VALOR ECONÔMICO – Companhias recrutam C-level e diretores para trabalhar como temporário; entenda

VALOR ECONÔMICO – Companhias recrutam C-level e diretores para trabalhar como temporário; entenda

Contratação por demanda de executivos seniores para tocar projetos específicos começa a se tornar mais comum no país, especialmente nas startups.

“Um diretor jurídico para chamar de seu”. É assim que Palmarino Frizzo Neto define o serviço de diretor por demanda (“director as a service”), prática que vem sendo cada vez mais difundida no Brasil. Enquanto pequenas e médias empresas, incluindo startups, muitas vezes não têm recursos financeiros para arcar com a contratação de diretores, algumas iniciativas visam oferecer esses mesmos profissionais por tempo fracionado e valores acessíveis. Geralmente, o contratado trabalha de forma temporária e pode dividir os riscos na hora de ser remunerado. Em contrapartida, executivos com anos de experiência veem uma forma de se manterem ativos e conciliar vida pessoal e profissional.

Depois de trabalhar por mais de 30 anos em corporações e ter sido responsável pela área jurídica de grandes companhias, Frizzo começou a repensar o rumo de sua carreira e decidiu contatar Pedro Junqueira Ayres, um antigo colega de trabalho, que também tinha o desejo de ganhar autonomia em relação ao próprio tempo. Em 2020, os advogados se juntaram para criar a InHouse Legal, uma plataforma que oferece diretores jurídicos em regime de tempo parcial para negócios em expansão.
“Até então, as pequenas e médias empresas precisavam assumir o custo integral de ter um diretor jurídico sênior ou simplesmente não podiam contar com esse profissional, o que significava uma desigualdade competitiva em relação as grandes corporações”, destaca Ayres. Ele explica que a proposta da InHouse Legal é estabelecer uma relação de longo prazo com os clientes. “Nós não trabalhamos por projeto, mas sim com a estratégia da empresa. A ideia não é ser uma consultoria jurídica, mas sim fazer parte do time.”

A SolarGrid, empresa focada em energia renovável, faz parte do quadro de clientes de Frizzo e Ayres. Fábio Baldez, CEO da companhia, afirma que a quantidade de operações demandadas e o alto custo para contratar um diretor jurídico o levaram a optar pela solução há dois anos. “O diretor jurídico ‘por demanda’ tem um perfil e uma postura diferentes da de um consultor, pois na hora de defender a empresa, esse profissional realmente veste a camisa”, observa. “É alguém que não está cem por cento do tempo na organização, mas quando está, é visto como um par lá dentro”, diz Frizzo. Para ele, trabalhar nesse modelo proporciona mais diversidade de experiências. “É uma oportunidade de aumentar as relações e as competências porque a gente está em uma empresa hoje e amanhã em outra.”

Tatiana Fioratti é CEO e fundadora do Apoema Hub, plataforma que entrega capital intelectual por demanda e que
conecta executivos a projetos específicos — Foto: Silvia Zamboni/Valor

Ayres revela que existem dois desafios principais na operação. “Um é prospectar clientes, e o outro é conseguir mais profissionais que queiram integrar a nossa equipe. Nós, os diretores jurídicos que fazemos parte dessa plataforma, trocamos experiências e tiramos dúvidas uns com os outros. Então, no fim do dia, o cliente tem a vantagem de contar com um escritório com várias expertises agregadas ao serviço do profissional.”

Há quem ofereça uma solução semelhante por meio de um time de especialistas. A BHub conta com um serviço de gestão de empresas por assinatura, e entre os pacotes ofertados estão “contabilidade por demanda” e “financeiro por demanda”. Por cerca de R$ 1 mil mensais a empresa tomadora do serviço tem acesso a uma equipe que ocupa o lugar de CFO ao avaliar e estruturar os processos do negócio. “É uma solução voltada para quem está em um cenário bom mas não tem background financeiro e quer crescer, ou para aqueles que estão passando por uma situação difícil e precisam rever a estratégia”, conta Paulo Barboza, líder da área de visibilidade financeira da BHub.

