VALOR ECONÔMICO – Empréstimo de criptomoedas chega ao Brasil

VALOR ECONÔMICO – Empréstimo de criptomoedas chega ao Brasil

Nesse serviço, investidor cede ativo para startups usarem como capital em suas operações.

A corretora brasileira de criptomoedas Coinext vai começar a oferecer no país um serviço que vai permitir aos detentores de moedas digitais cedê-las, em troca de uma remuneração, a startups de finanças descentralizadas (DeFi) para uso como capital em suas operações. Praticado no exterior, o chamado “crypto lending”, ou  empréstimo de criptomoedas, ainda é inédito no Brasil. O serviço é usado por quem busca uma remuneração sobre as moedas digitais para além do sobe e desce das cotações. Os detentores desses ativos cedem as moedas para financiar outras operações, como adiantamento de pagamentos, funding para giro de empresas e outros negócios financeiros que possam envolver as moedas digitais. A inovação vem em um momento no qual exchanges de criptomoedas lançam suas opções para fazer “staking”, um produto cripto que lembra renda fixa para investidores. A Coinext pretende trazer tanto o “staking” como os empréstimos para o país.

José Artur Ribeiro, CEO da Coinext, diz que pretende oferecer opções para que as pessoas recebam um rendimento percentual em cripto ao mesmo tempo em que ajudam o mercado a se desenvolver por meio da maior disponibilidade de recursos. “O mercado cresce muito e precisa de detentores de cripto colocando dinheiro nesse tipo de ambiente para termos, assim como temos os pools de staking para viabilizar as transações em ethereum, também os pools de liquidez para permitir que as redes consigam fazer transações entre partes”, afirma. No lançamento, o usuário poderá depositar para pools de liquidez as três seguintes criptomoedas: bitcoin (BTC), ethereum (ETH) e a stablecoin pareada ao dólar Tether (USDT).

A operação envolve riscos e deve ser feita com cuidado, especialmente por investidores iniciantes. O “crypto lending” ganhou notoriedade durante o “inverno cripto” – período de baixa das cotações das moedas digitais – por conta da quebra de empresas como a Celsius e Voyager, que captavam depósitos em criptomoedas para emprestá-las a outros clientes. Com a desvalorização das moedas digitais, houve descasamento entre ativos e passivos e as duas tiveram dificuldade para honrar compromissos.

Funciona assim: o empréstimo de criptoativos geralmente ocorre com alguém depositando suas moedas digitais nos chamados “pools de liquidez”, segundo Isac Honorato, CEO do ecossistema de mercado cripto Timeslab. O investidor trava suas criptomoedas nesses conjuntos de fundos depositados em contratos inteligentes (“smart contracts”) para que as transações em um determinado protocolo ou aplicação ocorram de maneira mais eficiente, já que há mais dinheiro disponível. Isso permite que não haja descasamento de preços nas transações ou dificuldade para um vendedor encontrar quem compre seus tokens. Pela lógica, quanto mais criptomoedas houver em um pool de liquidez, mais confiável se torna o ecossistema de DeFi que o utiliza. Por isso, quem depende dessa liquidez costuma remunerar o credor com um percentual (“yield”) na própria criptomoeda travada. “Na essência, é o processo de travar a criptomoeda e a empresa fará o necessário para lhe pagar uma rentabilidade contratada”, afirma Honorato.

Erik Oioli, sócio do VBSO Advogados, afirma que a operação é legal e não há nada no arcabouço regulatório brasileiro que possa servir de entrave à atividade, desde que não seja estruturada de modo que possa ser confundida com um valor mobiliário. “Não há uma vedação a ser feita, mas existem cuidados para que isso não seja considerado valor mobiliário. Oferta pública irregular é um ilícito penal”, diz. “Se compro um criptoativo, deixo em um pool e é esse token que vai ser remunerado pelo pool, não há problema. Se não estou deixando meu ativo para ser remunerado e sim estou comprando um ativo novo que me remunera, aí sim a operação pode ser considerada irregular.”

De acordo com Ribeiro, da Coinext, a estrutura trazida pela exchange não terá nada a ver com o que deu errado no caso da Celsius nos EUA, pois não irá emprestar dinheiro diretamente em troca de criptomoedas, mas apenas permitir que seus clientes tenham acesso facilitado aos pools de liquidez. “A Celsius era uma empresa de empréstimo que tomava como garantia bitcoin. Em determinado momento, ela tinha muito mais emprestado do que sob custódia, então, quando o BTC caiu, ela não suportou, porque o colateral não foi o bastante”, diz. “Nossa solução é permitir ao cliente deixar sua criptomoeda em uma plataforma DeFi à própria escolha. Tem o risco de mercado como qualquer aplicação em criptomoedas, mas é bem diferente de assumir bitcoin em colateral para dar empréstimos.”

Honorato, da Timeslab, avalia que o empréstimo de criptomoedas é uma das “maneiras mais rentáveis de manter seu capital ativo”. No entanto, ele alerta que o investidor deve ficar muito atento ao protocolo e ao projeto para o qual está provendo liquidez, pois há um risco de mercado ligado à insolvência mesmo com todas as regras presentes no contrato. “É importante escolher bons projetos para dar liquidez. Há projetos que te prometem 400%, até 500% de rentabilidade, mas o risco deles é bem maior.”

Para o especialista, a melhor forma de participar de um pool de liquidez é fazer isso diretamente, por meio de uma carteira digital de criptomoedas não conectada à internet (“hardwallet”). Porém, ele reconhece que o processo nesse caso depende de muito conhecimento e não é tão acessível ao investidor iniciante. Na visão de Ribeiro, da Coinext, um ponto a destacar é que não é possível chamar esses novos instrumentos de valores mobiliários de renda fixa porque a remuneração deles depende da oferta e da demanda por liquidez. “Se tem muita oferta de bitcoin, a remuneração é menor e, se não tem a remuneração, é maior”, afirma.

Reportagem publicada pelo Valo Econômico em 31 de Outubro de 2022, disponível neste link: https://valor.globo.com/financas/criptomoedas/noticia/2022/10/31/emprestimo-de-criptomoedas-chega-ao-brasil.ghtml