Estadão – Como analistas veem a taxação de investimentos no exterior

Estadão – Como analistas veem a taxação de investimentos no exterior

O governo federal decidiu mudar neste domingo (30) a tributação dos investimentos no exterior realizados por pessoa física com residência no Brasil. A decisão, publicadas pela Medida Provisória (MP) 1.171, no último dia 30, em edição extraordinária do Diário Oficial, veio junto com a atualização da tabela do Imposto de Renda (IR) e pegou de surpresa os brasileiros que buscam diversificar o portfólio nos mercados estrangeiros.

A decisão deve começar a valer a partir de 2024 e a nova taxação deve compensar as perdas com a atualização da nova tabela do Imposto de Renda (IR), que torna isentas as pessoas com uma remuneração mensal de até R$ 2.640. Isso porque, segundo as estimativas do governo, a taxação sobre bens e direitos no exterior de pessoas residentes no Brasil deve gerar um ganho de R$ 3,25 bilhões na arrecadação federal neste ano, R$ 3,59 bilhões em 2024 e R$ 6,75 bilhões em 2025.

No entanto, na avaliação de especialistas de tributação e analistas de mercado, a medida deve trazer mudanças na alocação do capital por afetar os retornos dos investidores. “É possível que haja uma realocação de recursos desses investidores para ativos domésticos, o que pode aumentar a demanda por títulos públicos, ações e outros ativos no mercado interno”, avalia Fabrício Gonçalvez, CEO da Box Asset Management.

Para Carlos Marcelo Gouveia, advogado tributarista de Almeida Prado & Hoffmann, a mudança deve afetar, principalmente, os investidores pessoa física com maior poder financeiro e que possuem mais acesso às estruturas de investimento no exterior, como as holdings. No entanto, os pequenos investidores também ser sentir no bolso o peso do novo imposto.

“É bem possível que até mesmo os pequenos investidores também sejam afetados, na medida em que a faixa de isenção é baixa. Os rendimentos de até R$ 6 mil correspondem a um valor em torno de US$ 1,2 mil”, afirma Gouveia. Vale destacar que, embora a MP já esteja em vigor, precisa ser avaliada e aprovada pelo Congresso Nacional em até 120 dias para que se torne uma lei.

Confira as opiniões de especialistas sobre a nova taxação dos rendimentos no exterior:

Bruno Monsanto, assessor de investimentos e sócio da RJ+ Investimentos

Os investimentos no exterior deixaram de ser exclusividade dos “super-ricos”. Várias plataformas surgiram na indústria de investimentos, possibilitando o acesso a investimentos no exterior para pequenos e médios investidores, com baixo custo e devidamente declarados ao fisco. Cada vez mais investidores buscam uma forma de blindar parte do seu patrimônio com a insegurança política e jurídica no Brasil.

Naturalmente, a primeira impressão do mercado não foi boa. A forma também não agradou e gerou muitas dúvidas e desconfiança, pois foi via MP “na calada da noite”.

Carlos Marcelo Gouveia, advogado tributarista de Almeida Prado & Hoffmann

A expectativa positiva de internacionalização dos investimentos brasileiros pode sofrer uma retração com a nova pretensão tributária do governo federal. As pessoas físicas com maior poder financeiro, com mais facilidade para utilizar estruturas no exterior, como holdings e trusts, certamente serão as mais afetadas. Contudo, ainda que em número menor, é bem possível que até mesmo os pequenos investidores também sejam afetados, na medida em que a faixa de isenção é baixa. Os rendimentos de até R$ 6 mil correspondem a um valor em torno de US$ 1,2 mil,

Fabrício Gonçalvez, CEO da Box Asset Management

A nova taxação afeta não somente investidores de menor porte no exterior, mas também pessoas de maior poder aquisitivo que possuem holdings e trusts mantidos fora do País. Antes, essas estruturas não eram tributadas pelos rendimentos obtidos até o momento da distribuição de lucros ou dividendos, mas agora a tributação será exigida anualmente, mesmo que não haja distribuição. Isso inclui investimentos em paraísos fiscais ou renda proveniente majoritariamente de investimentos financeiros no exterior.

É difícil prever com exatidão qual será o movimento do mercado nos próximos meses após a aprovação da MP. No entanto, é possível que haja uma realocação de recursos dos investidores para ativos domésticos, o que pode aumentar a demanda por títulos públicos, ações e outros ativos no mercado interno. A medida também deve desestimular investimentos no exterior e prejudicar a diversificação das carteiras dos investidores.

Gabriel Pereira, advogado do Serur Advogados

A medida não é exatamente uma surpresa. A Receita Federal nunca aceitou o diferimento da tributação que algumas estruturas no exterior permitem. Era esperado que em algum momento o governo novamente tentasse alcançar esse patrimônio (investida semelhante aconteceu também no governo Bolsonaro). Caso essa tributação seja de fato instituída, algumas pessoas poderão alterar a sua residência fiscal, o que afastaria a competência tributária do Brasil.

Paulo Vaz, sócio da área de tributário do VBSO Advogados

“A diversificação do portfólio de investimentos brasileiros é um fenômeno que antecede o período das eleições. Investir no exterior tem se tornado algo mais simples e acessível em anos recentes. Uma hora ou outra o governo olharia para isso sob uma perspectiva tributária. De imediato, não existem impactos concretos. Afinal, a MP só vai produzir efeitos em 2024 e ainda precisa ser aprovada pelo Congresso Nacional. Considerando as dificuldades que o governo já tem enfrentado em alguns temas sensíveis, não será uma tramitação simples.

Não é recomendável alterar estruturas sem que haja certeza quanto ao texto que vai valer a partir de 2024. Ou seja, os próximos meses são de acompanhamento, estudo e planejamento”.

 

Reportagem publicada no E-investidor, do Estadão, em 2 de maio de 2023 e disponível neste link:
https://einvestidor.estadao.com.br/investimentos/tributacao-investimentos-exterior-visao-mercado/