CVM inicia consulta pública sobre novas regras para ofertas públicas de aquisição de ações (OPA)

CVM inicia consulta pública sobre novas regras para ofertas públicas de aquisição de ações (OPA)

A Comissão de Valores Mobiliários (CVM) colocou em consulta pública duas minutas de resoluções (“Minuta A” e “Minuta B”) para reformulação da disciplina aplicável às ofertas públicas de aquisição de ações (OPA), hoje estabelecida na Resolução CVM 85, de 31 de março de 2022. Esta resolução substituiu, sem alteração de mérito, a antiga Instrução CVM 361, de 5 de março de 2002.  Trata-se, portanto, da modificação de uma disciplina em vigor há mais de 20 anos. Ao longo desse período, além do amadurecimento do próprio mercado brasileiro, a CVM acumulou uma rica casuística sobre aplicação das OPA, que serviu de base para a presente proposta de regulação.

A “Minuta A” segue, de forma geral, a mesma estrutura da Resolução CVM 85, contendo uma parte geral, seguida de normas procedimentais e da disciplina específica de cada OPA. Não obstante, a CVM propõe algumas modificações relevantes no funcionamento das OPA.

Uma delas diz respeito ao gatilho para a obrigatoriedade de realização da OPA por aumento de participação, prevista no artigo 4º, § 4º, da Lei 6.404, de 15 de dezembro de 1976. Atualmente, o acionista controlador deve lançar uma OPA toda vez que ultrapassar o limite de 1/3 das ações em circulação da companhia aberta.

Uma das dificuldades práticas é estabelecer qual o marco temporal a partir do qual conta-se as ações em circulação e como controlá-lo. A fim de simplificar o controle e oferecer maior segurança a todas as partes envolvidas, a CVM propõe que o gatilho da OPA por aumento de participação seja disparado sempre que o acionista controlador adquira ações de companhia cujo free float seja inferior a 15% ou quando, dentro de um exercício, o acionista controlador adquirir mais de 1/6 das ações em circulação calculado em função do free float no último dia do exercício anterior.

Em relação às OPA para cancelamento de registro, a CVM buscou preservar os critérios de cálculo da anuência de 2/2 dos acionistas elegíveis em relação ao cancelamento ou aceitação da OPA.  Contudo, a fim de facilitar a obtenção deste quórum, a CVM propõe a redução para a maioria simples entre os acionistas elegíveis quando as ações em circulação forem inferiores a 5% do capital social da companhia aberta.

A CVM também propõe simplificações ou otimizações nos procedimentos de realização da OPA:  i) como a possibilidade de cumulação da OPA para cancelamento de registro com a OPA para aquisição do controle (atualmente não permitidas, uma vez que a primeira somente pode ser lançada pela companhia ou pelo acionista controlador), ii) a dispensa da realização de leilão, inclusive de forma automática, quando a OPA for destinada a menos de 100 (cem) acionistas ou direcionada a menos de 1000 (mil) acionistas e os custos associados ao leilão excederem 10% (dez por cento) do valor total da OPA, e, ainda, iii) dispensa do laudo de avaliação, especialmente em hipóteses em que seja possível estabelecer parâmetros de mercado objetivos e independentes para precificação das ações, como a negociação de participação relevante em período de até 6 meses anterior à realização da OPA.

Um ponto de destaque da “Minuta A” é que, diferentemente do ocorrido quando da edição da Instrução CVM 361/02, a CVM reconhece expressamente o problema da pressão do acionista para aceitação da oferta, o que muitas vezes o leva a aceitar ofertas que não sejam economicamente atrativas, sob o receio das consequências negativas do eventual sucesso da OPA e fruto da falta de ação coordenada entre os acionistas. Neste sentido, a CVM propõe ajustes na disciplina da venda compulsória de ações a posteriori pelos acionistas que rejeitarem a OPA bem-sucedida.

Duas novidades interessantes propostas pela CVM para a nova regulamentação dizem respeito ao rito de registro e ao papel das instituições intermediárias.  Em relação ao registro, a CVM, inspirada na Resolução CVM 160/22, propõe ser obrigatório o registro de todas as OPA, inclusive as voluntárias, que hoje são dispensadas. Estas, contudo, seriam objeto de registro automático, de forma a não comprometer o cronograma nem a estratégia da oferta. A razão para isso é a necessidade de a CVM acompanhar de forma próxima as OPA voluntárias para fins de verificação do atendimento de requisitos legais.

Já em relação às instituições intermediárias, a CVM propõe a faculdade de segregação entre a função de instituição garantidora da liquidação da oferta e de coordenador da oferta.  A primeira função seria necessariamente desempenhada por instituição financeira enquanto a segunda poderia ser exercida por aqueles habilitados à atividade de coordenador de ofertas, nos termos da Resolução CVM 161/21, o que pode, em tese, aumentar a oferta de prestadores de serviços neste mercado.  Ainda, a CVM propõe substituir a necessidade da instituição financeira garantidora por mecanismos alternativos que assegurem a liquidação da oferta se bem-sucedida, como seguro garantia ou depósito em conta vinculada (escrow).

Já a “Minuta B” contém ajuste pontual na Resolução CVM nº 77, de 2022, que dispõe sobre a negociação de ações e a aquisição de debêntures de própria emissão, no art. 8º, III, para deixar claro que a vedação à recompra de ações de própria emissão durante período de OPA não abarca os casos em que a OPA é formulada pela própria companhia.

Também, ao analisar outros possíveis ajustes complementares à reforma da regra de OPA, um ponto identificado pela CVM foi o regime de cancelamento de registro de emissores registrados na categoria B. Atualmente, nos termos do art. 51 – especialmente seus incisos IV e V – da Resolução CVM nº 80, de 29 de março de 2022, o cancelamento depende de medidas que abarquem a totalidade dos valores mobiliários em circulação.  Nesse sentido, a CVM propõe flexibilizações na disciplina para tornar mais fácil o cancelamento de registro neste cenário.

Entendemos que a proposta de reformulação da disciplina das OPA é necessária e toca em pontos sensíveis de melhoria em relação ao modelo atual, além de incorporar entendimentos que foram sendo construídos pela CVM por meio de seus julgados ao longo das últimas duas décadas. A consulta pública se encerra em 7 de março de 2024 e nós do VBSO estamos à disposição para esclarecer dúvidas e discutir os impactos das novas regras propostas.