Isto é Dinheiro – Tem dinheiro grande vindo aí para os Fundos ‘verdes’, que atrelam performance à responsabilidade ambiental

Isto é Dinheiro – Tem dinheiro grande vindo aí para os Fundos ‘verdes’, que atrelam performance à responsabilidade ambiental

Crédito para reduzir a pegada de carbono. Investimentos sustentáveis. Seguros para executivos contra riscos ambientais. Sem deixar de ser pragmático, o mercado financeiro busca as oportunidades da sustentabilidade.

O negócio da ENC Energia não é glamuroso: produzir energia a partir do lixo. Mais especificamente, gerar eletricidade por meio da queima de biogás proveniente da decomposição de rejeitos colocados em aterros sanitários. Por isso, o engenheiro e CEO da ENC, Rodrigo Missel, se acostumou a ter trabalho para apresentar sua empresa para investidores durante meados de 2021, quando a companhia estava preparando sua segunda captação de recursos por meio da emissão de debêntures, com a meta de levantar R$ 60 milhões. “Foram muitas reuniões, todas demoradas”, disse ele. “Tínhamos de apresentar detalhadamente não apenas a empresa, mas as características do negócio e as vantagens para os clientes em comprar essa energia.”

O trabalho envolveu diversas apresentações e muitas visitas dos interessados às unidades geradoras, todas localizadas em aterros. Em 2022, quando a ENC preparava sua terceira emissão, com meta de captar R$ 110 milhões, Missel percebeu uma mudança abrupta no interesse do mercado. “A adesão dos investidores foi maciça”, disse ele. “Se em 2021 foi preciso dar muitas explicações e ter muito trabalho de convencimento, neste ano foi só avisar a eles que havíamos lançado mais uma oferta.” O resultado surpreendeu. “Todos os investidores com quem entramos em contato participaram da captação, e muitos ficaram de fora.” A empresa planeja novas captações em 2023 e em 2024, e Missel disse esperar que o interesse não se dissipe. “Muitos investidores já disseram que querem participar das outras emissões.”

Mesmo envolvendo temas como lixo e aterros sanitários, a atividade da ENC é irresistível. Quando contrata eletricidade gerada por meio da queima de um gás que seria liberado na atmosfera, uma indústria reduz sua pegada de carbono. Isso melhora a classificação de risco ambiental. E reduz seus custos na hora de captar dinheiro, pois há muitos recursos destinados para esses fins. Com isso, a agenda de sustentabilidade, antes um segmento de nicho no mercado financeiro, na melhor das hipóteses, vira parte integrante do dia a dia dos profissionais das finanças.

Isso inclui os gigantes do mercado, que até pouco tempo atrás não davam muita atenção a esse aspecto. Na sexta-feira (12), o Itaú Unibanco anunciou sua segunda emissão de Letras Financeiras (LF) verdes, no valor de R$ 1 bilhão e com prazos de dois e três anos (R$ 500 milhões cada). As LF são títulos de longo prazo emitidos por bancos que se destinam a levantar recursos para que as instituições financeiras possam conceder empréstimos. As LF verdes têm uma destinação ‘carimbada’ para esse dinheiro. Os empréstimos só podem ser concedidos para atividades sustentáveis.

Na segunda emissão, realizada em abril, o banco presidido por Milton Maluhy Filho captou recursos “para apoiar o financiamento de veículos elétricos, híbridos e multicombustível, com o objetivo de alavancar a economia de baixo carbono e fomentar o segmento de veículos de baixa emissão de gases de efeito estufa no Brasil”, informou o Itaú em um comunicado. O principal fornecedor dos recursos foi a International Finance Corporation (IFC), empresa de investimentos ligada ao Banco Mundial. Segundo o comunicado do Itaú, a meta é destinar R$ 400 bilhões até 2025 em linhas de crédito e outros produtos para promover uma economia mais sustentável.

AUTORIDADES Os bancos estão revendo o modo de atuar e revisando os parâmetros de seu negócio mais importante, que é fornecer os recursos para a sociedade e os empresários poderem consumir e investir. Isso não decorre de um surto de bondade, nem de uma tomada súbita de consciência. Ao redor do mundo, o catalisador dessas mudanças são as autoridades. Os parâmetros mais estritos decorrem de questões de regulamentação e de resoluções de autoridades monetárias e legisladores.

