes de securitização e suas peculiaridades com segurança jurídica”,

ressalta.

 

Modernizações necessárias

Nas últimas décadas, o setor de securitização foi alvo de legislações e regulamentações segmentadas, destinadas a normatizar a emissão de certificados de recebíveis para setores econômicos específicos. Nesse sentido, merecem destaque as leis 9.514/97 e 11.076/04, que instituíram, respectivamente, os CRIs e CRAs, e a Resolução CMN 2.686/00, que prevê a alavancagem de instituições financeiras via securitização. Apesar de nenhuma delas impedir a emissão de certificados de recebíveis para outros setores que não o imobiliário, agronegócio e financeiro, esse tipo de oferta não acontecia por causa da ausência de regras específicas. “A MP trouxe a modernização que o mercado precisava”, afirma Vinícius Pádua, coordenador de estruturação na Opera Capit, ressaltando que o novo marco legal irá ajudar a fomentar operações que movimentam em torno de 60 bilhões de reais por ano.

Além de remover possíveis obstáculos para que setores diversos da economia cedam direitos creditórios, a MP estabelece conceitos que trazem mais clareza para esse mercado. Um deles diz respeito à definição de “operações de securitização”. De acordo com o novo arcabouço, essas transações contemplam “a emissão e a colocação de valores mobiliários junto a investidores cujo pagamento é primariamente condicionado ao recebimento de recursos dos direitos creditórios que o lastreiam”. Isso significa que debêntures e notas comerciais, por exemplo, com pagamento vinculado a uma carteira de direitos creditórios devem ser automaticamente considerados títulos de securitização. Dessa forma, suas emissões precisam receber o mesmo tratamento legal e regulatório dos certificados de recebíveis.

Outro destaque do novo marco é a adoção do regime fiduciário para todos os tipos de emissão de certificados. Antes, ele estava disponível apenas para CRAs e CRIs. O regime fiduciário oferece segurança para os investidores, uma vez que assegura que os créditos relacionados a cada operação ficarão numa conta à parte, sem relação com o patrimônio da companhia securitizadora.

 

Limitações

Em meio a tantos acertos, o mercado comenta pouco sobre eventuais defeitos da MP. Mas alguns pontos merecem atenção. Um deles é o artigo 21, que estabelece que os termos de securitização devem formalizar todas as características dos direitos creditórios que compõem o lastro no D-O da operação. O problema é que essa obrigação, segundo especialistas, vai de encontro a outro dispositivo da lei, que prevê a possibilidade de chamadas de capital. Com elas, é possível às securitizadoras celebrar compromissos com investidores para a aquisição de lastro em fases. “Essa flexibilidade é bastante importante, principalmente quando estamos falando de lastro pulverizado, porque não dá para compor a carteira inteira no dia zero da operação”, explica Pádua.

Rangel lembra, ainda, que é comum no agronegócio, por características próprias do setor, a emissão de certificados de recebíveis num valor superior ao dos direitos creditórios efetivamente existentes e vinculados à emissão no D-0. Atenta a essa particularidade, a Anbima já propôs uma emenda à MP para que haja lapso temporal para a originação desses créditos.

Também chama atenção o fato de o novo arcabouço não ter estendido a isenção de imposto sobre os rendimentos pagos a pessoas físicas a todos os certificados de securitização. Esse benefício continua restrito a CRIs e CRAs. Da mesma forma, apenas eles podem ser alvo de ofertas públicas com esforços restritos de distribuição, via Instrução 476. Rangel acredita, no entanto, que esse ponto tende a ser revisitado.

O texto da MP ainda deve sofrer alterações, visto que mais de 50 emendas já foram enviadas ao Congresso. O mercado não está livre de surpresas, mas, por ora, a visão é de um horizonte mais promissor. As estruturas de securitização terão finalmente o amparo da regulamentação para expor o seu potencial.

 

Reportagem publicada pelo Capital Aberto em 3 de abril de 2022, disponível neste link https://capitalaberto.com.br/secoes/reportagens/mp-1-103-abre-novo-horizonte-para-securitizacao-no-brasil/