Jota – Tributação da alienação de imóveis no lucro presumido

Jota – Tributação da alienação de imóveis no lucro presumido

Esclarecimentos e dúvidas decorrentes da Solução de Consulta COSIT nº 7/2021

Em março de 2021, a Receita Federal publicou a Solução de Consulta COSIT nº 7, trazendo esclarecimentos sobre o tratamento tributário da alienação de imóveis por empresas imobiliárias optantes pelo lucro presumido. Em pouco tempo, surgiram notícias sobre a referida Solução de Consulta, ressaltando principalmente a suposta existência de uma mudança de posicionamento da Receita Federal, que teria passado a entender que o valor de alienação poderia ser considerado como receita bruta, sujeita à aplicação dos percentuais de presunção, ao invés da apuração de ganho de capital – e que tal procedimento seria benéfico aos contribuintes.

A finalidade deste artigo é analisar manifestações da Receita Federal sobre a tributação da alienação de imóveis por empresa praticante de atividade imobiliária que seja optante do lucro presumido, para, a partir disso, verificar se houve mudança no entendimento do órgão por meio da publicação da SC COSIT nº 7/21.  Adiantando nossa conclusão, entendemos não ter havido mudança de posicionamento, mas, no máximo, esclarecimento quanto àquilo que já havia sido anteriormente expresso, no sentido de que a tributação seguindo as margens de presunção depende da verificação de requisitos diversos.

Para expor adequadamente nosso entendimento, é relevante traçar algumas considerações introdutórias sobre a matéria. O artigo 25 da Lei nº 9.430/96, de maneira simplificada, determina que o lucro presumido será composto pela soma de duas parcelas (sobre as quais haverá incidência do IRPJ e da CSLL): (i) o valor resultante da aplicação de determinados percentuais sobre a receita bruta[1], deduzida das devoluções, vendas canceladas e descontos incondicionais; e (ii) ganhos de capital, rendimentos e ganhos em aplicações financeiras e outras receitas.

De acordo com os artigos 15, parágrafo 4º, e 20 da Lei nº 9.249/95, os percentuais de presunção para as receitas decorrentes da “venda de imóveis construídos ou adquiridos para a revenda” são de 8% para o IRPJ e de 12% para a CSLL. Portanto, para empresas que se enquadrem nas hipóteses desse dispositivo, as alíquotas de IRPJ e CSLL[2] incidirão sobre 8% e 12% da receita bruta da alienação, respectivamente. Fora dessa situação, as alíquotas incidirão sobre o ganho de capital, assim entendido como a diferença entre o valor de venda e o valor contábil de um bem do ativo não circulante classificado como investimentos, imobilizado ou intangível.

A diferença da carga tributária entre essas duas hipóteses (margem de presunção x ganho de capital) fez com que muitos contribuintes adotassem estratégias para enquadrar-se na primeira, como por exemplo reclassificar um imóvel do ativo não circulante para o circulante antes da venda (fugindo, portanto, do conceito de ganho de capital do art. 31 do Decreto-Lei 1.598/77, que se aplica somente à alienação, baixa ou liquidação de bens do ativo não circulante). A jurisprudência administrativa mostra casos em que o contribuinte agia dessa forma na expectativa de que a classificação contábil pudesse determinar a tributação, bem como situações em que a empresa procedia à modificação do seu objeto social, de modo a denominar-se imobiliária, sem embasamento fático, exclusivamente para alienar o imóvel[3].

O artigo 39 da Instrução Normativa nº 1.700/2017 é um reflexo da condenação da Receita Federal a esse tipo de procedimento, sendo expressa na previsão de que a alienação de bens do ativo imobilizado fica sujeita à apuração de ganho de capital, ainda que esses bens tenham sido reclassificados para o ativo circulante com a intenção de venda[4].

Por meio desta previsão, a Receita Federal teria, ao menos aparentemente, vinculado a contabilização no ativo não circulante com a apuração de ganho de capital; ou seja, na ocasião, registrou seu entendimento de que, caso o bem tenha sido utilizado para as atividades da pessoa jurídica, a simples reclassificação do bem para o ativo circulante não leva à tributação pelas margens de presunção do lucro presumido.

No ano seguinte, a Receita Federal aprovou a Solução de Consulta COSIT nº 251/18, pela qual expressou, a partir da análise de um caso concreto, sua concepção de que a “alienação de bem do ativo imobilizado por sociedade empresária optante pelo lucro presumido deve ser tributada pelo IRPJ segundo as regras aplicáveis ao ganho de capital, ainda que tenha havido a reclassificação do bem para o circulante”.

À primeira vista, essa conclusão parece ser reprodução quase literal do parágrafo 3º do artigo 39 da Instrução Normativa nº 1.700/2017, tendo a classificação contábil como ponto determinante da tributação. Contudo, ao analisar o conteúdo dessa Solução de Consulta, pode-se verificar que a conclusão foi baseada na finalidade para a qual os imóveis ingressaram no patrimônio da pessoa jurídica consulente.

