INFORME JURÍDICO MERCADO DE CAPITAIS

INFORME JURÍDICO MERCADO DE CAPITAIS

Setembro de 2016

 

CVM edita novas instruções sobre Fundos de Investimento em Participações

 

A Comissão de Valores Mobiliários – CVM editou, em 30 de agosto de 2016, a Instrução CVM nº 578 (“ICVM 578”), que altera e consolida as normas aplicáveis a todos os Fundos de Investimento em Participações – FIP e a Instrução CVM n° 579 (“ICVM 579”), que dispõe sobre a elaboração e divulgação das demonstrações contábeis dos referidos fundos. As novas normas tiveram por objetivo, de acordo com a CVM, unificar e modernizar as regras aplicáveis aos FIP.

 

Breve Histórico dos FIP

 

Os FIP foram introduzidos no mercado de capitais brasileiro em 2003, com a edição da Instrução CVM nº 391, de 16 de julho de 2003 (“ICVM 391”), agora revogada. À época, essa nova modalidade de fundo de investimento foi criada como instrumento de “Private Equity”, com a função de proporcionar aos investidores veículo capaz de aplicar em ações de companhias fechadas, ainda não listadas em bolsa, de modo a fomentar seu desenvolvimento por meio da adoção de mecanismos que permitam ao investidor participar do processo decisório da companhia investida.  A ICVM 391 era tida pelo mercado como uma norma inovadora e flexível, capaz de permitir a utilização dos FIP em diferentes estruturas pretendidas por investidores e companhias.

 

Ao longo dos anos, a CVM editou outras normas regulando FIP com objetivos específicos, tais como os Fundos de Investimento em Participações em Infraestrutura – FIP-IE e os Fundos de Investimento em Participação na Produção Econômica Intensiva em Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação – FIP-PD&I. Todas essas modalidades de FIP, assim como os Fundos Mútuos de Investimento em Empresas Emergentes – FMIEE, passam a ser reguladas pela ICVM 578.

 

Quadro Comparativo

 

Abaixo um quadro comparativo das principais alterações da ICVM 578 frente à ICVM 391:

 

Assunto ICVM 391 ICVM 578
Registro de funcionamento do Fundo Automático. Até que a CVM desenvolva sistema informatizado de concessão de registro automático, o registro só terá efeito após 10 dias úteis do protocolo.
Sociedades investidas Apenas companhias abertas ou fechadas. Além de companhias abertas e fechadas, possibilita o investimento em sociedades limitadas, para certas modalidades de FIP.
Participação no processo decisório da sociedade investida Exigia a participação no processo decisório das sociedades investidas. Possibilita a dispensa da participação no processo decisório da sociedade investida, atendidos certos requisitos.
AFAC Não previa a possibilidade de realização de “Adiantamentos para Futuro Aumento de Capital” – AFAC. Admite a realização de AFAC na empresa investida, atendidos certos requisitos.

 

 

Assunto ICVM 391 ICVM 578
Investimento no Exterior Não previa o investimento no exterior. Norma gerava insegurança quanto à possibilidade de investimento indireto no exterior. FIP poderá alocar direta ou indiretamente até 20% de seu patrimônio líquido em ativos no exterior de mesma natureza econômica dos demais ativos do FIP, ou até 100%, em se tratando de FIP – Multiestratégia.
Alavancagem e oferecimento de garantias Não permitia a contração de empréstimo pelo administrador. Era permitida, pela ICVM 406, apenas a tomada de empréstimos com instituições de fomento, para fundos criados para esse fim. A ICVM 391 já havia sido alterada para contemplar o oferecimento de garantias pessoais pelo FIP, como aval, fiança, aceite e outras formas de coobrigação. Além de manter a possibilidade de alavancagem nos FIP com apoio de organismos de fomento, permite a tomada de empréstimos pelo administrador ou pelo FIP, no valor equivalente ao necessário para assegurar o cumprimento de compromisso de investimento previamente assumido pelo FIP, em face à eventual inadimplemento da obrigação de integralização de cotas por investidor. Foi também inserida expressamente a possibilidade do fundo prestar garantias reais, além de fiança, aval, aceite e qualquer outra forma de coobrigação.
Aquisição de debêntures não conversíveis Não havia limitação na ICVM 391, a despeito das regras tributárias que conferem tratamento fiscal diferenciado para os fundos que detivessem não mais que 33% do seu patrimônio em debêntures simples. Com exceção do FIP-IE e do FIP-PD&I, o investimento em debêntures simples pelos FIP está limitado a, no máximo, 33% do total do capital subscrito do fundo.

