JOTA – As DRJs e o ‘fim’ do voto de qualidade

JOTA – As DRJs e o ‘fim’ do voto de qualidade

As DRJs e o ‘fim’ do voto de qualidade

Efeitos ainda pouco discutidos para processos de menor valor e a manifestações de inconformidade

O artigo foi publicado no JOTA: https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/as-drjs-e-o-fim-do-voto-de-qualidade-26072020 

 

Desde as alterações ao “voto de qualidade” em abril deste ano, advogados, auditores fiscais, conselheiros e acadêmicos discutem se o artigo 28 da Lei nº 13.988/20 é constitucional, se a mudança é positiva para o funcionamento do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais – CARF e, ainda, em quais casos o voto de qualidade deixou de ser aplicado.

Basicamente, o voto de qualidade era o critério geral de desempate em julgamentos realizados pelo CARF: caso o número de votos contrários e favoráveis ao contribuinte fosse o mesmo, o desempate cabia ao voto do presidente da turma julgadora. Com introdução do artigo 19-E na Lei nº 10.522/02, digamos, simplificadamente, que o voto de qualidade deixa de ser aplicado: em caso de empate, prevalece a posição favorável ao contribuinte.

Apesar das várias discussões sobre o tema, muitas intensificada com a recente Portaria ME 260, existe um aspecto muito específico acerca dessa mudança que não suscitou maiores debates: os impactos com relação ao empate de julgamentos no âmbito das Delegacias da Receita Federal de Julgamento – DRJ.

As DRJs são responsáveis pelo julgamento em primeira instância de processos administrativos fiscais no âmbito federal. Assim como o CARF, também são órgãos de julgamento colegiado, contendo entre 3 e 5 julgadores. Como é possível que uma turma da DRJ conduza suas atividades com 4 julgadores, o artigo 13 da Portaria MF nº 341/11 atribui voto de qualidade ao presidente da turma, em caso de empate.

Diferentemente do CARF, a maior parte das previsões relacionadas à organização das DRJs não consta de lei. Apesar de as DRJs serem instituídas pelo artigo 25 do Decreto nº 70.235/72, não são mencionadas no seu parágrafo 9º, que trata justamente do voto de qualidade atribuído ao presidente das turmas de julgamento[1]. De fato, não há lei que preveja o voto de qualidade especificamente para as DRJs.

Sendo assim, qual é o fundamento legal para o voto de qualidade no âmbito da DRJ? A nosso ver dentro de sua competência regulamentar, a Portaria MF nº 341/11 mimetizou a previsão aplicável ao CARF e estendeu o voto de qualidade para as DRJs. No entanto, uma vez que a regra para resolução de empates nos julgamentos do CARF foi alterada, o critério estabelecido pelo artigo 13 da Portaria MF nº 341/11 deixa de ser válido. A partir do artigo 28 da Lei nº 13.988/20, o empate no julgamento da DRJ também deve ser resolvido favoravelmente ao contribuinte.

Diante disso, a dúvida é: as alterações da Lei nº 13.988/20 impactam o voto de qualidade no âmbito da DRJ? Realmente, trata-se de questão muito específica e que possui impactos práticos limitados. Para se ter uma ideia, no ano de 2019, as DRJs proferiram aproximadamente 74,5 mil acórdãos[2]. Desses julgamentos, 72.970 acórdãos foram proferidos por unanimidade de votos, 1.250 acórdãos por maioria e apenas 109 por voto de qualidade[3].

Seguindo a regra do artigo 13 mencionado acima, o desempate nesses julgamentos coube ao voto do presidente da turma, na maior parte das vezes, contrário ao contribuinte[4]. Nesse caso, o contribuinte teria a possibilidade de apresentar recurso para o CARF, dando continuidade à discussão administrativa.

Suponhamos que o voto de qualidade deixasse de ser o critério de desempate para esses poucos processos analisados pela DRJ. Se uma regra semelhante ao artigo 19-E fosse aplicada a esses casos (empate decidido favoravelmente ao contribuinte), haveria algum impacto prático? Em determinados casos, sim.

Realmente, a decisão da DRJ que cancelar exigências fiscais, a partir de determinado valor, implica recurso de ofício ao CARF. Nesses casos, a mudança do critério de desempate na DRJ alteraria apenas o tipo de recurso cabível e o interessado na sua interposição (o contribuinte ou o Fisco). O processo administrativo, no entanto, não seria encerrado.

No entanto, existem situações em que a decisão da DRJ é definitiva: (i) nos casos cujo valor envolvido não atingem o limite de alçada do recurso de ofício (atualmente, de R$ 2,5 milhões), conforme a Portaria MF nº 63/17, e (ii) no caso dos processos que tratam do reconhecimento de créditos (julgamento de manifestações de inconformidade), artigo 136, parágrafo único, da Instrução Normativa RFB nº1.717/17[5].

O número de casos enquadrados nessas situações não é desprezível. Em junho de 2020, o “estoque” das DRJs de processos administrativo com valor inferior a R$ 2,5 milhões era de 253.643. Por sua vez, o número de processos relativos a manifestações de inconformidade em estoque era de 98.154. Nesses casos, a alteração do voto de qualidade também no âmbito da DRJ é decisiva: ou a discussão é encerrada de imediato, ou o contribuinte terá de recorrer ao CARF.

É necessário, portanto, que o artigo 13 da Portaria MF nº 341/11 seja logo alterado, passando a refletir que o empate em julgamentos da DRJ deve ser resolvido favoravelmente ao contribuinte.

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[1] A redação do parágrafo 9º do artigo 25 da Decreto nº 70.235/72 é a seguinte: “os cargos de Presidente das Turmas da Câmara Superior de Recursos Fiscais, das câmaras, das suas turmas e das turmas especiais serão ocupados por conselheiros representantes da Fazenda Nacional, que, em caso de empate, terão o voto de qualidade”).

[2] Todas as informações relacionadas à DRJ foram disponibilizadas pela Divisão de Gerenciamento e Análise do Contencioso – DIGEA em 23 de junho de 2020, após solicitação baseada na Lei de Acesso à Informação.

[3] Ou seja, houve voto de qualidade em aproximadamente 0,01% dos casos julgados pela DRJ, durante 2019. Para efeito de comparação, houve voto de qualidade em 5,3% dos casos pelo CARF no mesmo período, conforme “dados abertos” divulgados em seu site. Disponível em: <http://idg.carf.fazenda.gov.br/dados-abertos/relatorios-gerenciais/2020/dados-abertos.pdf> Acesso em 25 de junho de 2020.

[4] Também de acordo com as informações da DIGEA, as DRJs decidiram favoravelmente aos contribuintes (de forma parcial ou integral) em 16 mil processos, durante 2019. Ou seja, em 21% dos casos.

[5] Vale notar que a Portaria ME 260 entende que o voto de qualidade continua a ser aplicado para julgamento de processos que tratam do reconhecimento de créditos pleiteados pelo sujeito passivo. Nesta oportunidade, basta pontuar que não estamos de acordo com esse entendimento.