Jota – CPR verde pode aproximar produtor rural do mercado financeiro

Jota – CPR verde pode aproximar produtor rural do mercado financeiro

Entre os dias 31 de outubro e 12 de novembro de 2021, Glasgow foi palco da Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP 26). Além das calorosas discussões, participação da iniciativa privada, terceiro setor e governos, foram assumidos compromissos relativos à redução de emissões de gases que afetam o aquecimento global. Especificamente àqueles que se relacionam ao Brasil, destacamos três que impactam diretamente o agronegócio, a sustentabilidade e os pagamentos por serviços ambientais.

Em primeiro lugar, os países desenvolvidos reafirmaram os compromissos do Acordo de Paris, sobre a disponibilização efetiva de recursos aos países em desenvolvimento para compromissos sustentáveis. Importante destacar a Declaração de Líderes para Florestas, em que se insere o Brasil, sobre a qual foram prometidos alocação de recursos de um lado (US$ 19,2 bilhões) e preservação das florestas de outro. Neste mesmo sentido, mais de 450 instituições financeiras se comprometeram a destinar e criar condições para melhor fluxo de valores para investimentos ESG.

Outro compromisso que se destaca é o Pacto para Redução de Metano. Foi apurado que este gás teve um crescimento significativo nas últimas décadas e afeta adversamente o efeito estufa em medida 80 vezes pior que a do gás carbônico. Os governos, aqui também o brasileiro, se comprometeram a reduzir suas emissões em 30% até o ano de 2030, o que impacta diretamente a pecuária, atividade emissora do gás, cujo setor já vêm desenvolvendo tecnologias para alimentação dos animais que permitirão endereçar os compromissos.

Por fim, um dos pontos mais esperados, a regulação de um mercado global de carbono. Ainda que os alicerces houvessem sido tratados no âmbito do Acordo de Paris, restava pendente a aprovação de regras, procedimentos e modalidades para a devida comercialização de créditos de carbono, de modo a evitar dupla contabilização e diferentes critérios adotados entre as jurisdições. Essa discussão, em tese, não seria aplicável ao mercado voluntário de créditos de carbono, mas poderá influenciá-lo, em especial para que seja resguardada transparência, rastreabilidade e adoção de critérios mínimos.

Uma das iniciativas existentes do governo brasileiro decorre do Plano Setorial de Adaptação e Baixa Emissão de Carbono na Agropecuária, chamado de ABC+, que estimula a adoção de melhores práticas aplicáveis ao setor, fornecendo-lhe base e o direcionando para a redução de emissão de GEE. Além disso, é de se destacar que o Brasil, que possui mais de 60% de áreas preservadas, pode ser o principal país para a emissão de créditos de carbono e biodiversidade, tornando-se protagonista nesta agenda e substituindo a acepção de parte do problema (desmatamento) para parte da solução (manutenção das florestas em pé).

Decreto 10.828/21, caminhando nesse sentido, veio regulamentar a Lei 8.929/94, a Lei da Cédula de Produto Rural (CPR) ante a ampla discricionariedade dada pela Lei do Agro (Lei  13.986/20). O decreto foi responsável por criar a possibilidade de emissão da chamada CPR verde, consistente em uma promessa de entrega de produtos relacionados aos serviços ecossistêmicos, ou sua liquidação financeira. Para tanto, é necessário o atendimento de uma exigência: emissão de laudo, elaborado por terceira parte, que evidencie a existência e convergência do objeto da CPR com os produtos previstos no decreto.

Destacamos, neste quesito, que dada a amplitude do decreto, é possível incluir sob a definição ampla de “produtos rurais obtidos por meio das atividades relacionadas à conservação e à recuperação de florestas nativa e de seus biomas que resultem em outros benefícios ecossistêmicos” os serviços ecossistêmicos e demais disposições previstas na Política Nacional de Pagamentos por Serviços Ambientais (Lei 14.119/21), mecanismo de remuneração por atividades ambientalmente benéficas e que pode em muito ser explorado pelo Brasil.

Os compromissos assumidos pelos governos na COP 26, ante o estado atual, podem ser considerados ambiciosos, mas os estímulos financeiros podem mudar o racional, excluindo a falsa dicotomia desenvolvimento x preservação do meio ambiente.

Uma agricultura e pecuária de baixa emissão de gases do efeito estufa e a diminuição da pressão para o desmatamento (legal e ilegal), via pagamentos por serviços ambientais, podem tornar o Brasil protagonista no desenvolvimento desses tipos de investimentos, o que a CPR verde poderá endereçar, sendo o veículo que aproximará o produtor rural ao mercado de capitais e financeiro.

RENATO BURANELLO – Doutor em Direito Comercial pela PUC-SP. Coordenador do Curso de Direito do Agronegócio do Insper. Diretor da ABAG. Membro da Câmara de Crédito, Comercialização e Seguros do Ministério da Agricultura e do Conselho Superior de Agronegócio da Fiesp
PHILLIPE KÄFER – Mestrando em Agronegócio pela EESP-FGV, com foco em finanças sustentáveis, e advogado associado ao VBSO Advogados

Reportagem publicada pelo Jota em 11 de Janeiro de 2022, disponível neste link: https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/cpr-verde-pode-aproximar-produtor-rural-mercado-financeiro-11012022