Informe Jurídico – Consultivo Empresarial nº I – 2014

Informe Jurídico – Consultivo Empresarial nº I – 2014

Poder executivo regulamenta Lei Anticorrupção no Município de São Paulo

Por meio do Decreto nº 55.107, de 13 de maio de 2014, o Município de São Paulo regulamentou, no âmbito do Poder Executivo municipal, a Lei Federal nº 12.846, de 1º de agosto de 2013, também conhecida como “Lei Anticorrupção”. Referido Decreto disciplina o processo administrativo destinado à apuração de responsabilidade administrativa de pessoas jurídicas pela prática de atos contra a Administração Pública Municipal direta e indireta.

O Decreto atribui ao Controlador Geral do Município a competência para instauração de sindicância e do processo administrativo destinado à apuração de responsabilidade da pessoa jurídica (“PA”), a qual pode ser delegada ao Corregedor Geral do Município. A instauração do PA dar-se-á mediante publicação de portaria no Diário Oficial da Cidade, de oficio ou após o recebimento de denúncia fundamentada e por escrito. Por sinal, os agentes públicos têm o dever de comunicar à Controladoria Geral do Município a prática de qualquer ato ilícito previsto na Lei Federal, omitindo-se, contudo, quanto à tentativa de ilícito, conduta a princípio também apenável nos termos da Lei nº 12.846/13 (cf. art. 7º, III).

A autoridade pode, contudo, antes da instauração do PA, determinar a abertura de sindicância, com caráter de investigação preliminar, sigilosa e não punitiva, a fim de obter maiores informações do suposto ilícito e indícios de sua autoria. Na prática, este deverá ser um artifício recorrente para apuração de ilícitos, a fim de se evitar que a publicidade da instauração do PA dificulte o próprio processo investigatório necessário para obtenção de elementos de convicção quanto à prática de ato contra a Administração Pública.

O PA será conduzido por comissão composta por 3 servidores estáveis, designados pela autoridade instauradora. A comissão terá 180 dias, prorrogáveis sucessivamente, para apresentar relatório sobre os fatos apurados e eventual responsabilidade, sugerindo, de forma motivada, as sanções a serem aplicadas, inclusive o percentual de redução da pena, em caso de celebração de acordo de leniência.

O Decreto assegura o direito de defesa da parte acusada, a ser apresentada por escrito no prazo de 30 dias contados da citação, incluindo o direito à apresentação de recurso, a ser apreciado pelo Prefeito nos PA instaurados pelo Controlador Geral ou por este próprio, nos casos instaurados pelo Corregedor. A regulamentação é omissa em relação aos PA que tenham ligação direta ou indireta com o Prefeito e o Controlador, os quais deveriam, por decorrência lógica, estar impedidos de analisar recursos de tais PA.

Um aspecto bastante relevante do Decreto diz respeito à possibilidade de desconsideração da personalidade jurídica pela própria autoridade administrativa municipal. A Lei nº 12.846/13, em seu artigo 14, prevê que a personalidade jurídica poderá ser desconsiderada “sempre que utilizada com abuso do direito para facilitar, encobrir ou dissimular a prática dos atos ilícitos previstos n[est]a Lei ou para provocar confusão patrimonial”, sendo estendidos todos os efeitos das sanções aplicadas à pessoa jurídica aos seus administradores e sócios com poderes de administração, observados o contraditório e a ampla defesa. A desconsideração da personalidade jurídica é um tema espinhoso no Direito e hoje infelizmente objeto de abusos de toda sorte visando a alcançar o patrimônio de sócios e administradores. Nesse sentido, embora a regulamentação assegure o direito de defesa e amplo contraditório aos administradores e sócios administradores, inclusive o direito de apresentar recurso administrativo contra a decisão que determinar a desconsideração da personalidade, é importante frisar que esta sempre poderá ser contestada e anulada em processo judicial, devidamente apreciado por um juiz de Direito.

No que diz respeito à aplicação de sanções, o Decreto prevê que, em caso de infrações cumulativas e simultâneas (como, por exemplo, obter benefício indevido em contrato com a Administração Pública oferecendo vantagem indevida a agente público), as sanções possam ser cumulativas, nos termos do artigo 47 da Lei Municipal nº 14.141/06 (que dispõe sobre o processo administrativo na esfera municipal), muito embora a Lei Federal não contenha tal disposição. Contudo, a cumulação de penas que venha a ultrapassar os limites fixados no artigo 6º, I, e §4º, da Lei nº 12.846/13 será passível de questionamento. Ainda, entre os critérios para fixação da pena, o Decreto se preocupa com a sua suficiência para “desestimular futuras infrações”, o que pressupõe um caráter não apenas retributivo da sanção, mas também educativo, visando a servir de exemplo para prevenir práticas da mesma natureza, permitindo vislumbrar a aplicação de punições severas mesmo para práticas de pequeno impacto financeiro.

Por fim, na ausência de regulamentação do assunto pelo Poder Executivo federal, as autoridades municipais levarão em conta, como critério de fixação da pena, a existência de mecanismos e procedimentos consistentes de integridade e monitoramento nas pessoas jurídicas, a efetividade dos sistemas de controle interno, a utilização de códigos de ética e conduta para funcionários e colaboradores, a existência de sistemas de recebimento e apuração de denúncias que assegurem o anonimato, a adoção de medidas de transparência na relação com o setor público e realização periódica de treinamentos com o intuito de promover a política interna de integridade da pessoa jurídica.

A exemplo da legislação federal, a norma municipal é enfática na necessidade não apenas da existência de políticas preventivas protocolares, mas sua efetiva aplicação, reforçando a necessidade de compreensão dos riscos a que a pessoa jurídica está exposta e, a partir desta análise, a estruturação das áreas de controles internos, criação de políticas preventivas adequadas, treinamento e sensibilização de administradores e colaboradores quanto da relevância do assunto.

Qualificação

Este Informe Jurídico foi elaborado com intuito meramente informativo, não devendo, em nenhuma hipótese, ser considerado como opinião legal sobre os temas nele abordados. Deste modo, não deve ser adotada qualquer estrutura ou realizado qualquer negócio jurídico com base única e exclusivamente neste documento. Para qualquer outra informação adicional ou para a devida assessoria jurídica, o VBSO Advogados possui uma equipe especializada em compliance e prevenção de atos de corrupção e lavagem de dinheiro para atendê-lo.

Erik Frederico Oioli
erik@vbso.com.br

 

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