VALOR – Mercado aguarda regra definitiva sobre Fiagro

VALOR – Mercado aguarda regra definitiva sobre Fiagro

Prevista para 2024, norma levada a consulta pública vai permitir instrumento híbrido e ampliar possibilidades do produto.

Desde que foi criado, em 2021, o Fundo de Investimento em Cadeias Agroindustriais (Fiagro) caiu no gosto dos investidores. De lá para cá, foi estruturada quase uma centena de fundos, e o patrimônio total se aproxima de R$ 20 bilhões. O número tem potencial para crescer mais, considerando não apenas as possibilidades atuais, mas também a normatização do Fiagro multimercado, algo que a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) fará em 2024. A consulta pública sobre o tema foi encerrada no início de fevereiro e, na expectativa da nova regra, o mercado começa a planejar os próximos passos.

A Lei 13.130, que criou o instrumento em junho de 2021, já permitia a constituição de um Fiagro híbrido, que tenha, por exemplo, ativos imobiliários, direitos creditórios e participações em sua carteira. Para dar mais agilidade ao mercado, o regulador optou, no primeiro momento, por fazer uma regra “transitória e experimental”. Com a medida, a autarquia permitiu, ainda naquele ano, que fossem constituídos três tipos de Fiagro: imobiliário, de direitos creditórios e de participações. Cada um deles deveria seguir as regras dos respectivos fundos (FIIs, FIDCs ou FIPs).

“O mercado sempre teve esse anseio de aproveitar oportunidades. Essa flexibilidade era muito esperada. A CVM adotou uma estratégia inteligente para ver o que funcionava e propor uma regra mais assertiva”, afirma Erik Oioli, sócio do VBSO Advogados. Ainda assim, a operacionalização do produto ainda é uma dúvida de advogados e gestores que acompanham o assunto.

Na consulta pública, a CVM sugeriu que, se um terço ou mais patrimônio do Fiagro híbrido fosse enquadrado em direitos creditórios, imóveis ou participações, o produto deveria seguir a regra do respectivo fundo. Uma das dúvidas apontadas pelo mercado foi o que fazer em caso de desenquadramento passivo. Além disso, há contradições entre as regras de FIIs, FIDCs e FIPs, e os custos de cada um são diferentes. A estruturação de um fundo de direito creditório, por exemplo, é uma das mais caras.

Especialistas que acompanham o tema viram na proposta enviada pela Anbima, associação que representa o mercado de capitais e de investimentos, uma solução viável para essas questões. A entidade sugeriu a criação de uma regra específica para o Fiagro híbrido, desde que mencione isso em sua política de investimentos e cumpra itens específicos das regras de FIPs, FIDCs e FIIs em cada caso. Outras sugestões enviadas à CVM propuseram aumentar o limite de referência do patrimônio para mais de 50%, em vez de mais de um terço. Ainda não há definição pelo regulador. A edição da regra definitiva está entre as prioridades da autarquia para 2024. A norma do Fiagro será o anexo 6 da resolução 175.

“Há uma grande expectativa para este produto. O agronegócio tem uma representatividade muito grande no PIB, que ainda não vemos no mercado de capitais. O Fiagro é um investimento com benefícios fiscais para pessoas físicas, e recentemente tivemos uma grande limitação, por exemplo, nos CRA”, lembra a advogada Mariana Guenka, sócia do escritório Souto Correa.

No início de fevereiro, o Conselho Monetário Nacional (CMN) vedou a emissão de certificados de recebíveis do agronegócio e imobiliários (CRA e CRI) com lastro em títulos de dívida emitidos por companhias abertas não relacionadas diretamente a esses setores.

“Há uma situação fiscal favorável, e o novo veículo é muito aguardado pelo mercado. O Fiagro resolve questões da cadeia do agro que não estavam endereçadas nos CRAs. O fundo do agronegócio engloba a agroindústria”, afirma o advogado Celso Contin, sócio do Vieira Rezende Advogados, citando uma série de negócios que podem ser beneficiados pelo veículo, como produtos, insumos e distribuição. Dessa forma, o Fiagro multimercado, continua, pode ser uma opção de diversificação de risco do próprio agronegócio para o investidor.

Ainda na espera das novas regras, o mercado começa a se preparar para o lançamento de novos produtos, entre eles o híbrido. “Ter um Fiagro multimercado, com parte em terra, em crédito e em participações parece algo bastante interessante”, afirma o sócio e responsável pela área de crédito estruturado da Itaú Asset, Sergio Goldstein. Esse produto possibilitaria o pagamento de dividendos “de tempos em tempos”, um formato bem visto pelo investidor brasileiro. O otimismo de Goldstein, no entanto, é acompanhado de cautela. Para o especialista, o investidor elegível para o novo produto deveria ter algum nível de sofisticação, considerando que o novo Fiagro pode ter, na mesma carteira, vários riscos diferentes. Atualmente, a Itaú Asset tem um Fiagro de crédito de R$ 1,6 bilhão e também analisa estruturar um produto de terra.

Da mesma forma, a Genial Investimentos aguarda a definição da CVM. Marcelo Fenerich, responsável pelo setor de agronegócios do investment bank da empresa, acredita no crescimento da indústria de Fiagro, diante do aumento das possibilidades que o instrumento híbrido vai oferecer. “Tem muito interesse das casas pelo Fiagro multimercado. O mercado olha não só o bolso do crédito, mas também uma possível valorização dos ativos reais”, afirma. O plano mais concreto atualmente é a constituição de um Fiagro de terras, que inicialmente será da ordem de R$ 500 milhões. “Acreditamos que existe de fato um potencial enorme de valorização de terras degradadas para serem convertidas em lavoura”, completa.

Na Kijani Investimentos, gestora voltada ao agronegócio, a estratégia será esperar a maturação do Fiagro de crédito da casa, hoje com patrimônio de quase R$ 700 milhões. “Com o mercado de Fiagro mais consolidada e nossa estratégia de crédito robusta e provada, seria o momento de começar a desenhar outras estratégias”, diz o sócio e gestor de portfolio Bernard Cunha.

Notícia originalmente publicada no site do Valor Econômico, no dia 16 de fevereiro de 2024 – clique aqui para ler na íntegra.