CONJUR – Equilíbrio na saída societária: estratégias e desafios na avaliação de haveres

CONJUR – Equilíbrio na saída societária: estratégias e desafios na avaliação de haveres

Por Patricia Mancini, advogada de M&A e Societário

A determinação dos valores devidos ao sócio que se retira, falece ou é excluído de uma sociedade limitada é um tema que causa controvérsia, principalmente se a regra não está clara no contrato social. Na maioria dos casos, o sócio retirante, excluído, ou seus herdeiros buscam receber o maior valor possível pela sua participação o quanto antes, enquanto, do outro lado, a sociedade e os sócios remanescentes procuram pagar o montante mais baixo e em um prazo mais extenso.

O Código Civil, que regula as sociedades limitadas, prevê que, no caso de omissão do contrato social, o valor da quota será apurado com base na “situação patrimonial da sociedade, à data da resolução”, mediante elaboração de balanço patrimonial. O Código de Processo Civil, por sua vez, traz a regra de como o juiz deve apurar tais haveres, no caso de uma disputa judicial sobre o tema:

“Artigo Art. 606. Em caso de omissão do contrato social, o juiz definirá, como critério de apuração de haveres, o valor patrimonial apurado em balanço de determinação, tomando-se por referência a data da resolução e avaliando-se bens e direitos do ativo, tangíveis e intangíveis, a preço de saída, além do passivo também a ser apurado de igual forma” [1]

Apesar de a regra do Código Civil ser clara e objetiva, o Código de Processo Civil criou um problema ao trazer a expressão “avaliando-se bens e direitos do ativo, tangíveis e intangíveis, a preço de saída, além do passivo”, tendo suscitado interpretações das mais variadas pelos juízes. A discussão gira em torno dos critérios para avaliação dos ativos e passivos a “preço de saída” e quais os valores que devem ser considerados na hipótese de uma disputa societária sobre o tema.

A jurisprudência utilizava, majoritariamente, o método do fluxo de caixa descontado para avaliação de haveres, suportada por decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) [2] e do Supremo Tribunal de Justiça (STJ) [3]. Essas cortes entendiam que a adoção do método de fluxo de caixa descontado era adequada para a avaliação do preço de saída do sócio retirante, falecido ou excluído, por exprimir melhor a situação econômica e a capacidade de geração de riqueza de uma empresa.

Em 2021, contudo, o STJ proferiu decisão alterando o entendimento para a adoção do valor patrimonial aferido no âmbito do balanço de determinação [4]. A mais recente decisão foi proferida em 22 de agosto de 2023 pela 4ª Turma [5], que discutiu a inclusão, ou não, dos lucros futuros da sociedade no cálculo da apuração dos haveres, uma vez que o contrato social não regrou este tópico.

A Turma, por unanimidade, confirmou que o critério de apuração de haveres que prevalecerá é o estabelecido no contrato social da sociedade, respeitando a obrigatoriedade dos contratos e a autonomia da vontade das partes, reforçando o estabelecido no artigo 1.031, do Código Civil [6]. Ademais, a Turma ratificou o entendimento proferido em 2021 e manifestou que, na omissão do contrato social, deveria ser seguido o critério legal, com adoção do valor patrimonial da sociedade.

Vale ressaltar que a apuração de haveres difere drasticamente da avaliação empresarial para alienação de participação societária ou fusões e aquisições, em que o método de fluxo de caixa descontado pode ser adotado, pois há uma avaliação da sociedade como um todo no contexto de transação empresarial, que visa olhar para o futuro de uma empresa e tudo que ela é, bem como o que ela tem potencial de oferecer.

A utilização de métodos que utilizam de projeções não concretas implica na inclusão de valores que ainda não compõem de fato o patrimônio da sociedade, assim, caso considerados valores meramente projetados, o sócio retirante estaria se beneficiando, em detrimento dos demais sócios, pois aquele não participará do risco ou despenderá esforços durante o período da projeção ou mesmo durante o restante do exercício social em que se retirou.

Entendimento dos tribunais

Seguindo a orientação das cortes superiores, os tribunais estaduais têm suportado o entendimento de que o critério legal adotado anteriormente não é o do melhor valor em benefício do sócio retirante, mas é aquele conservador, baseado no valor patrimonial contábil da sociedade, em linha com o conceito de preservação da sociedade que remanesce, e não em prol do valor máximo em favor do sócio que deixa a sociedade. [7]

Nessa linha, a utilização do método de fluxo de caixa descontado para apuração de haveres teria implicações prejudiciais para a sociedade por desestimular os sócios na atividade empresarial continuada, por incentivar a sua retirada da sociedade, e, assim, desestruturar a sociedade pela instabilidade do quadro societário e, principalmente, por beneficiar injustamente o sócio retirante, em prejuízo dos sócios remanescentes.

Por outro lado, o método de avaliação da sociedade e a adoção do valor patrimonial continuam sendo frequentemente questionados pelos sócios retirantes, excluídos ou, no caso do sócio falecido, seus herdeiros.

Comumente empresas familiares não possuem uma contabilidade que reflete, de fato, o valor do negócio, havendo ativos intangíveis significativos, como uma marca consolidada, carteira de clientes, ou tecnologia, não contabilizados, ou até a falta de separação entre o patrimônio da empresa e dos sócios, em que ativos das pessoas físicas são usados na operação e, portanto, não são adequadamente contabilizados pelo método do valor patrimonial.

Assim, a aplicação cega de qualquer método contábil pode resultar em uma avaliação não fidedigna do real valor da sociedade, surgindo a necessidade de uma abordagem diferente sobre qual metodologia de apuração de haveres será adotada entre as partes. É comum que estes detalhes do contrato social passem desapercebidos, já que podem ser considerados como secundários ou difíceis de acontecer. Afinal, ninguém está pensando em dissolução ou retirada de sócios no começo de uma nova parceria!

Todavia, muitos dos problemas citados acima podem ser evitados com a negociação de cláusulas contratuais que tragam as regras claras, objetivas e expressamente acordadas sobre o valor de saída no caso de exclusão, falecimento ou retirada de um dos sócios, bem como a forma de calculá-la. Um contrato social bem redigido minimiza o risco de disputas prolongadas e custosas entre os sócios e possivelmente prejudiciais ao negócio.

Artigo originalmente publicado no Conjur. Clique aqui para ler.