Com um ano de operação e cerca de 170 funcionários, a empresa reúne profissionais das áreas contábil, financeira e jurídica para atender mais de 400 clientes. A proposta de envolver diferentes pessoas visa a escalabilidade. “O CFO é um profissional caro. É difícil uma empresa em estágio inicial ter alguém desse porte. Por isso, cada projeto aporta o conhecimento de muitos indivíduos”, diz Barboza. Um dos clientes da BHub é Felipe Santos, CEO da Fábrica de Aplicativos. “Como quase toda startup, nós não iniciamos com uma pessoa cuidando do financeiro, e acabamos identificando que tínhamos algumas deficiências na parte estratégica. Foi a solução do ‘CFO por demanda’ que resolveu esses pontos”, diz. Segundo Barboza, outras vantagens em praticar esse modelo residem na praticidade e na falta de vínculos formais. “Se o cliente não estiver satisfeito ou se as condições dele mudarem, ele pode interromper o contrato no mês seguinte. Não tem cláusula, décimo terceiro, nem pacote de doze meses.”

Tatiana Fioratti, CEO do Apoema Hub, percebe que o movimento de “diretores por demanda” é um reflexo das revoluções nas relações de trabalho. “A gente vive em um ambiente bem consolidado de ‘gig economy’. A uberização não é só de recursos móveis ou imóveis. E, no caso dos executivos, já existe um apetite grande para o compartilhamento de recursos humanos, especialmente quando esse recurso é caro”, diz Fioratti. Fioratti trabalhou por muitos anos como executiva e chegou a emprestar o seu tempo para desenvolver novos negócios. Há um ano, decidiu fundar o hub com o intuito de aportar recursos de capital intelectual – modalidade batizada de “service as a capital”, em que o conhecimento é visto como investimento. No caso, as entregas são pontuais e sob medida. Ela afirma que vê essa prática sendo institucionalizada e virando uma carreira. “Hoje, o executivo está muito aberto a ser remunerado de acordo com o resultado de crescimento daquele projeto ou empresa. É uma capacidade ociosa que passa a estar em ocupação”, pondera. Até o momento, o Apoema incluiu quatro executivos, além de mentores e conselheiros em empresas. Fioratti conta que, recentemente, um ex-diretor jurídico de grandes bancos bateu à sua porta após ouvir sobre o projeto por meio de colegas. “Ele estava no pós carreira, que é uma dor muito comum para executivos. De repente, vem a aposentadoria, ele ainda tem muito conhecimento para entregar, mas já não está mais afim do modelo em tempo integral.”

Um formato de trabalho similar ao que Fioratti propõe acontece nos Estados Unidos sob o nome de “people as a service” ou “executive as a service”. Nele, o profissional tem cem por cento da sua remuneração convertida em equity. “Hoje, todos os executivos com quem eu converso aceitam o modelo totalmente variável. É uma mentalidade de investidor: se ele ganhar, tem um lucro exponencial. Se perder, não vai machucar”, analisa.

Carlos Göthe, engenheiro com passagem pelo C-level de companhias do setor de energia, começou a planejar o fim de sua carreira em 2012. Tornou-se investidoranjo e, para estudar as startups em que apostava, decidiu prestar mentorias voluntárias a essas empresas até dezembro do ano passado, quando encerrou suas atividades como executivo. Ele, que havia sido colega de trabalho de Fioratti, foi convidado a integrar o Apoema para conectar novos negócios com possíveis investidores. “Era algo que eu já vinha fazendo, mas de forma menos organizada”, diz. Atualmente, o ex-executivo pratica um modelo de remuneração híbrido em seis startups. “Eu proponho investir R$ 10 mil no negócio, sendo R$ 5 mil em dinheiro e R$ 5 mil em horas de trabalho que a companhia usa quando e como quiser, por exemplo. Isso é bom para o cliente porque não é como se eu estivesse ganhando, fosse embora e, se a startup falir, o problema é dela. Eu estou arriscando, então, se a empresa não der certo, eu também perco”, explica.

