VALOR INVESTE – O que muda no mercado cripto com o novo parecer da CVM?

VALOR INVESTE – O que muda no mercado cripto com o novo parecer da CVM?

Para especialistas da área jurídica, a autarquia reforçou conceitos já consolidados no mercado de capitais, como a transparência nas informações ao investidor, consolidou normas e mecanismos para emissões e ofertas e manteve-se aberta a discutir e acompanhar a evolução constante do ecossistema de criptos.

Amplamente aguardado, notadamente, pelos agentes regulados, o Parecer de Orientação 40, publicado pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM) na noite de terça-feira (11), é um compilado de orientações sobre investimentos em criptoativos, a partir de entendimentos anteriores e novos esclarecimentos sobre conceitos, práticas e eventuais normas aplicáveis ao segmento.

O documento da autarquia não é uma regulamentação, uma vez que depende da aprovação do projeto de lei 4.401/21, conhecido como marco das criptomoedas, que está na pauta de votação do plenário da Câmara dos Deputados.

O parecer é muito importante pelo que diz, pelo que não diz e especialmente pelo que sinaliza”, observa Pablo Cerdeira, sócio do Galdino & Coelho Advogados. “Em primeiro lugar, a CVM sempre disse que publicaria um parecer de orientação e não um ato normativo. Então, quem esperava mais do que um parecer estava com suas expectativas desalinhadas.”

Ele reforça que “a CVM com certeza trará normativas, mas depois de aprovada uma lei para o tema”.

Cerdeira destaca que o documento é muito relevante para deixar claro que alguns entendimentos e normativos anteriores da CVM se aplicam também aos criptoativos. “Esclareceu, por exemplo, a questão das ofertas internacionais e o conceito de oferta pública, mesmo que realizada em ambiente fechado, que já existia em atos dispersos e sua aplicação ou não para os criptoativos ficava sujeita a algumas interpretações.”

Para Cerdeira, “também é importante pelo que não diz expressamente, mas que está lá”. “Um exemplo é o alinhamento da pauta com o Banco Central, que já vem ativamente falando sobre criptomoedas, criptoativos e tokenização”, aponta. “Com o parecer, a CVM se coloca no centro do debate, em pauta alinhada com a do Banco Central, ainda que cada um dos órgãos, respondendo por suas áreas de competência.”

Nesse contexto, Cerdeira destaca ainda que o parecer “sinaliza uma postura de abertura da CVM para o diálogo. “A CVM sabe que o tema é novo, que muitos entendimentos ainda precisarão evoluir e praticamente convida os atores do mercado a ajudar nesse processo. Essa é uma postura muito importante do órgão regulador, que mostra um caminho de construção conjunta muito mais do que de simples regulação pela regulação.”

Vinícius Matarazzo, advogado do Bichara Advogados, aponta ainda o posicionamento da CVM em relação à transparência das informações prestadas aos investidores, “princípio que deve reger toda negociação que atraia sua competência”. “É importante a conscientização de que medidas como o Parecer são bem-vindas ao mercado de criptoativos, pois auxiliam na proteção dos agentes envolvidos e das atividades desenvolvidas, através da maior visibilidade e segurança jurídica proporcionada.”

Em nota, a equipe de Mercado de Capitais e Direito Digital do VBSO Advogados, também destaca que o parecer esclarece, de forma sucinta, o papel dos intermediários nas ofertas de ativos digitais que sejam valor mobiliário ou não, focando no disclosure, isto é, na divulgação de informações sobre um produto capazes de influenciar a tomada de decisões de potenciais investidores.

Para Matarazzo, o parecer aponta ainda para a necessidade do cumprimento da regulação já vigente do mercado de capitais, “com objetivo de fomentar o avanço do mercado de criptoativos, de forma alternativa e complementar à já existente atuação consistente da CVM em suspender ofertas públicas irregulares, instaurar processos administrativos sancionadores, entre outras medidas cabíveis dentro do seu mandato legal de desenvolvimento do mercado e proteção dos investidores”.

“Para o futuro, espera-se significativo aprofundamento nos estudos e desenvolvimento de regulamentações cada vez mais atualizadas com as práticas do mercado de criptoativos, especialmente em razão dos inovadores casos que continuarão surgindo”, conclui.

Tokenização de ativos

Entre os pontos específicos abordados no parecer, Rodrigo Caldas de Carvalho Borges, advogado especialista em blockchain, sócio do Carvalho Borges Araújo Advogadosa CVM reiterou que a tokenização em si não está sujeita a registro ou aprovação pela autarquia para ser colocada a mercado, mas apenas quando o criptoativo em questão possuir natureza de valor mobiliário.

Não havendo vedação expressa em lei para oferta de ativos digitais sem natureza de valor mobiliário, em tese, a oferta é livre”, explica, “razão pela qual temos diversas empresas e produtos em operação de forma regular no país, oferecendo ativos digitais de quotas de consórcios, crédito carbono e tokens de clubes de futebol”.

Borges também reforça que a CVM manteve sua postura colaborativa com o mercado e destacou a importância do sandbox regulatório para eventual alteração regulatória e de interpretação, destacando os projetos aprovados que tratam da oferta de valores mobiliários tokenizados.

Em outro ponto, ele pontua que apesar de parte do mercado aguardar que a CVM alterasse seu entendimento quanto à possibilidade de investimento direto por fundos de investimento em criptoativos, não houve alteração do entendimento. “A CVM reiterou sua posição manifestada no passado, ressaltando a necessidade de estudo mais aprofundado e maior interação com o mercado para adequada evolução de seu entendimento.”

Reportagem publicada pelo VALOR INVESTE em 13 de Outubro de 2022, disponível neste link: https://valorinveste.globo.com/mercados/cripto/noticia/2022/10/13/o-que-muda-no-mercado-cripto-com-o-novo-parecer-da-cvm.ghtml