Valor Econômico: TRF adota julgamento ampliado em caso da Gerdau sobre ágio interno

Valor Econômico: TRF adota julgamento ampliado em caso da Gerdau sobre ágio interno

Como não houve unanimidade na 2a Turma, novos julgadores analisarão a questão

A discussão sobre a autuação fiscal sofrida pela Gerdau Aços Especiais no valor de R$ 367 milhões, que trata de ágio interno, ganhou um novo capítulo no Tribunal Regional Federal (TRF) da 4a Região, com sede em Porto Alegre. Como não houve unanimidade em julgamento na 2a Turma, mais dois desembargadores foram convocados para analisar a questão, como prevê o Código de Processo Civil (CPC).

O julgamento ampliado já foi pautado. Será uma sessão virtual, prevista para terminar no dia 17 de dezembro, de acordo com o andamento processual. Os desembargadores analisarão ágio supostamente gerado a partir de reorganização societária realizada pelo Grupo Gerdau entre 2004 e 2005.

O caso começou a ser julgado no TRF, em sessão telepresencial, no dia 29 de setembro. A empresa teve dois votos favoráveis à anulação do auto de infração na 2a Turma. Caso tivesse mais um voto, venceria a disputa. Contudo, o desembargador Rômulo Pizzolatti, que havia pedido vista, apresentou seu voto no dia 17 de novembro, a favor da Fazenda Nacional.

Para Pizzolatti, as operações realizadas não poderiam ser consideradas reais porque não houve dispêndio de dinheiro. O mesmo entendimento, acrescentou, foi adotado pelo Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) anteriormente.

A determinação de julgamentos ampliados está no artigo 942 do Código de Processo Civil (CPC). No caso da Gerdau, o julgamento terá a participação de dois desembargadores da 1a Turma, convocados pelo presidente da 2a Turma, observadas as regras de antiguidade e alternância, conforme o artigo 110 do Regimento Interno do TRF, segundo o advogado Vinícius Vicentin Caccavali, do VBSO Advogados.

O caso desperta atenção porque, além de ser emblemático sobre o tema, poderia ser o primeiro resultado favorável no TRF da 4a Região sobre ágio interno – dentro do mesmo grupo econômico.

O ágio consiste em um valor pago, em geral, pela rentabilidade futura de uma empresa adquirida ou incorporada. Pode ser registrado como despesa no balanço e amortizado para reduzir o Imposto de Renda e CSLL a pagar. Contudo, a Receita Federal autua o contribuinte quando interpreta que uma operação entre empresas foi realizada apenas para reduzir tributos.

No caso da Gerdau, a amortização do chamado ágio interno foi feita no período de setembro de 2005 a junho de 2010, depois de aporte de capital social ocorrido em uma sequência de operações de reorganização societária, iniciada em 2004.

A Gerdau Aços Especiais levou o embate à Justiça após perder na Câmara Superior do Carf, em 2016, por voto de qualidade – desempate pelo representante da Fazenda. Em 2018, obteve sentença favorável na 16a Vara Federal de Porto Alegre.

No TRF, o voto do relator, juiz federal convocado Alexandre Rossato da Silva Ávila, foi favorável à companhia. Destacou que a Lei n° 12.973, de 2014, que vedou o ágio interno, é posterior à operação. “Ocorre que, quando os referidos ágios foram registrados pelos contribuintes, nem a contabilidade nem o direito proibiam o seu registro”, disse.

O entendimento do relator foi seguido pela desembargadora Maria de Fátima Freitas Labarrére. Em seguida, porém, o desembargador Rômulo Pizzolatti divergiu do relator (processo no 5058075-42.2017.4.04.7100).

O desembargador citou voto da atual presidente do Carf, conselheira Adriana Gomes Rêgo, que relatou o caso, no julgamento realizado pela Câmara Superior. Ela afirmou que o aproveitamento do ágio pelas integrantes do Grupo Gerdau, em decorrência de sucessivas e encadeadas operações entre elas mesmas, só poderia fazer sentido se correspondesse a um efetivo dispêndio de recursos, o que nunca teria existido.

De acordo com o advogado Diego Miguita, sócio do VBSO Advogados, o voto do desembargador Pizzolatti foi curioso no sentido de ressaltar que a operação está sendo investigada pela Operação Zelotes, “como se isso por si só já indicasse anormalidades”. Ele acrescenta que a legislação tributária nunca se prendeu no argumento de que teria que haver pagamento em espécie para analisar se houve ganho de capital.

“O contribuinte pode até chegar a pagar tributos, mesmo não tendo recursos financeiros envolvidos”, diz. Para o advogado, o voto dos dois desembargadores anteriores estão mais coerentes com a legislação tributária vigente na época.

O advogado Matheus Bueno de Oliveira, sócio do Bueno & Castro Tax Lawyers, também concorda. Para ele, o voto do desembargador Pizzolatti regrediu sobre a discussão que vinha evoluindo desde a sentença judicial, no sentido de analisar a legalidade da operação com base na legislação da época.

Não havia, segundo ele, a exigência de pagamento em dinheiro e a operação societária de integralização do capital é, por si só, uma operação onerosa. “O mercado todo está ansioso para saber o desfecho desse caso emblemático”, diz.

Além da Gerdau Aços Especiais, a Gerdau Aços Longos e a Gerdau Açominas foram autuadas pela mesma operação. Pelo menos quatro cobranças foram mantidas pela Câmara Superior em 2016. A Gerdau Aços Longos já teve sentença favorável na 11a Vara Federal de Execução Fiscal do Rio de Janeiro para anular dois autos de infração (processo no 0143649-58.2017.4.02.5101).

O valor das autuações chega a R$ 5 bilhões, segundo o Formulário de Referência da Gerdau de 2017. Parte das decisões obtidas no Carf nesses processos chegaram a ser incluídos na Operação Zelotes e estão sendo investigados para apurar supostos atos ilícitos. Para a empresa, foram operações regulares, que geraram ágio em razão de cisão da Gerdau Açominas.

Em nota, o Grupo Gerdau afirma que “aguarda, com o respeito de sempre, o pronunciamento final do Tribunal Regional Federal da 4a Região”. A Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) não deu retorno até o fechamento da edição.

Reportagem publicada no Valor Econômico de 30 de novembro de 2020, disponível neste link: https://valor.globo.com/legislacao/noticia/2020/11/30/trf-adota-julgamento-ampliado-em-caso-da-gerdau-sobre-agio-interno.ghtml