Conjur – Transação tributária relacionada à dedução fiscal de ágio

Conjur – Transação tributária relacionada à dedução fiscal de ágio

No último dia 3 de maio, a Receita Federal e a Procuradoria Geral da Fazenda Nacional (PGFN) publicaram conjuntamente o Edital nº 9/2022, prevendo proposta para adesão à transação tributária relacionado a débitos oriundos da dedução fiscal do ágio disciplinado pela legislação anterior à Lei nº 12.973/2014.

Contexto e regras gerais
A transação tributária é meio de extinção do crédito tributário, marcado por concessões mútuas do Fisco e do sujeito passivo, nos limites estabelecidos por lei. Trata-se de caminho alternativo à resolução de disputas tributárias previsto na Lei nº 13.988/2020 e regulamentado, em termos gerais, pela Portaria ME nº 247/2020. Mais especificamente, o Edital nº 9/2022 veicula propostas para adesão à transação no contencioso tributário de relevante e disseminada controvérsia jurídica: as controvérsias em torno do tema “ágio” movimentam contencioso superior a R$ 150 bilhões em processos administrativo e judicial atualmente.

Objetivamente, os débitos passíveis de adesão à transação são aqueles que se encontrem em discussão administrativa ou judicial até a data da publicação, isto é, 3 de maio de 2022, e que envolvam o aproveitamento fiscal de ágio decorrente da aquisição de participações societárias ocorrida até 31 de dezembro de 2014, e cuja operação de incorporação, fusão e cisão tenha ocorrido até 31 de dezembro de 2017. Também estão inseridos na proposta de transação tributária os débitos de contribuição social sobre o lucro (CSL) decorrentes da exigência de adição das empresas de amortização de ágio na sua base de cálculo. Essa demarcação temporal abrange justamente o período anterior aos efeitos da Lei nº 12.973/2014, no qual a dedutibilidade do ágio era disciplinada pela Lei nº 9.532/1997.

O contribuinte deverá indicar todos os débitos em discussão administrativa ou judicial relativos à tese e desistir das respectivas impugnações ou recursos administrativos e ações judiciais. A adesão à transação poderá ser efetivada até as 19h , horário de Brasília, do dia 29 de julho de 2022, pelo Portal e-CAC, em caso de débitos não inscritos em dívida ativa, ou pelo Portal Regularize da PGFN, em caso de débitos já inscritos na dívida ativa da União.

Modalidades de transação
Há três opções para liquidação dos débitos objetos da transação. Em todas elas, deverá ser feito pagamento inicial equivalente a 5% do valor total do débito, em até cinco parcelas mensais e sucessivas, sendo que a primeira parcela deverá ser paga até o último dia útil do mês da adesão. O saldo remanescente poderá ser quitado conforme as seguintes modalidades à escolha do contribuinte:

ENTRADA PARCELAS DESCONTO
5% do valor total do débito Até 7 meses 50% do valor do débito (principal, multa, juros e demais encargos)
5% do valor total do débito De 8 a 31 meses 40% do valor do débito (principal, multa, juros e demais encargos)
5% do valor total do débito De 32 a 55 meses 30% do valor do débito (principal, multa, juros e demais encargos)

Como se nota, há um aspecto relevante que diferencia essa oportunidade de transação dos conhecidos programas de parcelamento (tal como o Refis ou o Pert): o desconto previsto no Edital nº 9/2022 alcança também os valores de principal, além de multas, juros e demais encargos.

Pagamento e hipóteses de rescisão
Em qualquer alternativa, o valor da parcela mínima será de R$ 100 para a pessoa física e R$ 500 para a pessoa jurídica, acrescidos de juros calculados à taxa Selic.

Caso o sujeito passivo possua depósitos judiciais vinculados aos débitos a serem quitados por meio da transação, haverá a sua conversão automática em renda a favor da União. Assim, os descontos previstos na tabela acima serão aplicados apenas sobre o saldo remanescente.

Além disso, a adesão à transação não implica liberação dos gravames decorrentes de arrolamento de bens, de medida cautelar fiscal e das garantias prestadas administrativamente ou em ação judicial. O levantamento das garantias somente será autorizado quando o acordo for integralmente liquidado, desde que não existam outros débitos inscritos em dívida ativa da União.

Por fim, o contribuinte que optar pela transação deverá ficar atento às hipóteses de rescisão, previstas no item 7.1 do Edital. Dentre essas hipóteses, destacam-se: (1) o não pagamento integral do valor da entrada; (2) a falta de pagamento de três parcelas consecutivas ou seis alternadas; e (3) a falta de pagamento de até duas parcelas, estando todas as demais pagas.

Ocorrendo rescisão, será retomada a cobrança dos débitos, com autorização da execução das garantias apresentadas. Entre outras medidas, o contribuinte também estará proibido de aderir a qualquer transação pelo prazo de dois anos, ainda que relacionada a débitos distintos.

