Trademap – Criptomoedas: como você quer que o seu dinheiro seja tratado pelas corretoras? CVM ou BC vão definir

Trademap – Criptomoedas: como você quer que o seu dinheiro seja tratado pelas corretoras? CVM ou BC vão definir

Regra de segregação de patrimônio foi deixada de fora do marco legal aprovado no fim de 2022

Após anos de expectativas, o governo federal sancionou, no fim de 2022, o marco regulatório dos criptoativos. A despeito do avanço esperado com o texto, a segregação de patrimônio de corretoras e investidores acabou ficando de fora, gerando críticas de analistas do mercado e de juristas.

A expectativa é que o órgão a ser apontado pelo Executivo como o “xerife” do mercado cripto (seja ele o Banco Central ou a Comissão de Valores Mobiliários) retome as discussões, mas isso é previsto apenas para o fim deste ano ou só em 2024, conforme a agilidade dos trâmites burocráticos.

Até lá, corretoras continuarão com liberdade para usar o dinheiro depositado pelos clientes para fins diversos, como a alavancagem das operações, empréstimos ou investimentos em outros negócios.

De um lado, essa carta branca é vantajosa às empresas, que podem contar com outras fontes de renda que não apenas as taxas cobradas para as operações de venda e compra de criptos. Em tese, esse ganho poderia ser convertido aos clientes na forma de encargos menores e maior potencial de inovação.

Mas de olho nos acontecimentos recentes, como da FTX, a mistura de patrimônios dá brecha para investidores enfrentarem prejuízos em caso de falência de suas corretoras.

“Quando as operações feitas pela exchange dão certo, a empresa ganha. Quando dão errado, o investidor é quem perde”, resume Isac Costa, professor do Ibmec e sócio do Warde Advogados.

Segundo especialistas, a falta de segregação deixa o mercado mais exposto a riscos, o que é uma barreira para a entrada de grandes investidores.

Mesmo prejudicando o próprio ecossistema, contudo, muitas corretoras se posicionam contra a medida de separação de patrimônio. Para Marcelo Castro Filho, advogado sênior da Machado Meyer Advogados, a resistência se dá pela perda de um volume representativo de recursos que podem ser usados hoje para financiar melhorias da própria empresa.

“A segregação impede que a corretora use o dinheiro para criar produtos, e de certa forma isso desacelera a inovação”, pontua.

Colapso da FTX expôs riscos

Foi exatamente o que aconteceu no fim do ano passado com a FTX. A empresa não fazia a segregação patrimonial, e usou os ativos de investidores para fins que não eram explicitados ao público.

“A FTX era uma das maiores exchanges do mundo, mas quebrou porque houve essa confusão patrimonial. Os recursos dos clientes foram usados para outras finalidades, como empréstimos para empresas do mesmo setor”, pontua Henrique Lisboa, sócio do VBSO Advogados.

Quando o mercado começou a desconfiar que a empresa não tinha saldo para devolver o dinheiro de todos os clientes, investidores promoveram uma espécie de corrida bancária, o que forçou o bloqueio total do acesso em poucos dias.

No dia 11 de novembro, a empresa entrou com pedido de proteção contra falência na Justiça americana. O caso resultou na prisão do CEO, Sam Bankman-Fried, e na nomeação de um interventor para organizar a casa.

Dados preliminares apontam prejuízos na ordem de US$ 8 bilhões para cerca de 1 milhão de investidores que possuíam conta na FTX antes do colapso. Diante da magnitude do tombo, os responsáveis pela empresa são investigados por fraude.

Cabo de guerra entre corretoras de criptomoedas

A falta de regras que obriguem a segregação patrimonial das criptos também é observada em outros mercados, como no americano e na Europa. Uma das raras exceções é o Japão, que há anos já conta com leis sólidas para os ativos digitais.

Segundo especialistas, assim como no Brasil, autoridades econômicas ao redor do mundo não conseguem acompanhar a rapidez da evolução da tecnologia, o que gera lacunas nas normas ou até mesmo a falta de legislação.

Junto à incipiência do mercado cripto, é comum a pressão de corretoras para balizar as normas de acordo com os seus interesses. No caso brasileiro, a exclusão da segregação no marco legal foi resultado de um cabo de guerra entre diferentes empresas.

Durante os trâmites do texto no Congresso, o CEO da Binance – a maior corretora do mercado -, Changpeng Zhao (também conhecido por CZ), se manifestou contrário à regras de segregação.

Em uma série de postagens no Twitter, CZ chegou a falar que a medida era uma “ideia ruim”, e afirmou que há outras formas de proteção dos ativos investidos.

“A grande liquidez é um dos melhores mecanismos de defesa do consumidor. Protege contra manipulação de mercado, volatilidade e reduz liquidações”, apontou.

Questionada pela Agência TradeMap se promove a segregação de seus ativos, a Binance não deu retorno.

De outro lado, empresas brasileiras buscaram garantir a inclusão da segregação patrimonial no marco regulatório. Uma delas é a NovaDAX, uma das principais corretoras domésticas, que já se manifestou a favor da separação dos ativos.

Renata Mancini, CCO da Novadax e presidente da ABCripto, afirmou em novembro passado que a discussão sobre a separação dos recursos é fundamental para a relação entre as exchanges e os investidores.

“A segregação é algo básico para a governança das corretoras. Este compliance já está no DNA das empresas”, disse.

 

Reportagem publicada pelo Trademap em 24 de janeiro de 2023, disponível neste link: https://trademap.com.br/agencia/criptoativos/criptomoedas-como-voce-quer-que-o-seu-dinheiro-seja-tratado-pelas-corretoras-cvm-ou-bc-vao-definir