VALOR ECONÔMICO – Tributação de investimentos em criptoativos no exterior

VALOR ECONÔMICO – Tributação de investimentos em criptoativos no exterior

Por Diogo Olm Ferreira e Caio Malpighi, advogados tributaristas do VBSO Advogados

Nas últimas semanas, o mercado de criptoativos acompanhou apreensivo a tramitação do PLV nº 15/23. Parte do seu texto decorria da Medida Provisória nº 1.171, que pretendia alterar a tributação de investimentos realizados por pessoas físicas no exterior. No caso de aplicações financeiras, a principal mudança envolvia a criação de uma célula de tributação específica, apartada das outras rendas da pessoa física.

Durante sua tramitação no Congresso Nacional, as duas medidas provisórias foram unificadas no PLV nº 15/23, com implementação de alterações pontuais sobre a tributação de investimentos no exterior. Uma dessas alterações diz respeito à inclusão do termo “criptoativos” no rol de “aplicações financeiras” submetidas às novas regras de tributação.

De todo modo, o PLV nº 15/23 foi posteriormente modificado, com a exclusão de todas as previsões relativas à tributação de investimentos no exterior. Neste momento, portanto, nada muda em relação aos criptoativos.

Apesar disso, o Governo Federal já apresentou projeto de lei para retomar as mudanças na tributação de investimentos no exterior (PL nº 4.173/23). A menção aos criptoativos voltou a aparecer no texto, confirmando o risco uma alteração precipitada na sua tributação.

Ainda que o Governo tenha pressa em aumentar a arrecadação, trata-se de uma nova oportunidade para reflexões mais aprofundadas a respeito da tributação de operações com criptoativos.

Existem dois pontos que merecem atenção: 1) a diversidade dos criptoativos, tanto em sua forma, quanto em seu uso; e 2) a superação do paradigma da localização do ativo.

A principal crítica apresentada à inclusão dos criptoativos no PLV nº 15/23 envolveu a imprecisão terminológica. O projeto não apresentava uma definição de criptoativos. O termo, apesar de consagrado no mercado, é extremamente amplo, alcançando desde criptomoedas até non-fungible tokens – NFT, passando por security tokens. Cada um desses ativos possui peculiaridades que afetam sobremaneira a sua utilização. Do ponto de vista técnico, tratar qualquer criptoativo como uma aplicação financeira dá margem para distorções e dificuldades práticas de implementação.

Tanto é assim que a CVM tem se esforçado para separar espécies e diferenciar quais criptoativos caracterizam títulos ou valores mobiliários. Da mesma forma, a Lei nº 14.478/22 tomou o cuidado de definir o que são “ativos virtuais”, abrangendo apenas algumas espécies de criptoativos.

A utilização de criptografia não é critério relevante para definir a utilidade econômica de um ativo, tampouco deveria ser critério para definir sua natureza jurídica. Assim, seria pertinente que o legislador tributário distinguisse os criptoativos que possuem características de aplicações financeiras daqueles que funcionam como simples reserva de valor ou que são utilizados para representar ativos não financeiros (por exemplo, obras de arte). Ou seja, o legislador tributário não deveria tratar da tributação de “criptoativos” de forma geral.

Há, ainda, outro aspecto que deve ser levado em consideração, em especial quando se trata de tributação de investimentos no exterior, âmbito no qual o Governo Federal pretende implementar mudanças: como definir que um criptoativo está localizado no exterior? No caso de ativos baseados na tecnologia de blockchain, a natureza descentralizada impede a fixação de um local para vincular geograficamente o ativo.

Poderia alguém dizer que basta identificar a localização da exchange para saber se um criptoativo está localizado no exterior. Todavia, boa parte das criptomoedas foi pensada para funcionar independentemente da existência de exchanges. Nesses casos, é necessário apenas acesso a uma chave virtual, no mais das vezes desvinculada de qualquer local físico, para acessar e movimentar criptoativos.

Cabe, então, a pergunta: faz sentido diferenciar a tributação de ativos digitais com base na sua localização? Ou seja, devem existir regras diferentes para investimentos em criptoativos no Brasil e investimentos em criptoativos no exterior? A resposta parece ser negativa. Afinal, o critério da localização, além de não ser útil, é muitas vezes impraticável.

Melhor parece ser uma tributação voltada aos ganhos obtidos com investimentos em determinados criptoativos, que, por suas características, se assemelhem a aplicações financeiras. Pouco importaria a localização; basta fixar critérios claros para tributar o ganho auferido pelo residente no Brasil.

Certamente, existem vários outros desafios a serem enfrentados na definição de um modelo tributário para os criptoativos. Por exemplo, há a dificuldade de mensurar o valor e determinar o momento de tributação, especialmente no caso de permuta. Ainda assim, os pontos indicados acima já mostram que o legislador tributário deve redobrar a atenção sobre o tema, evitando generalizações indevidas e potencialmente prejudiciais para o mercado de criptoativos. O ideal, portanto, é que o termo “criptoativos” seja excluído do PL nº 4.173/23.

Artigo publicado originalmente no site do Valor Econômico. Clique aqui para acessar.