VALOR – CVM aceita discutir flexibilidade de regras atuais para ‘tokenizadoras’

VALOR – CVM aceita discutir flexibilidade de regras atuais para ‘tokenizadoras’

A Comissão de Valores Mobiliários (CVM) aceita discutir a flexibilização, ao menos temporariamente, de parte das regras de securitização de recebíveis e de financiamento coletivo (“crowdfunding”) para que as “tokenizadoras” possam manter algumas operações da chamada renda fixa digital. A modalidade foi alvo no início do mês de um ofício de orientação que considerou valor mobiliário a maior parte dos tokens emitidos.

Na securitização de recebíveis sob a forma de tokens, a autarquia pode discutir a possibilidade de dispensar a exigência de escriturador e de depositário centralizado, uma vez que a tecnologia blockchain pode responder por esse serviço. Já na regra de crowdfunding, poderia estender o limite de R$ 40 milhões de receita anual das empresas emissoras e reduzir o intervalo de 180 dias entre as captações, entre outras medidas.

Para as tokenizadoras, no entanto, nem todas as emissões do que hoje é conhecido como token de renda fixa podem ser considerados valores mobiliários, ficando sob a área de jurisdição da CVM. Isso porque alguns deles representam um adiantamento simples de recursos, que serão pagos em determinado prazo. Esses são os casos dos tokens de precatórios e de cotas de consórcio contempladas, produtos que antes da tokenização eram comprados apenas por tesourarias e investidores institucionais especializados. O primeiro é uma dívida que não cabe mais recurso e que será necessariamente paga de acordo com uma fila do setor público; o segundo, o adiantamento de uma carta de crédito que só ficará disponível no encerramento do consórcio.

“É importante olhar a tokenização sob a ótica correta e não buscar o enquadramento em estruturas tradicionais já conhecidas. Mais do que uma nova tecnologia, é um novo modelo de negócio, capaz de oferecer acesso e liquidez com ativos que não estavam disponíveis para todo o mercado e que não são valores mobiliários ou certificados de recebíveis. Estamos bastante convictos disso”, disse Vanessa Butalla, diretora jurídica do MB, controlador da maior tokenizadora do país.

As propostas foram discutidas em reunião na sexta-feira, que levou perto de três horas e contou com longa exposição do advogado Erik Oioli, sócio do VBSO, sobre o enquadramento de valor mobiliário nos tokens.

Um dos pontos polêmicos foi em relação aos chamados fluxos de pagamento, que, na visão da Associação da Criptoeconomia (Abcripto), são valores mobiliários quando forem “não performados” – aqueles que ainda vão vencer e dependem de um pagamento que não ocorreu, o que pressupõe o esforço de um terceiro.

Já nos performados, como uma duplicata que vence daqui a 30 dias, vendida a 90% de seu valor, não necessariamente houve empreendimento ou esforço de terceiro.

“Estou simplesmente comprando um ativo. É até difícil dizer que existe benefício econômico, porque o pagamento de 90% é um valor presente dos 100% do futuro. É o mesmo valor, só que trazido ao presente. O próprio fisco trata isso como ganho de capital. Não é uma remuneração”, disse Oioli.

Diante de um eventual impasse no entendimento sobre a natureza de determinados tokens de renda fixa, o caso pode ser levado para discussão do colegiado. No fim do mês, está prevista uma nova reunião com o setor.

Para Bernardo Srur, presidente-executivo da Abcripto, a CVM mostrou disposição de chegar a um entendimento equilibrado sobre a tokenização, que possibilite o desenvolvimento do setor. “A CVM entendeu os pontos levados e está disposta a fazer uma escuta ativa para participar desse mercado.”

Apesar de a orientação da CVM não ter um caráter de “stop order”, a Liqi preferiu manter a suspensão das ofertas em curso até ter mais clareza regulatória. Segundo Daniel Coquieri, CEO da Liqi, os emissores dos tokens não estão confortáveis em proceder com as operações. “Todos os clientes da Liqi são regulados. Ou é um gestor, um FIDC [Fundo de Investimento em Direito Creditório], um banco, uma empresa que acessa o mercado. Os emissores não estão confortáveis e nós também”, disse. Para Coquieri, o ideal seria criar regras próprias para o setor de ativos digitais e não adaptar o que já existe na regulação. “São várias travas que não atendem as operações de tokenização. O crowdfunding não foi feito para tecnologia blockchain”, disse.

Outro problema é que algumas tokenizadoras fazem tanto a originação quanto a distribuição dos tokens, que são temas regidos por diferentes regras e intermediários no mercado de capitais tradicional. Enquanto na originação do token o cliente é o emissor – empresa, banco, gestora de recursos -, na distribuição o cliente é o investidor final, muitas vezes, pessoa física. A tokenizadora atuaria mais na securitização e na escrituração das ofertas, enquanto a distribuição ficaria para uma DTVM digital.

Reportagem publicada originalmente no site do Valor Econômico. Clique aqui para acessar.