O caso concreto analisado pela Solução de Consulta COSIT nº 251/2018 era relativo a empresa tributada pelo regime do lucro presumido, com atividade imobiliária desde a sua origem, que consultou a Receita Federal para avaliar o tratamento tributário da alienação de imóveis conferidos à empresa por meio da integralização de capital pelos sócios e que vinham sendo locados “alguns para empresas ligadas e outros para empresas sem qualquer vinculação societária com a consulente”. Com base nos fatos descritos, a Receita Federal entendeu que a pessoa jurídica não tinha intenção de alienar os imóveis quando os adquiriu, tendo sido esse o motivo pela qual foi determinada a apuração de ganho de capital.

Isso porque, ao analisar a legislação, a Receita Federal concluiu que é determinante para a sujeição aos percentuais de presunção que o imóvel alienado tenha sido construído ou adquirido para revenda. Nas palavras dessa Solução de Consulta, o imóvel em questão “ingressou no patrimônio da sociedade mediante subscrição do capital social e inscrição no imobilizado em razão da sua destinação original coerente com tal inscrição contábil e, portanto, diversa da atividade de comercialização imobiliária em si.”. Logo, a conclusão da Receita Federal não está embasada apenas no fato de que o imóvel em questão estava contabilizado no imobilizado (o que seria mero reflexo), mas também na finalidade pela qual esse bem ingressou na pessoa jurídica.

Na Solução de Consulta nº 7/2021, a razão de decidir também passou pela avaliação da finalidade pela qual os imóveis ingressaram na pessoa jurídica: no caso, como a intenção era de locação e posterior revenda (o que foi verificado pela descrição da consulente sobre suas atividades e a análise do seu objeto social), concluiu-se que viabilidade da tributação de acordo com os coeficientes de presunção. Quanto a esse ponto, ainda é ressaltado que uma condição para a tributação nas margens de presunção é que “o imóvel, a qualquer tempo, não tenha sido destinado à manutenção das atividades da pessoa jurídica.”.

Diante disso, entendemos que a Solução de Consulta nº 7/2021 deve ser lida com ressalvas, pois não se trata de uma autorização a empresas para a tributação pelas margens de presunção de receitas de imóveis originalmente contabilizados no não circulante e reclassificados antes da venda. No caso em análise, a Receita Federal verificou não apenas a atividade da empresa, mas também a habitualidade com que essas operações eram praticadas: “[…] a saber, a manutenção de imóveis para aluguel e posterior venda desses imóveis, é prática comum, o que denota habitualidade da operação, permitindo, assim, caracterizá-la como parte do ciclo operacional do seu negócio”.

Diante dessas manifestações da Receita Federal , entendemos possível afirmar que, para o órgão, a aplicação dos coeficientes de presunção passa pela verificação cumulativa dos seguintes requisitos: (i) previsão de atividade imobiliária no contrato ou estatuto social; (ii) prática efetiva e habitual de atividade imobiliária (no caso, a venda de imóveis), caracterizando-a como atividade principal[5]; (iii) ingresso dos imóveis no patrimônio da pessoa jurídica com intenção de alienação (sem prejuízo deste imóvel ser locado para terceiros); (iv) que o imóvel nunca tenha sido utilizado para as atividades da pessoa jurídica, como, por exemplo, no caso de sede. Apenas após a constatação desses requisitos é que a Receita Federal entende possível não aplicar a regra de apuração de ganho de capital.

Assim, entendemos que a concepção da Receita Federal, expressa na Solução de Consulta COSIT nº 7/2021, não representa mudança de posicionamento do órgão, trazendo, no máximo, mais clareza quanto àquilo que havia sido destacado na Solução de Consulta COSIT nº 251/2018.

Ou seja, assim como já fez anteriormente, a Receita Federal observou a dinâmica das atividades das pessoas jurídicas e verificou a finalidade pela qual os imóveis ingressaram em seus patrimônios, para então definir a forma de tributação.

Em ambos os casos, analisaram-se os motivos pelos quais os imóveis passaram a integrar o patrimônio das pessoas jurídicas, requisito esse que também é comumente observado em julgamentos do CARF[6], como no caso do acórdão nº 1402-002.874, no qual o contribuinte não havia obtido êxito na execução do empreendimento imobiliário pretendido, mas ainda assim foi mantida a tributação pelos coeficientes de presunção, haja vista que a intenção quando da aquisição do terreno era de comercialização[7] e que, nos termos do acórdão, “a alienação dos terrenos é parte lógica e comercialmente indissociável de seu objeto social”.

Contudo, o fato de não haver mudança no posicionamento fiscal não significa que todos os critérios estejam claros ou que sejam corretos. A título de exemplo, é necessário que o contribuinte aliene imóveis em determinado intervalo de tempo para que esta atividade possa ser considerada como “habitual”? Em caso positivo, qual seria esse intervalo de tempo?