Outro membro do Apoema Hub, mas que presta o serviço de CTO (executivo de tecnologia), é Henrique de Castro. Ele passou a ofertar o “C-level por demanda” em troca de equity depois de perceber problemas estratégicos com relação ao uso de tecnologia nos negócios de clientes que contratavam sua empresa, a fábrica de software Helpper. “Comecei a fazer esse trabalho há dois anos e uma das partes divertidas é lidar com várias organizações e assuntos diferentes”, destaca. Sua função principal é montar e auxiliar as equipes internas de tecnologia das corporações. “Há uma tendência no mercado de trocar as consultorias e assessorias para o modelo de ‘diretor por demanda’ porque esse perfil está mais acostumado a executar.”

No entanto, existem profissionais que praticam um formato “por demanda” que se assemelha a uma consultoria. É o caso de Vincent Baron, sócio-fundador da Naxentia, consultoria que atua com gestão interina. Há mais de dez anos, Baron trabalha na liderança de empresas por projetos específicos, em geral, quando o negócio está em crise, preparando-o para a venda ou trazendo novos conhecimentos aos donos. É uma solução que envolve um grupo de executivos, como presidente, diretor financeiro e diretor de operações, com tempo e escopo bem definidos. “A gente tem projetos que duram três, quatro anos, nos quais os diretores podem ser trocados. Isso porque, às vezes, o perfil da pessoa que a companhia necessitava no início não é mais o mesmo que ela precisa no meio. Então, existe essa agilidade”. Para os executivos, o crescimento na carreira também tende a ser mais veloz. “A pessoa pode começar como diretor financeiro e, se for bem, entrar como CEO no próximo projeto. Isso, em uma empresa comum, demoraria anos para acontecer”, compara.

Ele conta que o modelo é formatado como consultoria ou gestão compartilhada, embora os profissionais que a Naxentia indique sejam executivos e não consultores. “É como se você tivesse a caneta, mas sem tinta. A pessoa bota a mão na massa, mas precisa do aval dos sócios, além de fazer um meio de campo de convencimento com eles.” Em relação ao salário, Baron explica que a remuneração tende a ser mais agressiva e variável, justamente para alinhar os interesses do cliente com os dos executivos. “O profissional ganha um valor 10% ou 15% menor do que ele ganharia no mercado. Em compensação, se ele tiver sucesso no projeto, esse número pode acabar dobrando. Se não der certo, ele recebe um pouco menos, mas acumula experiência”, avalia.

Embora existam empresas que forneçam esse tipo de mão de obra, o profissional que atua como “diretor por demanda” é, muitas vezes, contratado como pessoa jurídica. Mas essa prática pode esbarrar em questões do direito trabalhista. “É preciso verificar se a pessoa que presta o serviço usa a ‘roupa de empregado’ e, se assim for, automaticamente se configura uma relação de emprego”, esclarece Gustavo Jonasson de Conti Medeiros, sócio da Iokoi Advogados. Ele explica que tal vínculo é determinado por quatro elementos clássicos: pagamento de salário, pessoalidade – ou seja, é importante que a pessoa que preste o serviço seja especificamente aquela por deter uma expertise requisitada -, frequência e subordinação jurídica. “Quando, por exemplo, o contratante não aceita que o profissional justifique suas ausências ou exige que ele trabalhe trajado de determinada forma”, pontua Medeiros. “No Brasil, diferentemente de outros países, não se vê o meio-termo. Ou você é empregado, ou não é. E, se for, a empresa que contrata o profissional pode ter que pagar verbas trabalhistas comuns, que certamente não estavam contempladas no arranjo inicial”, alerta o advogado.

Reportagem publicada pelo Valo Econômico em 27 de Outubro de 2022, disponível neste link: https://valor.globo.com/carreira/noticia/2022/10/27/companhias-contratam-executivos-por-demanda.ghtml