CONJUR – Negócio jurídico processual tributário: análise de casos no âmbito do TRF-3

CONJUR – Negócio jurídico processual tributário: análise de casos no âmbito do TRF-3

Por Vinícius Caccavali

O objetivo deste artigo é retratar as particularidades do negócio jurídico processual (NJP) no âmbito tributário a partir da análise de casos. A possibilidade de prática foi instituída pelo artigo 190 do Código de Processo Civil (CPC), originalmente pensado para litígios em que particulares desejassem a modificação de trâmite processual. A concepção original, portanto, não era voltada à resolução do mérito da discussão, mas sim ao procedimento relacionado a essa resolução.

Contudo, diante da já conhecida necessidade de criação de métodos alternativos à resolução do contencioso tributário, a Procuradoria Geral da Fazenda Nacional (PGFN) viabilizou a utilização do NJP para outras finalidades, como, por exemplo, reunião de execuções fiscais em uma única vara, concentração de garantias, calendarização de pagamentos etc.

Com isso, a PGFN acabou por viabilizar mais uma opção aos contribuintes que buscam regularização de suas pendências fiscais. Como o instituto é relativamente recente, ainda há muitas dúvidas sobre os seus requisitos e sobre os benefícios possíveis, de modo que este artigo se apresenta como atual e relevante.

O NJP, previsto no CPC, não deve ser confundido com o instituto da transação tributária, previsto no artigo 171 do Código Tributário Nacional (CTN), tendo em vista que, para o NJP, pressupõe-se a existência de um processo judicial, além de diversas outras características que distinguem esses institutos.

Talvez, dentre todas, a mais marcante seja a impossibilidade de concessão de descontos no NJP. Ou seja, o NJP é uma forma de organização de discussões judiciais ou de pagamentos por parte do contribuinte e não uma opção para quitação de passivos fiscais com benefícios.

Essa restrição está prevista no parágrafo 1º do artigo 1º da Portaria PGFN nº 742/2018, que disciplina a celebração de NJP. Porém, a melhor forma de analisar as características do NJP é por meio da consulta aos termos de acordo disponíveis para consulta pública em sítio eletrônico do governo federal [1].

Foram selecionados casos aleatórios de NPJ celebrados no âmbito da 3a Região Fiscal, que abrange os estados de São Paulo e de Mato Grosso do Sul. Há termos de todas as regiões fiscais, sendo esse corte metodológico necessário apenas para respeitar o espaço proposto para análise.

No termo de NJP de um grande frigorífico, o acordo entre União e contribuinte envolveu renúncia a defesas e recursos contrários a procedimentos de compensação de ofício promovidos pelo Estado. A compensação de ofício é o procedimento pelo qual a União retém recursos que seriam repassados ao contribuinte em razão do acolhimento de pedidos de restituição, na hipótese em que verificada a existência de débitos desse contribuinte. Em contrapartida à renúncia do contribuinte, a União aceitou que os valores dos pedidos de restituição fossem destinados à quitação dos créditos tributários cobrados por meio de execuções fiscais. Logo, foram encerrados processos administrativos de compensação de ofício e execuções fiscais, o que demonstra a relevância e eficiência do NPJ.

No termo de NJP de uma outra empresa foi possível identificar acordo para reunião de diversas execuções fiscais em uma única Vara Federal de Execuções Fiscais, aceitação de garantias ofertadas pelo contribuinte para esses débitos, e aceitação, pelo contribuinte, de pedidos de redirecionamento de execução fiscal. Nesse caso, portanto, não houve nenhum acordo acerca do pagamento dos débitos, mas apenas uma forma de organização da discussão judicial e de suas garantias.

Trata-se, portanto, de uma solução positiva para ambas as partes, sem qualquer renúncia por parte da União, apenas otimização de procedimento. O processo tributário, por envolver garantias, é mais eficiente se tramitar apenas sob o mesmo juízo, justamente para evitar conflitos acerca da ordem e da aceitação das garantias.

Outro caso de destaque envolvendo uma Santa Casa de Misericórdia o NPJ permitiu a substituição de penhoras, trazendo vantagens para a União e para a contribuinte. No caso, foram liberadas penhoras sobre precatório e depósito judicial da contribuinte, com destinação do valor para pagamento de débitos específicos indicados pela contribuinte.

Além disso, a penhora, essencial para garantir a renovação de certidão de regularidade fiscal, foi concentrada em direitos de propriedade e sobre a propriedade, de modo que não comprometeriam a liquidez da contribuinte. Caso não houvesse a possibilidade de NPJ, é possível que a contribuinte permanecesse com seus ativos mais líquidos penhorados por tempo superior ao que ocorreu.

O NPJ de uma indústria também envolve o oferecimento de garantia real para débitos de execuções fiscais distintas. No caso, com valor somado que superava R$ 1 bilhão. Nessa situação, percebe-se que um dos benefícios do contribuinte é organizar a negociação sobre as garantias em um único canal de comunicação, evitando, com isso, interpretações e manifestações distintas em processos judiciais variados.

Por exemplo, é obviamente mais simples ofertar bens diretamente para a PGFN, cuja análise ocorrerá por equipe especializada, do que em diferentes processos, cujos pedidos serão analisados em tempo e modo distintos, comprometendo o sucesso da concentração de garantia.

O caso de uma indústria alimentícia também mereceu menção em razão de envolver outro instituto de competência da PGFN, o pedido de revisão da inscrição em Dívida Ativa da União. O contribuinte havia apresentado diversos pedidos de revisão, tendo em vista que os débitos cobrados eram relativos à exigência de Funrural, tema notoriamente conhecido pelas reviravoltas processuais, especialmente no que diz respeito à responsabilidade do adquirente pela retenção e pagamento da contribuição.

Pois bem, como os pedidos de revisão não implicam suspensão de exigibilidade, o contribuinte celebrou NPJ para viabilizar o oferecimento de seguro-garantia para evitar o prosseguimento de qualquer cobrança. A partir dessa garantia, os procedimentos de cobrança do crédito tributário seriam suspensos, ao menos até a avaliação dos pedidos de revisão.

Sob essa perspectiva, o NPJ da indústria chama atenção em razão de envolver suspensão de cobrança em hipótese não prevista no CTN. Afinal, sendo a suspensão de exigibilidade matéria objeto de lei complementar, poderia causar estranheza a disposição acerca do tema em NPJ. Contudo, no caso, a aplicação da suspensão da cobrança é feita como forma de otimizar os procedimentos de cobrança; não há suspensão de exigibilidade.

Qual seria o sentido de prosseguir com cobranças que provavelmente seriam modificadas em razão dos pedidos de revisão? Nenhum! Apenas seriam mais execuções fiscais no Poder Judiciário, notoriamente congestionado desse tipo de ação, implicando gastos à União e para o contribuinte, que teria que depender da contratação de advogados em casa processo novo.

A partir da avaliação desses casos, é possível perceber que o NPJ é usado no âmbito tributário como forma de otimizar a atuação de contribuintes que desejam se regularizar junto à União. Apesar de não haver descontos, o NPJ viabiliza facilidades para oferecimento de garantias e renovação de certidão de regularidade fiscal, elemento essencial para as atividades empresariais.

Por outro lado, ganha também a União, na medida em que consegue reduzir o número de execuções fiscais e tornar a cobrança mais eficiente. Nesse aspecto, é inegável o efeito positivo do NPJ para todos os envolvidos.

 

Artigo publicado originalmente na plataforma do Conjur. Clique aqui para acessar