Valor Econômico – SPE vê êxito em captação com notas comerciais e “comemora”

Valor Econômico – SPE vê êxito em captação com notas comerciais e “comemora”

Instrumento obteve R$ 5,16 bilhões só em fevereiro e é apontado como uma das medidas de fortalecimento do mercado de capitais

Praticamente inexistentes no mercado até pouco tempo atrás, as notas comerciais captaram R$ 5,16 bilhões só em fevereiro passado, segundo dados da Associação Brasileira das Entidades dos Mercado Financeiro e de Capitais (Ambima). O desempenho é comemorado pelo governo federal, que vê nisso um exemplo do trabalho silencioso que tem fortalecido os mercados de capital e de crédito.

“É uma agenda estrutural de médio e longo prazos”, disse ao Valor o secretário de Política Econômica do Ministério da Economia, Pedro Calhman, em sua primeira entrevista exclusiva desde que assumiu o cargo, em 24 de fevereiro. “Esse mercado vem crescendo, é uma tendência.”

As novas notas comerciais foram criadas em agosto de 2021 como alternativa de financiamento às empresas, principalmente de menor porte. Até então, o instrumento disponível para esse público eram as notas promissórias, que possuem regulação antiquada e envolvem custos razoáveis de emissão. As notas comerciais são escriturais, digitais e possuem legislação mais “leve”, diz Calhman.

Ele destaca os recordes em ofertas iniciais de ações (IPOs), de R$ 63,3 bilhões, e emissão de debêntures de infraestrutura em 2021. Dados da Anbima mostram que no ano foram emitidos, por meio de 11 instrumentos, mais de R$ 609 bilhões no mercado de capitais. O recorde anterior foi em 2019, quando as emissões somaram quase R$ 430 bilhões.

Espera-se um desempenho forte também para este ano, embora a guerra entre Rússia e Ucrânia tragam incerteza ao cenário, diz.

No médio e longo prazos, o atual ciclo de alta da Selic pouco interfere na trajetória de fortalecimento, segundo ele. Os recordes no mercado de capitais vistos em 2021 foram alcançados quando os juros já estavam em elevação.

O secretário observa que, paralelamente à migração de recursos para a renda fixa – que se tornou mais atraente com a Selic mais alta -, houve também melhora na percepção dos agentes de mercado em relação à política fiscal. “Está ficando mais claro que há um aumento da arrecadação que, em parte, é estrutural”, diz. O aumento da confiança na economia ajuda a reduzir os juros no longo prazo, movimento que beneficia o mercado de capitais, segundo ele.

Antecessor de Calhman na Secretaria de Política Econômica (SPE), o chefe da Assessoria Especial de Assuntos Estratégicos do Ministério da Economia, Adolfo Sachsida, tem repetido nas últimas semanas que “reformas microeconômicas importam”.

A agenda de desenvolvimento dos mercados de crédito e de capitais começou há alguns anos, com medidas destinadas a facilitar o financiamento às empresas menores. Foram iniciativas para reduzir custos, como troca de livros empresariais por registros eletrônicos.

Em seguida vieram medidas de modernização de mecanismos existentes. Por exemplo, o voto plural, que permite a empresas emitir ações e manter o fundador no comando da companhia. A reformulação das notas comerciais faz parte desse conjunto.

Outro item desse bloco, ainda em análise no Senado, é a reformulação das debêntures de infraestrutura para atrair investidores institucionais. Hoje, pessoas físicas são as principais detentoras desses papéis, pois têm isenção do Imposto de Renda sobre os ganhos.

A nova legislação sobre câmbio também faz parte desse grupo. A lei que facilita operações com o exterior já está aprovada. Falta a regulamentação, cuja elaboração é coordenada pelo Banco Central. Propostas deverão ser colocadas em audiência pública nos próximos meses.

O próprio mercado especializado teve dificuldade de acompanhar as mudanças ocorridas nos últimos dois anos, segundo o advogado José Alves, sócio do escritório Vaz Buranello Shingaki & Oioli (VBSO), cujos integrantes têm participado de discussões com o governo na Iniciativa do Mercado de Capitais (IMK). Tem sido um trabalho silencioso, mas importante. “Trocamos todo o encanamento do mercado”, compara.

Alves acredita que o uso de notas comerciais está abaixo de seu potencial e que o instrumento continuará em alta neste ano.

O governo está às voltas agora com um terceiro bloco de medidas. São iniciativas lançadas em novembro e que ainda dependem de aprovação pelo Congresso. Na semana passada, Calhman e a secretária especial de Produtividade e Competitividade, Daniella Marques, reuniram-se com a Frente Parlamentar do Empreendedorismo para tentar destravar a votação de dois projetos: o que reformula o sistema de garantias e o que cria o Sistema Eletrônico de Registro Público (Serp), interligando os cartórios de todo o país.

O novo marco de garantias vai permitir que um bem possa ter seu valor fracionado para ser colateral em várias operações, e não apenas uma, como é hoje. O Serp pretende catapultar o uso de garantias móveis em operações de crédito. Com ele, bastará uma consulta para saber se um recebível de empresa, por exemplo, já foi ou não usado como garantia em uma operação.

Também faz parte desse bloco o novo marco da securitização. Créditos securitizados, por meio dos quais as empresas se financiam com a venda de seus recebíveis, são a forma de financiamento que mais cresceu nos últimos 12 meses, destaca o secretário. Em janeiro, o estoque tinha crescido 50% ante o mesmo mês de 2021. O novo marco consolida a legislação para emissão de créditos securitizados e permite que os papéis sejam lançados por outros setores. Hoje, o instrumento se concentra nas áreas imobiliária e agrícola.

A proposta também cria as Letras de Risco de Seguro (LRS), por meio da qual seguradoras poderão pulverizar seu risco no mercado, não ficando mais dependentes apenas das resseguradoras. A intenção é baixar o preço dos seguros, inclusive os de saúde e de previdência complementar. Segundo Alves, a proposta reflete o “estado da arte” no tema, com os instrumentos mais modernos que há no mercado internacional.

A área técnica do Ministério da Economia tem pronta uma proposta para isentar do Imposto de Renda os investidores estrangeiros que aplicarem no mercado de capitais, como já ocorre no mercado de ações e com títulos públicos. A ideia é criar isonomia entre investimentos. A medida está em análise no Palácio do Planalto. Com o período eleitoral, existe um cuidado extra da área jurídica, diz Daniella Marques.

 

Reportagem publicada pelo Valor Econômico em 11 de abril de 2022, disponível neste link https://valor.globo.com/brasil/noticia/2022/04/11/spe-ve-exito-em-captacao-com-notas-comerciais-e-comemora.ghtml