VALOR ECONÔMICO – Plataforma ‘cripto’ precisará ter licença de balcão ou bolsa da CVM

VALOR ECONÔMICO – Plataforma ‘cripto’ precisará ter licença de balcão ou bolsa da CVM

Decreto presidencial nomeou o Banco Central como regulador, mas competência sobre valor mobiliário segue com CVM

Além de autorização do Banco Central (BC), apontado em decreto ontem como regulador do setor, todas as plataformas de criptomoedas, nacionais ou estrangeiras, terão de obter uma segunda licença da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) para operar como balcão organizado ou bolsa de valores. Esse status praticamente só a B3 tem hoje no país. Isso será necessário para que possam continuar negociando de forma regular os mais variados tokens de criptoativos no mercado secundário, como já fazem atualmente.

No mundo dos criptoativos, as atividades de corretora e de bolsa de valores se confundem, tanto que as plataformas se autodenominam “exchanges”. No segmento regulado das finanças tradicionais, são negócios apartados com regras próprias para dirimir conflitos de interesse, promover transparência na formação de preços e impedir manipulações.

Para operar de forma regular, as plataformas de criptoativos deverão ter autorização para atuar como prestadoras de serviços de ativos virtuais – as chamadas Vasps – do Banco Central. A licença do BC diz respeito à intermediação de recursos entre clientes, corretora e as infraestruturas de mercado, mas não às negociações entre as partes (comprador e vendedor) em si quando se trata de um valor mobiliário. No Brasil, isso é competência da CVM e ocorre em ambientes controlados e regulados.

Segundo a CVM, as negociações do mercado secundário que envolvam tokens caracterizados como valores mobiliários “devem ser promovidas por entidades administradoras de mercados organizados autorizadas”, não sendo possível “qualquer aproveitamento da autorização de funcionamento a ser eventualmente obtida” por meio da nova lei de ativos digitais. No Brasil, além da B3 apenas a BBCE (Balcão Brasileiro de Comercialização de Energia) e a CSD têm esse tipo de autorização.

A exceção mais pacificada hoje diz respeito ao bitcoin, token já entendido pela maioria dos reguladores internacionais como não sendo um valor mobiliário e sim uma reserva de valor. Há dúvidas se o ether, moeda nativa da rede Ethereum e segunda maior das criptomoedas, seria um valor mobiliário após permitir aos “tokenistas” obterem um rendimento por participar dos trabalhos de autenticação das transações.

Na semana passada, a SEC (CVM dos EUA) apontou uma série de tokens como sendo valores mobiliários, sujeito às regras do mercado de capitais e que devem ser negociados em ambiente de bolsa ou balcão. A lista incluiu os tokens das redes Polygon, Solana, Cardano, Algorand, Axie Infinity, CHZ/Socios.com, Sandbox, entre outros.

Segundo Erik Oioli, sócio do VBSO Advogados, há reservas de competência para negociação de valores mobiliários. “A própria lei da CVM diz que valores mobiliários só podem ser negociados em mercados regulamentados: bolsa, balcão organizado e não organizado, que dependem de autorização. Da mesma forma, a B3 tem licença da CVM para operar como bolsa e do BC para sistema de liquidação e compensação”, disse.

“Uma coisa é a autorização e o registro da prestadora de serviço, da exchange, e outra é o produto em si que vai ser listado. Isso sempre foi competência da CVM e a regra se aplica independentemente da formatação, se digital ou não”, disse Nicole Dyskant, especialista de compliance de ativos digitais da Dyskant Advogados.

Para Alexandre Rangel, ex-diretor da CVM, o debate vai se concentrar na natureza específica de cada token digital, como já ocorre nos EUA e outros locais. “Tem que lembrar da discussão enorme sobre tokens versus valores mobiliários. Todos são? Apenas alguns? Quais as características?”

A rigor, segundo Rangel, não há nenhuma plataforma autorizada a negociar ativos digitais no Brasil. “Todas elas, incluindo a B3, terão que pedir autorização. O decreto abre as portas para todo mundo que esteja interessado em se habilitar junto ao Banco Central, que será o regulador específico da infraestrutura desse mercado”, disse.

Apesar da semelhança com a discussão nos EUA, os especialistas brasileiros consideram diferente a postura da CVM em relação aos ativos digitais. Aqui, a autarquia chamou as principais tokenizadoras para discutir como viabilizar as negociações dos tokens de renda fixa digital dentro das regras atuais, sem impor nenhum tipo de “stop order” para o que vinham fazendo.

“Embora o embasamento jurídico possa ser semelhante, a política que vem sendo adotada pela CVM não parece ser a mesma da SEC. Não parece ser o mesmo caminho”, disse Dyskant.

 

Notícia publicada originalmente na plataforma do Valor Econômico. Clique aqui para acessar