Aval prestado a título oneroso deve ser incluído em processo de recuperação judicial, decide STJ

Aval prestado a título oneroso deve ser incluído em processo de recuperação judicial, decide STJ

“Aval prestado a título oneroso submete-se aos efeitos de processo de recuperação judicial”. Este foi o entendimento adotado pela Ministra do Superior Tribunal de Justiça Nancy Andrighi no âmbito do Recurso Especial nº 1.829.790/RS, em sessão de julgamento realizada em 19 de novembro de 2019.

O recurso, interposto pelo Banco do Brasil, se deu em face de acórdão do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, que decidiu pela inclusão do crédito de titularidade da instituição financeira em recuperação judicial movida por empresa que figurava como avalista em Cédula de Crédito Bancário – CCB emitida por terceiros, sob os fundamentos de que (i) o avalista é solidariamente obrigado ao pagamento da dívida e de que (ii) o artigo 49 da Lei nº 11.101/2005 abrange todos os créditos existentes à data do pedido, ainda que não vencidos, inexistindo diferenciação, pelo diploma legal, de dívidas contraídas por conta própria ou em razão de garantia prestada a obrigações de terceiros.

Em síntese, o Banco do Brasil argumentou que, quando do ajuizamento da recuperação judicial, o devedor principal encontrava-se em dia com as obrigações contratadas, de modo que, naquele momento, a empresa em recuperação judicial detinha tão somente uma expectativa de exercício de direito de regresso em caso de inadimplemento pelo avalizado, sendo inexistente, portanto, relação de crédito apta a ser incluída em processo recuperacional.

Tal argumentação não foi suficiente para o convencimento da Turma Julgadora, que optou pela relativização do conteúdo do artigo 5º da Lei nº 11.101/2005, segundo o qual não são exigíveis do devedor em recuperação judicial “as obrigações a título gratuito”.

O voto da Ministra Nancy Andrigui, assim, adotou a tese de que “nessas hipóteses, em que a declaração cambiária em questão assume contornos de natureza onerosa, a norma do precipitado artigo 5º, I, da Lei nº 11.101/2005, não tem aplicabilidade, devendo o crédito correspondente, por imperativo lógico, sujeitar-se aos efeitos da recuperação judicial”, tendo ainda assinalado que “o dispositivo em questão tem como objetivo impedir que o devedor, já com dificuldades para adimplir dívidas decorrentes de obrigações de natureza onerosa, seja também compelido a satisfazer aquelas pelas quais não recebera qualquer contrapartida”.

Trata-se de entendimento preocupante às instituições financeiras e demais agentes econômicos responsáveis pela concessão de crédito em mercado, seja do ponto de vista estritamente jurídico, seja sob a ótica prática das relações creditícias.

Na seara jurídica, nota-se possível violação dos princípios da abstração e autonomia que caracterizam o aval, uma vez que o entendimento do Superior Tribunal de Justiça busca condicionar os efeitos do título de crédito às características dos negócios a ele subjacentes. Ou seja, a decisão em questão atribui perigosa incerteza à exigibilidade da garantia pessoal.

No âmbito prático, por sua vez, o que se verifica é a imposição de relevante obstáculo às instituições financeiras, o de avaliar, quando da prestação da garantia, se esta foi prestada a título gratuito ou oneroso. Por se tratar de informação cujo fornecimento não é exigido pela legislação e, portanto, não costuma constar dos títulos de crédito – os quais, vale dizer, são caracterizados pelo princípio da literalidade -, os credores provavelmente enfrentarão custos adicionais para a análise das condições de concessão do crédito, bem como serão observados entraves à circulação dos títulos de crédito, justamente uma das principais virtudes de referido instituto jurídico.

Do exposto, conclui-se que o entendimento do Superior Tribunal de Justiça se trata de verdadeiro retrocesso, visto que adota posição contrária aos princípios da previsibilidade e da segurança jurídica no tocante ao tratamento conferido às garantias pessoais no âmbito de processos recuperacionais, de modo a, uma vez mais, fortalecer argumentos de caráter oportunista pelos devedores em detrimento do interesse dos credores na satisfação de seus créditos, postura esta que contraria um dos grandes objetivos quando da edição da Lei nº 11.101/2005: impedir que o microssistema instituído pela lei às empresas em crise seja essencialmente voltado aos interesses de um dos polos da recuperação judicial.

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