Ainda sobre a habitualidade, seria somente um indício de que a receita seria decorrente da atividade principal do contribuinte, como definido pelo art. 12 do Decreto-Lei 1.598/77? Em caso positivo, seria o único indício que caracterizaria a atividade como principal ou seria admissível que outros indícios fossem suficientes (como a representatividade da receita total, em linha com o conceito de atividade preponderante definida pelo Código Tributário Nacional para fins do ITBI)?

Outras dúvidas surgem em relação à intenção de venda: como verificá-la? Haveria algum limite temporal (ou seja, é necessário que se pretenda vender o bem imediatamente ou é possível que a aquisição seja estratégica, aguardando eventual valorização)?  Especificamente quanto a este ponto, há indícios na Solução de Consulta COSIT nº 7/2021 de que a intenção de revenda não precisa ser imediata, já que o contexto fático analisado parte de premissa descrita pela consulente de que “imóveis inicialmente adquiridos para locação e, portanto, registrados em seu ativo não circulante são eventualmente postos à venda”.

Por fim, um dos requisitos exigidos pela legislação nos parece questionável: impossibilidade de aplicação dos percentuais de presunção caso o imóvel tenha em algum momento sido utilizado para manutenção das atividades da pessoa jurídica (como sede). Nada impede que uma pessoa tenha adquirido um imóvel com intenção de venda e lhe usado como sede enquanto não encontrado um comprador – situação que, na rigidez da condição imposta pelo entendimento fiscal, acabaria por acarretar a tributação do ganho de capital em detrimento da aplicação dos percentuais de presunção.

Assim, concluímos que a SC nº 7/21 não representa alteração de entendimento das autoridades fiscais, mas somente uma explicação mais detalhada dos requisitos que levam à aplicação dos percentuais de presunção à receita de venda de imóveis por empresas imobiliárias. Contudo, ainda restam pontos a serem aperfeiçoados e conclusões a serem revistas, por não estarem em linha com o ordenamento jurídico.

 


[1] A definição de receita bruta para fins do lucro presumido pode ser encontrada no artigo 12 do Decreto-Lei nº 1.598/77, aqui também resumida como a receita da atividade ou objeto principal da pessoa jurídica.

[2] Incidirão IRPJ e CSLL à alíquota conjugada e aproximada de 34%.

[3] Nesse sentido, destacamos trecho de julgado do CARF (Acórdão nº 1402-003.859 – sessão de 16/04/2019): “A alteração do objeto social no estatuto da companhia para inclusão de atividade de compra e venda de bens imóveis, perpetrada sem nenhum embasamento fático, não se presta para justificar a transferência de bem do Imobilizado Não Circulante para o Circulante.”

[4] Art. 39. Serão acrescidos às bases de cálculo do IRPJ e da CSLL, no mês em que forem auferidos, os ganhos de capital, as demais receitas e os resultados positivos decorrentes de receitas não compreendidas na receita bruta definida no art. 26, inclusive:

  • 3º O ganho de capital nas alienações de bens do ativo não circulante imobilizados, investimentos e intangíveis, ainda que reclassificados para o ativo circulante com a intenção de venda, e de ouro não considerado ativo financeiro, corresponderá à diferença positiva verificada entre o valor da alienação e o respectivo valor contábil

[5] Segundo consta do texto da SC nº 7/2021, atividade principal seria “aquela correspondente ao objeto social da pessoa jurídica ou a que seja efetivamente verificada no cotidiano da empresa quando esta se afasta dos objetivos expressos em seu ato constitutivo.”

[6] Nesse sentido, destacamos trecho de julgado do CARF (Acórdão nº 1302-002.327 – sessão de 27/07/2017): “Para efeitos tributários, a receita proveniente da venda de imóveis, que não foram construídos ou adquiridos com tal finalidade, mas, diversamente, para serem usados como meio de obtenção de renda ou para o desempenho de atividade econômica prevista no objeto social da empresa, sujeita-se à apuração de ganho de capital, independentemente, de a atividade imobiliária também integrar aquele objeto e da reclassificação contábil, efetivada, no ano-calendário precedente ao da venda, pela transferência dos bens do ativo permanente para o ativo circulante, como se mercadorias fossem.””

[7] Trecho do acórdão nº 1402-002.874: “Na hipótese de Sociedade de Propósito Específico, originalmente constituída para promover incorporação em terreno de sua propriedade sempre mantido em conta do ativo circulante, que não obtêm êxito na realização imobiliária pretendida inicialmente e aliena regularmente tal imóvel de seu estoque, mesmo sem edificações ou desdobros, a receita percebida pode ser classificada como operacional, ficando sujeita ao coeficiente de presunção de 8%, determinado pelo art. 15 da Lei nº 9.249/95, para a obtenção da base de cálculo.”

 

Artigo dos advogados Vinícius Caccavali e Davi Finotti publicado no JOTA em 25 de maio de 2021, acesse aqui: https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/tributacao-alienacao-imoveis-lucro-presumido-esclarecimentos-e-duvidas-decorrentes-da-solucao-de-consulta-cosit-no-7-2021-25052021