Garantias de Recebíveis Emergentes de Concessões de Energia Elétrica – Novas regras e precauções

A captação de dívidas por empresas concessionárias de energia elétrica tende a tonar-se mais ágil com a edição da Resolução Normativa nº 766, de 25 de abril de 2017, da Agência Nacional de Energia Elétrica – ANEEL. A referida norma deixa de exigir prévia aprovação da agência para que a concessionária ofereça recebíveis emergentes da concessão em garantia do pagamento de dívidas contraídas pela empresa.

Isso não dispensa, por outro lado, que a concessionária observe os requisitos legais para a pactuação de garantias que tenham como objeto direitos emergentes de concessões públicas. Tais requisitos estão dispostos na Lei nº 8.987, de 13 de fevereiro de 1995, a Lei de Concessões Públicas, que estatui ser requisito de tais garantias a preservação da operacionalização e continuidade do serviço público. Deste modo, é importante que a empresa devedora recolha e arquive evidências documentais de que tais requisitos foram cumpridos, ainda que a nova regra não estabeleça um procedimento específico para tanto.

Ainda, especificamente em relação às distribuidoras de energia elétrica, é necessário verificar o cumprimento de índice financeiro disposto na norma. Grosso modo, tal índice financeiro avalia se os direitos emergentes já cedidos em operações de crédito vigentes, acrescidos da nova operação pretendida, não supera o valor do fluxo de caixa da concessão, acrescido do somatório de certos ativos regulatórios especificados na norma (“Índice Regulatório”). A responsabilidade por este cálculo é atribuída à concessionária, que deverá manter a comprovação da realização deste cálculo em arquivo, à disposição da ANEEL, pelo prazo de 5 anos.

No âmbito de operações de mercado de capitais, as instituições intermediárias das ofertas públicas de títulos de dívida garantidos por penhor ou cessão fiduciária de recebíveis emergentes de concessões deverão ter o cuidado de verificar, em conjunto com a emissora, se os requisitos acima referidos foram devidamente cumpridos. Esta necessidade decorre do dever de diligência atribuído a tais instituições pela regulação de mercado de capitais, que as obriga a agir com elevados padrões de cuidado para amparar os interesses dos investidores que serão procurados no âmbito da oferta pública.

Aqui surge a dúvida: como verificar o cumprimento de tais requisitos? Algumas medidas podem auxiliar as instituições intermediárias a comprovar sua diligência a respeito do tema. Uma primeira medida, em relação ao Índice Financeiro, é relativamente simples: por se tratar de cálculo matemático baseado em informações financeiras da emissora, recomenda-se solicitar verificação do cálculo pela empresa de auditoria responsável pela revisão das demonstrações financeiras da devedora, atestando o atendimento do requisito objetivo da norma.

Em relação aos demais requisitos legais, a dificuldade é um pouco maior. Por se tratarem de aspectos menos objetivos em comparação com o Índice Financeiro, recomenda-se obter, junto à diretoria do emissor, uma declaração de atendimento de tais requisitos. No entanto, tal declaração deverá ser adequadamente elaborada, de modo que a afirmação de cumprimento do requisito seja amparada por informações financeiras (ou de outra natureza) que permitam ao intermediário razoavelmente considerar que a garantia não [compromete a continuidade do serviço].

Tomadas as devidas cautelas pelos participantes das ofertas aqui referidas, a Resolução Normativa ANEEL nº 766/17 poderá tornar mais ágil a estruturação de operações de mercado de capitais por concessionárias de energia elétrica, por dispensar um dos passos mais demorados deste processo.

José Alves Ribeiro

Equipe de Mercado de Capitais – VBSO Advogados