Valor Econômico – Tributação sobre dividendos deve voltar à cena

Valor Econômico – Tributação sobre dividendos deve voltar à cena

Impacto sobre o mercado de capitais dependeria do conjunto da reforma tributária

A situação fiscal do país deverá recolocar a tributação de dividendos na pauta de discussões do novo governo, acreditam advogados tributaristas e profissionais do mercado de capitais. A proposta de tributar a distribuição de lucros não gera necessariamente reações negativas, a depender da configuração adotada pelo governo. Já o fim da dedutibilidade dos Juros sobre Capital Próprio (JCP), que são outra forma de remunerar os acionistas, atrai bastante críticas.

O advogado Alamy Candido, sócio do Candido Martins Advogados, considera que a discussão deverá voltar, e que um ponto de partida poderia ser o Projeto de Lei 2.337/21 (PL 2.337/21), elaborado pelo Executivo. Em 2021, a Câmara dos Deputados aprovou o PL, que extinguia a possibilidade de as empresas deduzirem os pagamentos de JCP do imposto a pagar e incluía a tributação de 15% dos dividendos. Mas o projeto ainda não foi votado pelo Senado Federal. A sua retomada seria a forma mais rápida de fazer o assunto andar, diz Candido, embora considere que dificilmente o novo governo se utilizaria de uma proposta do atual governo. Mas o projeto poderá servir de base para alguma outra proposta similar.

Na prática, o PL acabava com a viabilidade do JCP. Atualmente, para as empresas optantes pelo lucro real, os pagamentos de JCP são considerados despesas financeiras e por isso podem ser deduzidos do imposto a pagar. A distribuição do lucro pelo JCP gera uma economia de 19% para as empresas, em relação à distribuição via dividendos, explica o advogado Paulo Vaz, sócio do VBSO Advogados. O PL 2.337/21 acabava com a dedução – inviabilizando a sua utilização.

Um dos efeitos, acredita Vaz, seria a descapitalização das empresas, que repensariam as suas estruturas de capital e seriam incentivadas a se financiar por terceiros. Isso porque os gastos das empresas com financiamento bancário são dedutíveis do imposto a pagar.Se os JCP não pudessem mais ser deduzidos, seria mais vantajoso para buscar financiamentos do que usar capital próprio para operar. Werner Roger, sócio da Trígono Capital, considera que o fim dos JCP seria “um tiro no pé” porque desestimularia o mercado de capitais e o próprio crescimento do país.

Já a tributação de dividendos pode não atrair tantas críticas, a depender das medidas. Para Adriano Thiago, sócio da Tenax Capital, o impacto depende da calibragem da reforma tributária, ou seja, de quanto seria a alíquota dos dividendos e dos impostos incidentes sobre as empresas. Num cenário semelhante ao do PL aprovado (que previa também a redução de 8 pontos percentuais no Imposto de Renda da Pessoa Jurídica e de 1 ponto na Contribuição Social Sobre o Lucro Líquido), seriam beneficiadas as companhias que crescem muito, reinvestem no próprio negócio e pagam poucos proventos, e prejudicadas as que estão na situação oposta (como dos setores de utilities, telecomunicações e bancos). Outro ponto é a atratividade dos demais investimentos: “Se os dividendos forem tributados, mas outros investimentos que pagam proventos, como fundos imobiliários e de infraestrutura continuarem isentos, a atratividade das ações vai cair”, afirma.

Roger considera que a alíquota dos dividendos faz toda a diferença, e que não poderia ser superior a 15%: “Qualquer coisa acima disso jogaria contra o mercado de capitais e a própria economia.” Ele lembra também que as empresas têm mecanismos para se adaptar às situações, como a possibilidade de anteciparam a distribuição dos proventos e de fazerem recompras de ações para devolver o dinheiro aos acionistas. Neste caso, as empresas recompram papeis em circulação e os cancelam. Como a quantidade de ações é reduzida, mas o montante de dividendo distribuído se mantém, o investidor que permaneceu com as ações recebe mais dividendos por ação. Um resultado negativo dessa prática, lembra o diretor, é a redução da liquidez das ações. Outra forma de as empresas retornarem recursos aos seus acionistas, evitando a tributação, é a redução do capital social, que é isenta de imposto. Como a distribuição de JCP depende do montante do capital, quando não é mais possível deduzir os JCPs do imposto a pagar, a empresa pode operar com um capital menor – e, ao reduzi-lo, o dinheiro volta para o acionista.

Reportagem publicada pelo Valor Econômico em 15 de dezembro de 2022, disponível neste link: https://valor.globo.com/publicacoes/suplementos/noticia/2022/12/15/tributacao-sobre-dividendos-deve-voltar-a-cena.ghtml