 

Assunto ICVM 391 ICVM 578
Direitos econômicos das cotas O regulamento do FIP podia atribuir taxas de administração e gestão distintas. O regulamento do FIP pode atribuir, além de taxas de administração e gestão distintas, outros direitos econômicos distintos entre uma ou mais classes de cotas, relacionados à ordem de preferência no pagamento dos rendimentos, das amortizações ou do saldo de liquidação do fundo. Fundos destinados exclusivamente a investidores profissionais ou organismos de fomento podem atribuir outros direitos econômico-financeiros distintos às classes de cotas.
Laudo de avaliação a valor justo Norma era silente a respeito (com exceção da exigência de laudo para integralização das cotas com bens e direitos em companhias em processo de recuperação e reestruturação). Não obstante, a prática de mercado de alguns administradores era de exigir a elaboração de laudo a valor justo, o que foi corroborado pela Lei n° 13.043, de 13 de novembro de 2014. Norma expressamente obriga a elaboração de laudo de avaliação por empresa especializada independente para determinação do valor justo de ativos objeto de integralização de cotas. O laudo deve ser aprovado pela Assembleia Geral de Cotistas (na qual não poderá votar o cotista proprietário dos bens objeto da avaliação).

 

Assunto ICVM 391 ICVM 578
Aquisição de direitos creditórios Apenas em caso de integralização de cotas do FIP com bens e direitos relacionados a companhias em processo de reestruturação. A norma geral veda aquisição de direitos creditórios pelo FIP que não aqueles inerentes aos títulos e valores mobiliários passíveis de integrar sua carteira, além daqueles relacionados a empresas em processo de recuperação ou reestruturação. Além disso, a norma admite a aquisição de direitos creditórios “caso [os direitos creditórios] sejam emitidos por companhias ou sociedades investidas do fundo” (art. 43, VI, b)[1].

 

Categorias de FIP

 

Além das novidades descritas acima, a ICVM 578 introduziu três novas categorias de FIP: (i) o FIP – Capital Semente, positivando o investimento conhecido no mercado como “seed capital”, por meio da qual os investidores fomentam, por exemplo, empresas “Start-Up”, possibilitando que uma ideia inovadora possa, eventualmente, se tornar um produto ou serviço comercializável; (ii) o FIP – Empresas Emergentes, tendo por volta categoria intermediária de sociedades, em substituição aos Fundos Mútuos de Investimento em Empresas Emergentes – FMIEE; e (iii) o FIP – Multiestratégia, que pode alocar seus recursos em empresas em graus diversos de desenvolvimento. Abaixo um quadro comparativo entre as diferentes modalidades de FIP:

 

 

 

FIP – CAPITAL SEMENTE
•          Destinado a investidores qualificados ou profissionais;

•          Destina-se a aplicação de recursos exclusivamente em sociedades limitadas, desde que tais sociedades possuam receita bruta anual de até R$ 16.000.000,00; e

•          Dispensa das práticas de governança de companhias fechadas às Sociedades Limitadas investidas pelo FIP – Capital Semente. Caso, após o investimento pelo FIP, a receita bruta anual exceda R$300.000.000,00, aplica-se a obrigatoriedade das regras de governança.

FIP – EMPRESAS EMERGENTES
•          Destinado a investidores qualificados ou profissionais;

•          Destina-se a investir em companhias ou sociedades limitadas com receita bruta anual de até R$300.000.000,00; e

•          Dispensa parcial às sociedades investidas de regras de governança corporativa de companhias fechadas.

FIP- IE E FIP- PD&I
•          Destinados a investidores qualificados ou profissionais;

•          Não podem aplicar seus recursos em sociedades limitadas;

•          Devem manter seu patrimônio líquido investido em ativos-alvo da norma de companhias (abertas ou fechadas) de desenvolvimento de (i) novos projetos de infraestrutura ou (ii) projetos de pesquisa e inovação, em território nacional; e

•          Devem possuir, no mínimo, 5 (cinco) cotistas, sendo que individualmente não podem deter ou auferir rendimento superior a 40% das cotas ou rendimentos do fundo.

FIP – MULTIESTRATÉGIA
•          Destina-se exclusivamente a investidores profissionais;

•          Pode alocar recursos em sociedades em diversos estágios de desenvolvimento; e

•          Permite a alocação da totalidade de seu patrimônio líquido em ativos no exterior, sem exigência de percentual mínimo para o investimento.

 

 

 

A despeito de sugerido em Audiência Pública, a CVM não aceitou criar a categoria de “FIP Imobiliário”, reforçando o entendimento que o fundo adequado para a realização de investimentos imobiliários é o Fundo de Investimento Imobiliário – FII.

 

Os FIP atualmente existentes devem se adaptar às novas regras (i) em até 12 (doze) meses; ou (ii) imediatamente, caso iniciem oferta pública de cotas registrada ou dispensada de registro na CVM.

