Informe Jurídico Extraordinário

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CVM altera regras aplicáveis aos FIDC

A Comissão de Valores Mobiliários (“CVM”) alterou a regulamentação aplicável aos Fundos de Investimento em Direitos Creditórios – FIDC. Por meio da Instrução CVM nº 531, de 6 de fevereiro de 2013, que alterou os dispositivos da Instrução CVM nº 356, de 17 de dezembro de 2001, a CVM buscou mitigar estruturas ensejadoras de conflito de interesses e aperfeiçoar os controles das atividades de prestadores de serviço aos FIDC. São destacadas abaixo as principais novidades introduzidas pela autarquia.

Em primeiro lugar, a nova norma proibiu o custodiante transferir sua obrigação de verificar os critérios de elegibilidade dos direitos creditórios integrantes da carteira do FIDC, estabelecendo que não poderão ser consideradas condições de cessão os requisitos cuja verificação seja realizada por meio de informações detidas pelo Custodiante, por prestadores de serviço contratados pelo custodiante e/ou que possam ser obtidas por meios de esforços razoáveis, como informações prestadas por serviço de proteção ao crédito.

Ainda, foi suprimida a obrigação de validação dos critérios de elegibilidade ao tempo da cessão, proposta no Edital de Audiência Pública SDM nº 05/12, que discutia as novas regras para os FIDC. Ficou permitida sua realização posterior, de acordo com prazo estabelecido no regulamento do FIDC, desde que compatível com a natureza e as características dos direitos creditórios. A CVM não quantifica este prazo, mas determina que deverá ser o mais próximo possível da data da cessão.

Quanto ao recebimento dos direitos creditórios, a Instrução CVM nº 531/13, em linha com a proposta submetida à audiência pública, restringiu o recebimento de pagamentos devidos ao FIDC exclusivamente à conta corrente de titularidade deste ou por meio escrow account, isto é, de conta vinculada instituída pelo cedente e pelo FIDC em instituição financeira, por meio de contrato, e destinada a acolher depósitos a serem feitos pelo devedor dos créditos e ali mantidos em custódia até que sejam repassados ao fundo.

Por outro lado, a nova Instrução manteve a possibilidade de custodiante e administrador pertencerem ao mesmo grupo econômico do administrador, ressalvada a obrigação da total segregação das atividades, nos termos da Instrução CVM nº 306/99. A proibição de que o administrador e o custodiante integrassem o mesmo grupo econômico foi um dos pontos mais polêmicos da minuta de instrução submetida pela CVM à audiência pública, e sua supressão é benvinda, tendo em vista que traria custo relevante adicional para os FIDC sem um benefício para os investidores que o justificasse.

Também com o intuito de mitigação de conflitos de interesse, a nova Instrução proibiu a contratação do originador ou do cedente de direitos creditórios, do consultor especializado, do gestor ou de partes relacionadas ao custodiante para a prestação de serviço de guarda da documentação relativa aos direitos creditórios e demais ativos integrantes da carteira do fundo. Referida guarda, entretanto, pode ser delegada pelo custodiante a terceiros que não os acima listados, desde que estabelecidas e verificadas pelo custodiante regras e procedimentos relativos ao controle das atividades do prestador de serviço, que deverão constar no respectivo contrato e no prospecto, se houver, além de ser disponibilizados no sítio eletrônico do administrador do fundo.

Neste mesmo sentido, a norma permitiu ao administrador do fundo contratar, às expensas deste, os serviços de cobrança e recuperação de créditos inadimplidos junto a terceiros, que podem ser, inclusive, o cedente ou o consultor especializado. Assim como no tocante à guarda de documentos, a instituição administradora deverá estabelecer e verificar regras de acompanhamento das atividades do agente de cobrança contratado, que deverão constar do prospecto e ser disponibilizadas no sítio eletrônico do administrador. Em ambos os casos, a CVM não especifica o conteúdo de tais regras, deixando a cargo do mercado a definição de tais procedimentos.

Esta permissão, em conjunto com a nova regra para guarda de documentos, supera as constantes discussões entre o mercado e a autarquia sobre a necessidade de o próprio custodiante exercer ambas as atividades, exigência que vinha sendo reiterada pela CVM para a concessão de registro para novos FIDC em virtude de parecer jurídico exarado neste sentido pela Procuradoria Federal Especializada. Por ser impossível do ponto de vista prático, a CVM vinha abrindo exceções a esta interpretação, mas a insegurança a respeito do tema, de grande relevância para os fundos de recebíveis, vinha deprimindo o mercado destes fundos e dificultando a estruturação de novas operações.

Outro prestador de serviços afetado pela norma foi o consultor especializado, cujo papel passa a ser meramente auxiliar na análise e seleção de direitos creditórios, dando suporte e subsídios ao administrador e, se for o caso, ao gestor, em suas atividades. Elimina-se, assim, a possibilidade de concessão, ao cedente, de ingerência na seleção de ativos para o FIDC, algo que ocorria em virtude do silêncio da regulamentação anterior sobre o tema.

Por fim, vale ressaltar que a CVM excepcionou do limite de concentração de 20% do patrimônio líquido do fundo por devedor tanto os títulos públicos federais quanto as cotas de fundos que aloquem todo o seu patrimônio em tais títulos, ao mesmo tempo em que vedou a aquisição, pelo FIDC, de créditos devidos por seu administrador, gestor, custodiante e consultor especializado ou a partes a eles relacionadas. A realização de operações em que o administrador figure como contraparte do fundo permaneceu viável, contudo, desde que tais operações visem exclusivamente à gestão de caixa e liquidez do fundo.

O prazo de adaptação dos fundos em funcionamento às novas regras vai até 1º de fevereiro de 2014, exceto em caso de nova oferta pública de cotas, situação em que os fundos deverão realizar esta adaptação imediatamente. Fundos novos devem cumprir as disposições da norma para obter seu registro de funcionamento.

A nova norma acertou ao implementar diversos mecanismos de controle para as atividades dos prestadores de serviços dos FIDC e, principalmente, ao colocar um ponto final em controvérsias jurídicas que vinham afetando esta indústria e ao abandonar a controversa exigência de que administrador e custodiante integrassem grupos econômico distintos. Ainda assim, o acréscimo de custos à estrutura dos FIDC poderá complicar a estruturação de novas operações, especialmente em face do cenário de juros mais baixos que atualmente se verifica no mercado brasileiro de crédito.

Participaram desta edição:

José Barreto Netto (jbarreto@vbso.com.br)

José Alves Ribeiro Junior (jribeiro@vbso.com.br)

 

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