No entanto, o que começou como obrigação está se tornando uma política por aceitação. Segundo a diretora da corretora de seguros Marsh, Juliana Casiradzi, muitos bancos já tinham algumas políticas individuas de aderência aos princípios ESG. “Porém, agora há um olhar mais preocupado para outros participantes do sistema financeiro que estavam menos alinhados com relação a essas questões”, disse. No caso das empresas abertas, por exemplo, a tomada de consciência com relação à agenda sustentável levou a um aumento nas contratações de seguros de proteção para os executivos como pessoas físicas. São as chamadas apólices Directors and Officers, ou D&O.

A tendência é irreversível. “O mundo está procurando se tornar mais sustentável. Isso inclui empresários, consumidores e investidores”, disse Renato Buranello, sócio do escritório VBSO Advogados. “Esse movimento está indo além das aparências, de parecer verde.” Segundo o advogado, os processos de certificação estão ficando mais rígidos e os investidores estão se tornando mais atentos e exigentes. “Todos perceberam que é preciso separar o joio do trigo.”

EXECUTIVOS BUSCAM PROTEÇÃO

É fácil apresentar a agenda ESG como algo positivo. Os princípios expressos nessa sigla, que incluem práticas de negócios sustentáveis, socialmente responsáveis e alinhadas à governança corporativa, ganham mais terreno entre reguladores, consumidores, empresários e investidores. Segundo o superintendente da seguradora Zurich, Marck Sá, as empresas estão mais preocupadas. “Elas têm adotado práticas como deixar de usar copos descartáveis, reduzir a necessidade de imprimir documentos e outras atitudes que reduzem a pegada de carbono”, disse ele.

No entanto, há um lado igualmente importante da agenda ESG que não é tão glamuroso. A imagem de uma empresa e, por extensão, de seus controladores e dos executivos que nela trabalham, pode ser destruída por um problema ambiental ou social. Basta lembrar os acidentes provocados pela Vale nas cidades de Mariana e Brumadinho. Por isso, ao mesmo tempo em que as empresas alardeiam sua aderência a essas práticas (ou escondem cuidadosamente a não aderência), elas buscam proteger seus executivos. E os números do mercado segurador brasileiro mostram isso, com o crescimento da venda de apólices destinadas ao tema.

Esses seguros, conhecidos pelo termo em inglês Directors and Officers (D&O), vêm ganhando popularidade. Segundo dados da Superintendência de Seguros Privados (Susep), autarquia que regulamenta o setor, o valor dos seguros D&O vendidos entre janeiro e abril foi de R$ 411 milhões, crescimento de 11,4% em relação aos R$ 369 milhões vendidos no mesmo período do ano passado. Uma das seguradoras dedicadas a essas apólices, a suíça Zurich, registrou expressivo aumento nas consultas. Foram 550 nos quatro primeiros meses de 2021, e 800 no mesmo período deste ano, alta de 45%. “E o número de conversões, os negócios efetivamente fechados, cresceu 40%”, disse Marck Sá. “Na América Latina, e no Brasil, especificamente, não são tão usuais, mas o País tem dado sinais cada vez mais significativos de que o litígio climático é uma tendência que não pode ser ignorada.”

Boa parte disso deve-se ao risco crescente de acidentes provocados por mudanças climáticas. As apólices D&O cobrem custos e prejuízos financeiros de processos sofridos por conselheiros, diretores ou administradores de empresas, que podem ser questionados na Justiça por descumprimento de políticas de sustentabilidade. “E isso vai além do meio ambiente”, disse a diretora da corretora de seguros Marsh, Juliana Casiradzi. “Mais e mais empresas estão preocupadas com processos referentes à melhoria das questões de diversidade, especialmente nas diretorias e conselhos.”

Reportagem publicada pelo ISTO É Dinheiro em 19 de agosto de 2022, disponível neste link: https://www.istoedinheiro.com.br/tem-dinheiro-grande-vindo-ai-para-os-fundos-verdes-que-atrelam-performance-a-responsabilidade-ambiental/