JOTA – Tributação da infraestrutura

JOTA – Tributação da infraestrutura

O fim do REIDI e a falsa solução da reforma tributária – Por Diogo Olm Ferreira

A reforma da tributação sobre o consumo, materializada na Emenda Constitucional 132, tem demandado que as empresas promovam inúmeras simulações para compreender seus potenciais impactos. Ainda que haja uma promessa de não haver aumento da carga tributária em uma perspectiva nacional, é certo que, individualmente, contribuintes de diversos setores econômicos passarão a pagar mais tributos.

Realizando essas simulações, as pessoas jurídicas que atuam no setor de infraestrutura têm se deparado com a seguinte questão: com a implementação da reforma, haverá algum benefício tributário para projetos de infraestrutura semelhante ao REIDI?

Em resumo, o REIDI é um regime especial que assegura a suspensão da incidência de PIS e de Cofins sobre as receitas de venda de bens e de prestação de serviços, bem como importações, destinados a projetos de infraestrutura em determinados segmentos, como transportes, portos, energia, saneamento básico e irrigação. Desde que os bens e serviços sejam efetivamente incorporadas ao projeto, a suspensão de PIS e de Cofins se converte em alíquota zero. Apesar das dificuldades práticas para habilitação e da limitação de escopo, o efeito prático do REIDI é extremante positivo: desonerar a aquisição de bens e serviços destinados a obras de infraestrutura, na medida em que se retira o peso da incidência de PIS e de Cofins.

O efeito financeiro dessa medida é claro nos casos em que o titular do projeto de infraestrutura é uma pessoa jurídica sujeita ao regime não cumulativo: o PIS e a Cofins incidentes sobre as receitas dos fornecedores de bens e serviços seriam apropriados pelo titular do projeto como créditos da não cumulatividade. No entanto, esses créditos têm natureza escritural, com a utilização diferida no tempo, sem qualquer tipo de atualização. No caso de projetos vinculados a concessões de serviços públicos, a utilização seria diferida para todo o prazo da concessão, ou seja, podendo abranger inúmeras décadas. Retirando a incidência de PIS e de Cofins, barateia-se a implementação do projeto, fomentando o tão necessário desenvolvimento de infraestrutura no Brasil. Vale notar que, no âmbito estadual, também existem regimes especiais de ICMS voltados a uma desoneração semelhante de aquisições para construção de infraestrutura.

O que acontecerá com a aprovação da reforma tributária? Ora, como bem se sabe, os velhos PIS, Cofins, ICMS e ISS serão substituídos pela nova Contribuição Sobre Bens e Serviços (CBS) e pelo novo Imposto sobre Bens e Serviços (IBS). A exemplo do que ocorre no atual regime não cumulativo, CBS e IBS também gerarão apropriação de créditos da não cumulatividade. O recém-criado artigo 156-A, parágrafo 1º, inciso VIII, da Constituição prevê que esses créditos serão muito mais amplos do que atualmente se observa para o PIS, Cofins e mesmo para o ICMS, o que, sem dúvida, é positivo.

Todavia, sem um instrumento como o REIDI, o efeito financeiro acima descrito ainda pode ser observado. Afinal, caso o titular de um projeto de infraestrutura compre mercadorias a serem empregados nas obras e aproprie créditos, é possível que a legislação limite o aproveitamento de tais créditos no tempo, vinculando-os, conforme o caso, à depreciação de eventuais ativos imobilizados ou ao prazo do contrato de concessão. É isso que se observa na atual legislação de PIS e de Cofins. Ainda que a nova legislação da CBS siga por outro caminho e crie mecanismos para ressarcimento de créditos acumulados de forma imediata, haverá perda do valor do dinheiro no tempo entre a apropriação e o efetivo reembolso para o titular do projeto, criando ônus financeiros adicionais para o projeto de infraestrutura.

Durante a tramitação no Congresso Nacional, surgiu uma aparente solução para o “fim” do REIDI. O artigo 156-A, parágrafo 5º, inciso V, da Constituição contemplou a possibilidade de desoneração para “bens de capital” adquiridos pelo contribuinte, elencando diferentes mecanismos que poderão ser adotados em lei complementar: (a) crédito integral e imediato; (b) diferimento; ou (c) redução em 100% das alíquotas. Tais previsões são aplicáveis tanto ao IBS quanto à CBS, nos termos do artigo 195, parágrafo 16.

Analisando a alternativa (a), fica confirmado o receio acima: se a lei complementar poderá autorizar o crédito imediato de IBS e CBS, significa que, como regra, o creditamento não será instantâneo. Há risco de descasamento temporal entre o desembolso para adquirir bens e serviços e o efetivo aproveitamento dos créditos, justamente o problema resolvido pelo REIDI. No entanto, a lei complementar poderá solucionar esse inconveniente, criando tratamento diferenciado para a aquisição de bens de capital. Seria esse um substituto do REIDI para o contexto da CBS e do IBS?

A resposta é negativa, ao menos analisando a literalidade das novas previsões constitucionais. O escopo do artigo 156-A, parágrafo 5º, inciso V é mais restrito do que o REIDI, já que trata apenas da aquisição de “bens de capital”. O REIDI, por sua vez, prevê a desoneração tanto de bens quanto de serviços – adquiridos no Brasil ou importados – que sejam empregados nos projetos de infraestrutura. Esses bens e serviços estarão sujeitos à CBS e ao IBS, mas, em princípio, sem os mecanismos de desoneração previstos acima para a aquisição de serviços. Ora, basta imaginar que gastos com empresas de engenharia e de construção civil – custos consideráveis para um projeto de infraestrutura – estariam de fora da desoneração.

Infelizmente, apelos realizados durante a tramitação da PEC 45 no Congresso Nacional a esse respeito não foram atendidos. O resultado é uma solução parcial, que não substituirá efetivamente o REIDI. O risco é onerar projetos de infraestrutura, prejudicando ainda mais o desenvolvimento nacional. Cabe agora ajustar estimativas e simulações, enquanto se aguarda pela solução que será proposta pelo legislador complementar para essa problemática.

Em alguns casos, no entanto, as críticas e o descontentamento poderão dar lugar a contencioso judicial. Afinal, o REIDI possui aplicabilidade máxima de cinco anos. Logo, projetos que venham a ser habilitados em 2024 poderiam fruir dos benefícios do REIDI até 2029, assumindo que as obras se estendam por todo esse período. No entanto, de acordo com as regras de transição aprovadas, o PIS e a Cofins serão substituídos pela CBS a partir de 2027. Por via reflexa, diversos contribuintes terão seu direito de fruir de benefício fiscal – concedido por prazo certo – limitado, sem que seja fornecida uma solução equivalente. Daí a importância de a tão esperada lei complementar tratar do tema, evitando uma quebra da confiança do contribuinte no Estado.

Notícia originalmente publicada no site do JOTA, no dia 01 de janeiro de 2024 – clique aqui para ler na íntegra.