CMN ajusta novamente regras restritivas ao lastro de CRI e CRA

CMN ajusta novamente regras restritivas ao lastro de CRI e CRA

Menos de um mês após a edição da norma que restringiu os ativos que podem ser utilizados como lastros de certificados de recebíveis imobiliários e do agronegócio (CRI e CRA), o Conselho Monetário Nacional editou hoje norma flexibilizando algumas das restrições recém-impostas.

Por meio da Resolução CMN 5.121, fica esclarecido que o conceito de título de dívida introduzido pela Resolução CMN n⁰ 5.118 não abrange “os contratos e as obrigações de natureza comercial, tais como duplicatas e contratos de locação, de compra e venda, de promessa de compra e venda e de usufruto relacionados a imóveis”.

Esta alteração é acertada e bem-vinda, tendo em vista que a redação original da Resolução CMN n⁰ 5.118, em uma interpretação literal, poderia indicar que tais obrigações de natureza comercial seriam equiparadas aos títulos de dívida criados com a finalidade específica de serem utilizados como lastros de CRI ou CRA.

Tal interpretação iria de encontro ao objetivo da própria norma ao regular o lastro composto por um título de dívida, que seria limitar o acesso a instituições financeiras ou companhias abertas que não possuem setor principal de atividade imobiliário ou do agronegócio à captação incentivada por meio de uma emissão de instrumento de captação que seria apenas “envelopado” por um CRI ou CRA.

Ao contrário, a cessão de recebíveis decorrentes de contratos comerciais em que a instituição financeira ou companhia aberta que não possui setor principal de atividade imobiliário ou do agronegócio figuram como devedoras – os quais corporificam negócios efetivamente realizados nos mercados que se busca incentivar – representa captação de recursos pela contraparte credora das mencionadas instituições financeiras ou companhias abertas.  Portanto, patente que tal situação não deveria estar vedada pela regra original.

A segunda modificação da regra, igualmente um aprimoramento, consiste em limitar a restrição ao acesso ao CRI e CRA não a toda e qualquer parte relacionada de instituição financeira, mas apenas àquelas entidades que compõem seu conglomerado prudencial[1] e respectivas controladas.

Com isso, as sociedades que sejam partes relacionadas de instituições financeiras, mas que não componham seu conglomerado prudencial – vale dizer, não estejam inseridas no contexto de atividade bancária ou financeira – não estarão sujeitas às restrições de captação dispostas na Resolução CMN n⁰ 5.118.

Uma dúvida interpretativa que pode surgir do dispositivo alterado diz respeito às instituições financeiras que, também, sejam companhias abertas: neste caso, eventuais partes relacionadas com atividades não financeiras (isto é, que não integram o conglomerado prudencial) estariam sujeitas às restrições das regras em virtude de a instituição financeira ser companhia aberta?

Vale dizer, prevaleceria o disposto no artigo 3º, inciso I, alínea “a”, sobre o disposto na nova redação da alínea “b”?

Em nossa leitura, aqui deve ser consagrado o princípio interpretativo da especialidade: a norma específica prevalece sobre a norma de caráter mais amplo.  No caso concreto, a instituição financeira é um tipo de entidade que pode ser companhia aberta, mas que igualmente pode não o ser, além de, topograficamente, ser objeto de tratamento em um dispositivo particularmente digirido a tal instituição, separadamente do gênero companhias abertas.

Portanto, a alínea “a” poderia ser encarada como uma norma de caráter mais amplo do que aquela inscrita na alínea “b”, que, por isso, deveria prevalecer. Em outras palavras: seja a instituição financeira companhia aberta ou fechada, as restrições trazidas pela Resolução CMN n⁰ 5.118 se aplicam às entidades que integram seu conglomerado prudencial e não a entidades com atividades não financeiras – exceto, claro, se estas forem, elas mesmas, companhias abertas com setor principal de atividade não imobiliário ou vinculado ou agronegócio.

Em que pese o acerto desta segunda medida, cabe o questionamento a respeito do tratamento assimétrico entre instituições financeiras e as demais companhias abertas.

Com efeito, nota-se que muitos grupos econômicos possuem o setor imobiliário ou do agronegócio como parte integrante e, por vezes, relevante.  Companhias fechadas ou sociedades limitadas com tais atividades, mas que sejam partes relacionadas a companhias abertas que não atuem em tais segmentos, ficam alijadas do instrumento de captação incentivado setorial.

Isso pode representar desestímulo à abertura de capital de negócios prósperos que integrem grupo econômico que se financie rotineiramente por emissões de CRI e CRA.

Ademais, segue nebulosa a possibilidade de contratação de fianças bancárias no contexto de emissões de CRI ou CRA, tendo em vista a redação já alterada da norma, assim como contratação de seguros nestas situações, sempre que a seguradora for parte relacionada a companhia aberta não atuante no setor imobiliário ou do agronegócio ou integrante de conglomerado prudencial de instituição financeira.

[1] Definido na Resolução CMN n⁰ 4.190, de 30 de setembro de 2021, conforme alterada:

Art. 2º  O conglomerado prudencial é o grupo integrado pelas seguintes entidades: 

I – instituição mencionada no art. 1º [instituições financeiras e demais instituições autorizadas a funcionar pelo Banco Central do Brasil] que detenha o controle sobre uma ou mais entidades citadas no inciso II; e 

II – entidades controladas, direta ou indiretamente, no País ou no exterior, pela instituição mencionada no inciso I, que sejam: 

  1. a) instituições financeiras; 
  1. b) demais instituições autorizadas a funcionar pelo Banco Central do Brasil; 
  1. c) instituições de pagamento não autorizadas a funcionar pelo Banco Central do Brasil; 
  1. d) entidades que realizem aquisição de operações de crédito, inclusive imobiliário, ou de direitos creditórios, a exemplo de sociedades de fomento mercantil, sociedades securitizadoras e sociedades de objeto exclusivo; 
  1. e) outras pessoas jurídicas que tenham por objeto social exclusivo a participação societária nas entidades mencionadas nas alíneas “a” a “d”; e 
  1. f) fundos de investimento.