Os Riscos de Caracterização de Consumação Prévia de Atos de Concentração Econômica e os Cuidados Necessários em Operações de M&A

São consideradas consumação prévia de atos de concentração econômica as práticas que visem à implementação de determinada operação ou à produção de seus efeitos, ainda que parcial, antes da devida apreciação e aprovação final da operação pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (“CADE”).

Nos termos da Lei nº 12.529, de 30 de novembro de 2011 (“Lei de Defesa da Concorrência”), referida infração concorrencial – também conhecida como gun jumping – pode sujeitar a operação à pena de nulidade, sem prejuízo de aplicação de multa pecuniária cujo valor varia de R$60.000,00 (sessenta mil Reais) a R$60.000.000,00 (sessenta milhões de Reais), a depender da análise do CADE quanto à gravidade da conduta, má-fé, dolo e potencial anticompetitivo da operação.

Desde a entrada em vigor da Lei de Defesa da Concorrência – a qual prevê que operações definidas como atos de concentração econômica não podem ser consumadas sem a prévia apreciação pela referida autarquia (“Atos de Concentração Econômica”) – o CADE já analisou mais de 15 supostos casos de gun jumping, tendo declarado, pela primeira vez, em 2016, a nulidade de determinado contrato celebrado no âmbito de um Ato de Concentração Econômica, em razão da ausência de notificação à autoridade antitruste antes da consumação do negócio, além da aplicação de multa às partes envolvidas no valor de R$1.500.000,00 (um milhão e quinhentos mil reais)[1].

Na prática, os riscos para as empresas envolvidas em Atos de Concentração Econômica decorrem do fato de a Lei de Defesa da Concorrência – apesar de dispor que devem ser preservadas as condições de concorrência entre as partes envolvidas na operação até que seja proferida a decisão final que a aprove – não prever um rol de atividades ou práticas que possam levar à caracterização de gun jumping.

O Regimento Interno do CADE determina que as partes envolvidas em um Ato de Concentração Econômica devem manter as estruturas físicas e as condições competitivas inalteradas até a avaliação final da operação pelo CADE, sendo vedadas (i) quaisquer transferências de ativos; (ii) qualquer tipo de influência de uma parte contratante sobre a outra, bem como (iii) a troca de informações concorrencialmente sensíveis que não seja estritamente necessária para a celebração do instrumento formal que vincule as partes. Adicionalmente, embora o CADE tenha publicado, em 2015, um guia prático para análise de gun jumping em Atos de Concentração Econômica, seu conteúdo veicula procedimentos importantes na orientação de empresas, porém não vinculantes ao CADE, sendo que, nos termos do próprio guia, a analise de infração concorrencial deve ser feita casuisticamente, segundo as particularidades do caso concreto.

Por esta razão, é extremamente importante que, na negociação e estruturação de operações de M&A, as partes estejam atentas aos limites no trato das informações concorrenciais e nas práticas que, em alguma medida, possam caracterizar antecipação dos efeitos pretendidos com a operação, de forma a minimizar o risco de verificação de gun jumping.

 

Neste sentido, deve-se evitar, por exemplo, que informações concorrencialmente sensíveis, que versem diretamente sobre o desempenho das atividades-fim das partes, sejam desnecessariamente transmitidas, tais como planos de expansão das empresas envolvidas, estratégias competitivas, precificação de produtos, salários de funcionários e informações sobre os principais fornecedores.

Outro ponto de atenção diz respeito à definição de cláusulas contratuais que regerão a relação entre os agentes econômicos até que seja concluída a análise da operação pelo CADE. Desta forma, disposições contratuais que disponham sobre a não concorrência prévia, a ingerência direta de uma parte sobre aspectos estratégicos da outra e o pagamento antecipado de contraprestação pelo objeto da operação, por exemplo, devem ser evitadas.

No entanto, não apenas as disposições contratuais devem ser objeto de atenção. Determinadas condutas praticadas pelas partes antes e durante a implementação do Ato de Concentração Econômica podem gerar maiores preocupações, tais como: transferência de ativos entre as partes; exercício de influência relevante sobre as atividades da contraparte; submissão à contraparte de decisões sobre preços, clientes, políticas comercial, entre outras; integração da força de venda entre as partes e o desenvolvimento conjunto de produtos.

Portanto, tendo em vista a ausência de definição legal e taxativa dos atos que possam ser entendidos como gun jumping, bem como a análise fática e casuística feita pelo CADE, as empresas envolvidas em Atos de Concentração Econômica devem tomar todos os cuidados necessários e certificar-se de, ao menos, observarem todos os parâmetros já divulgados pelo CADE para evitar, ainda que em boa fé e por simples descuido, a prática de “gun jumping”.

[1] Procedimento Administrativo para Apuração de Ato de Concentração nº 08700.002655/2016-11