Ponderações sobre o momento atual das discussões sobre ágio
Traçado o panorama geral da proposta de transação, alguns comentários são relevantes. Conquanto seja louvável tal iniciativa e se espere que meios alternativos de resolução de disputas tributárias possam ser cada vez mais utilizados, a proposta de transação não tem despertado o interesse esperado pelas autoridades fiscais.

Uma das principais razões para a avaliação ponderada sobre a adesão diz respeito à sistemática de desempate estabelecida também pela Lei nº 13.988/2020, a mesma que disciplina a transação tributária. Com a inclusão do artigo 19-E na Lei nº 10.522/2002, havendo empate no julgamento do processo administrativo de determinação e exigência do crédito tributário, o caso se resolve favoravelmente ao contribuinte. Em razão dessa sistemática, decisões mais recentes da Câmara Superior de Recursos Fiscais (CSRF) do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) sobre ágio no regime legal anterior à Lei nº 12.973/2014 têm sido proferidas em favor dos contribuintes.

A despeito do filtro de admissibilidade de recursos especiais que permitem a análise pela CSRF em situações específicas, fato é que a sinalização positiva pela instância máxima da esfera administrativa torna a percepção sobre os julgamentos futuros mais favorável nesta seara. Contudo, a avaliação sobre adesão ou não à transação tributária não deve ser descartada de plano: a decisão empresarial deve considerar, em cada caso, o status do processo administrativo.

Ilustrativamente, se o processo administrativo estiver em fase de admissão de recursos especial ou de embargos de declaração na CSRF, não podem ser ignorados os calorosos embates recentes em relação à sua admissibilidade, cuja decisão em caso de empate não se submete ao rito do artigo 19-E da Lei nº 10.522/2002 (empate resolvido de maneira favorável aos contribuintes). Ou seja, havendo empate quanto à admissibilidade do recurso especial do contribuinte, prevalece o voto do presidente do colegiado, sempre um julgado indicado pela Receita Federal. Em geral, portanto, o empate em votações sobre admissibilidade é desfavorável ao contribuinte, que não terá o mérito do seu recurso sequer analisado.

Outro ponto que pode tornar difícil a tarefa pela adesão à transação tributária é a existência de disputas tributárias acessórias no mesmo processo que trata de ágio, como, por exemplo, concomitância de multa isolada e multa de ofício; qualificação da multa de ofício sob acusação de fraude/simulação; decadência; alteração de critério jurídico do lançamento, entre outras. Considerando que a transação tributária pressupõe concessões mútuas, o contribuinte deve, em teoria, desistir de todas essas discussões para assegurar os descontos mencionados acima.

No caso de disputadas judiciais, outra razão pela qual a atratividade da adesão fica mais limitada é o fato de que, havendo depósito, não há aplicação dos descontos que permitirão levantamento parcial da quantia depositada. Trata-se de discussão similar àquela historicamente enfrentada pelos contribuintes no caso de programas de parcelamento.

Aliás, a propósito da menção à programas de parcelamento, cabe lembrar controvérsia já conhecida pelos contribuintes: os históricos debates sobre a tributação dos descontos sobre juros e multas, agora com o ingrediente adicional do desconto sobre o principal. Afinal, o contribuinte que aderir à transação terá uma receita decorrente desses descontos? Essa eventual receita será tributável? Naturalmente, sendo a resposta a essas perguntas afirmativas, a atratividade dessa oportunidade de transação acaba sendo, mais uma vez, diminuída.

Por fim, para contrapor situações relevadoras de desinteresse à adesão, contribuintes com disputas judiciais mais avançadas e com controvérsia fática substancial, como, por exemplo, acusação de fraude/simulação, devem ficar atentos aos pressupostos de admissibilidade de recursos especial para o STJ e de extraordinário para o STF. Em casos com pouca chance de reversão de decisões desfavoráveis no âmbito judicial, a transação pode representar opção interessante para encerramento da disputa.

 

 é advogada no VBSO Advogados, formada em Direito pela Universidade Católica de Pernambuco, graduanda em Ciências Contábeis pela Fundação Instituto de Pesquisas Contábeis, Atuariais e Financeiras (Fipecafi) e pós-graduanda em Direito Tributário pela Fundação Getúlio Vargas (FGV-SP).

Diego Miguita é sócio do VBSO Advogados, mestrando na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, MBA em gestão tributária pela Fundação Instituto de Pesquisas Contábeis, Atuariais e Financeiras (Fipecafi), bacharel em Direito pela Pontifícia Universidade de São Paulo (PUC-SP).

 é advogado no VBSO Advogados, bacharel e mestrando na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo e especialista em Direito Tributário internacional pelo Instituto Brasileiro de Direito Tributário (IBDT).

 

Artigo publicado pelo Conjur em 16 de maio de 2022, disponível neste link https://www.conjur.com.br/2022-mai-16/opiniao-comentarios-edital-92022