FOLHA DE S. PAULO – A nova tributação de fundos fechados: a escolha de Sofia

FOLHA DE S. PAULO – A nova tributação de fundos fechados: a escolha de Sofia

Por Ana Carolina Ribas, Caio Malpighi e Diogo Olm

Referenciando o livro e o filme homônimo, “A escolha de Sofia” se tornou uma expressão utilizada para descrever situações em que é preciso realizar uma difícil escolha, sob pressão, entre dois cenários igualmente indesejáveis. Essa expressão ilustra bem o dilema dos investidores diante da possível aprovação do projeto de lei 4173/23, que pretende alterar a tributação dos fundos de investimento. Este artigo se propõe a apontar algumas das opções e as respectivas consequências decorrentes do referido PL.

Em síntese, o PL altera a tributação das aplicações em fundos fechados, que, em regra, passarão a ter seus rendimentos tributados periodicamente, em maio e novembro de cada ano. Ou seja, o PL estende aos fundos fechados a sistemática do come-cotas, hoje aplicável apenas aos fundos abertos, que antecipa a tributação dos rendimentos, independente da distribuição ao cotista. Ainda, os rendimentos acumulados até 31/12/2023 deverão ser tributados a partir de 2024. Ou seja, os rendimentos acumulados na carteira de um fundo fechado que, pelas regras atuais, seriam tributados somente no resgate, amortização ou alienação das cotas, sofrerão a incidência de imposto de renda, com alíquota de 15%, em 31/05/2024. Já se fala no mercado sobre potenciais inconstitucionalidades, tanto porque se tributa uma renda que ainda não foi disponibilizada ao cotista, quanto pelo fato de retroagir para alcançar rendimentos apurados antes de o PL sequer ser aprovado, violando a irretroatividade tributária.

Aparentemente ciente desses questionamentos, o próprio PL oferece uma opção: o recolhimento antecipado, em 2023, do imposto sobre esses rendimentos acumulados, com uma alíquota reduzida (8%, na redação atual do PL). Eis aqui a “escolha de Sofia”: o contribuinte poderá optar entre tributar o “estoque” de rendimentos em dezembro de 2023, para garantir o uso de uma alíquota reduzida, abrindo mão de qualquer discussão acerca de sua validade; ou, recusando essa antecipação, contestar judicialmente a tributação em maio de 2024, correndo o risco de, no caso de decisão desfavorável, perder o benefício da alíquota reduzida e ter que tributar o estoque de rendimentos com a alíquota de 15%. Ou seja, a escolha que se coloca é: aceitar o pagamento imediato do tributo, ainda que com alíquota menos gravosa, ou empreender uma discussão judicial incerta, com o risco de aplicação de uma alíquota mais elevada no futuro. E ainda que haja escolha pela tributação antecipada, é preciso redobrar a atenção. Afinal, o PL aprovado na Câmara dos Deputados prevê que essa escolha deverá ser tomada até 29 de dezembro.

No entanto, o Senado Federal ainda não concluiu a análise do PL. Sem alteração quanto a esse prazo, há pouco tempo para avaliar os prós e contras de cada decisão. Além disso, o PL prevê perda do benefício da alíquota reduzida no caso de pagamento a menor. Ou seja, mesmo optando pela antecipação, existe o risco de as autoridades fiscais questionarem o cálculo do tributo e aplicarem a alíquota de 15% no futuro.
Relativizando a dinâmica usual da “escolha de Sofia”, pode existir uma terceira alternativa, a depender da situação concreta do investidor: reestruturações envolvendo a incorporação, cisão ou transformação do fundo.

Isso porque, preenchidos determinados requisitos descritos no PL, essas operações, se ocorridas ainda em 2023, não implicarão tributação dos rendimentos apropriados na carteira do fundo. Caso seja possível alterar a classificação do fundo de investimento, esse movimento poderá afastar, por completo, a aplicação do come-cotas.

Por exemplo, um fundo de investimento multimercado provavelmente estará sujeito ao come-cotas já em 2024. A depender dos ativos de sua carteira, poderá ser interessante, ainda em 2023, realizar a sua transformação para uma espécie de fundo não sujeito ao come-cotas (por exemplo: FII, FIAGRO, FIA ou FIP, desde que enquadrado como entidade de investimento). A partir de 2024, contudo, a transformação
de um fundo com come-cotas em um fundo sem come-cotas estará sujeita a regras distintas, podendo haver tributação pelo simples fato de mudança quanto ao regime de tributação.

O PL impõe muitas “escolhas de Sofia” aos investidores, administradores e gestores de fundos de investimento: o desembolso imediato, a disputa incerta ou, ainda, a reestruturação. Existem muitas variáveis a serem consideradas antes de definir uma estratégia. E, em meio a tudo isso, existem as inseguranças: o PL será realmente aprovado neste ano? Ainda há espaço para alguma alteração em suas previsões? É possível que o Congresso Nacional ajuste o prazo para optar pela tributação antecipada?

Infelizmente, a forma como a tributação vem sendo encarada no Brasil não permite aguardar a definição desses pontos. Desde já, é necessário realizar uma avaliação profunda dos cenários que provavelmente surgirão caso o PL seja aprovado. Somente assim —com cautela e preparação— será possível navegar entre tantas escolhas que deverão ser feitas

Artigo publicado originalmente no site da Folha de S. Paulo. Clique aqui para acessar.