 

Regras para elaboração e divulgação das demonstrações contábeis dos FIP – ICVM 579

 

De forma complementar à ICVM 578, a CVM editou na mesma data a ICVM 579, visando a disciplinar o tratamento contábil dos FIP e a elaboração das suas demonstrações financeiras. Trata-se de importante regra, com impactos sobre a avaliação de ativos e geração de resultados pelos fundos, estabelecendo diretrizes que, até então, com base do regramento da ICVM 391, estavam sujeitas a elevado grau de discricionariedade no regulamento dos FIP.

 

Como regra geral, os FIP devem aplicar os critérios contábeis de reconhecimento, classificação e mensuração de ativos e passivos, os de reconhecimento de receitas e apropriação de despesas, assim como os critérios de divulgação previstos nas normas emitidas pela CVM aplicáveis às companhias abertas.

 

Além disso, os FIP deverão ser classificados pela instituição administradora como “entidades de investimento” ou não. Caso sejam classificados como entidades de investimento, os ativos e passivos do fundo, sempre reconhecidos inicialmente pelo seu valor justo (em conformidade com as regras contábeis que tratam da sua definição, trazidas pelo “CPC 46 – Mensuração do Valor Justo”), deverão ser continuamente avaliados por este critério, devendo no mínimo ser reavaliados buscando novo valor justo por ocasião da apresentação de demonstrações contábeis ou informações sobre patrimônio do fundo ao mercado.

 

Os ganhos ou perdas decorrentes da avaliação dos ativos e passivos do fundo qualificado como entidade de investimento devem ser reconhecidos no resultado do período, ainda que não realizadas financeiramente. Contudo, o montante de ajuste a valor justo somente integrará a base de distribuição de rendimentos aos cotistas quando da ocorrência de sua realização financeira, o que é relevante também para fins de determinação e pagamento, por exemplo, de taxa de performance ao gestor do fundo.

 

Já os fundos que não se caracterizem como entidades de investimento, deverão ter seus investimentos avaliados em conformidade com a norma contábil que trata de investimento em coligada, controlada e em empreendimento controlado em conjunto e de negócios em conjunto, como o método de equivalência patrimonial. Isto inclui a contabilização do ágio fundamentado em rentabilidade futura ou ganho por compra vantajosa e a mais-valia originada na aquisição de investimentos. As distribuições de lucro declaradas e provisionadas pelas investidas destes fundos reduzem o valor contábil do investimento no fundo. Já para os fundos qualificados como entidades de investimento, as distribuições de lucros declaradas e provisionadas pelas investidas devem ser reconhecidas como receita.

 

São qualificados como entidades de investimento os fundos que, cumulativamente: (i) obtenham recursos de um ou mais investidores com o propósito de atribuir o desenvolvimento e a gestão de uma carteira de investimento a um gestor qualificado que deve possuir plena discricionariedade na representação e na tomada de decisão junto às entidades investidas, não sendo obrigado a consultar os cotistas para essas decisões e tampouco indicar os cotistas ou partes a eles ligadas como representantes nas entidades investidas; (ii) se comprometam com os investidores com o objetivo de investir os recursos unicamente com o propósito de retorno por meio de apreciação do capital investido, renda ou ambos; (iii) substancialmente mensurem e avaliem o desempenho de seus investimentos, para fins de modelo de gestão, com base no valor justo; e (iv) definam nos seus regulamentos estratégias objetivas e claras a serem utilizadas para o desinvestimento, assim como a atribuição do gestor de propor e realizar, dentro do prazo estabelecido na estratégia, o desinvestimento, de forma a maximizar o retorno para os cotistas.

 

Adicionalmente, a ICVM 579 aponta às instituições administradoras indícios do que pode caracterizar um FIP como entidade de investimento, tais como: (i) o fundo possuir mais de um investimento, direta ou indiretamente; (ii) ter mais de um cotista, direta ou indiretamente; (iii) ter cotistas que não influenciam ou não participam da administração das entidades investidas, ou não sejam partes ligadas aos administradores dessas entidades; ou (iv) possuir investimento em entidades nas quais os cotistas não possuíam qualquer relação societária, direta ou indiretamente, previamente ao investimento do fundo.

 

A norma, assim, reafirma a prevalência, sob a perspectiva contábil, da essência econômica sobre a forma jurídica, criando subsídios, inclusive, para análise das autoridades fiscais de estruturas de investimento por meio da utilização de FIP.

 

 

Equipe de Mercado de Capitais – VBSO Advogados

 

[1] Embora a CVM não esclareça o que sejam direitos creditórios “emitidos”, dado que a norma já expressamente ressalva os direitos creditórios inerentes aos títulos e valores mobiliários emitidos pelas sociedades investidas (previstos no art. 5º), entendemos que a expressão deve ser entendida como direitos creditórios originados pelas sociedades investidas, não entrando, no entanto, no cômputo do limite mínimo de composição da carteira do FIP em ativos previstos no art. 5º da Instrução (90% do patrimônio líquido).