Governo Federal regulamenta Debêntures de Infraestrutura e Debêntures Incentivadas

Governo Federal regulamenta Debêntures de Infraestrutura e Debêntures Incentivadas

Foi divulgada em 27 de março de 2024 a norma que regulamentou as novas Debêntures de Infraestrutura, recém criadas por meio da Lei nº 14.801, de 12 de janeiro de 2024, assim como modificou a regulamentação anteriormente aplicável às já consagradas Debêntures Incentivadas, regidas pela Lei nº 12.431, de 24 de junho de 2011.

As novas regras, constantes do Decreto nº 11.964, chegam no momento em que o interesse do público investidor nas Debêntures Incentivadas aumenta, tendo em vista as limitações impostas à emissão de certificados de recebíveis imobiliários – CRI, certificados de recebíveis do agronegócio – CRA e letas de crédito do agronegócio e imobiliárias – LCA e LCI.

Debêntures Incentivadas x Debêntures de Infraestrutura

Vale lembrar, inicialmente, que as Debêntures Incentivadas conferem a investidores que sejam pessoas físicas e a certos fundos de investimento a aplicação de alíquota zero de Imposto sobre a Renda sobre os rendimentos pagos a eles.

Vale dizer: nas Debêntures Incentivadas, o benefício fiscal é voltado ao investidor, e não à companhia emissora, embora esta última usualmente acabe absorvendo grande parte deste benefício por meio da redução da taxa de juros praticada em tais títulos.

Por outro lado, as Debêntures de Infraestrutura conferem um benefício fiscal às companhias emissoras, mas não aos investidores.

Este benefício fiscal consiste na possibilidade de (i) deduzir, para efeito de apuração do lucro líquido, o valor correspondente à soma dos juros pagos ou incorridos, nos termos permitidos pela legislação do imposto sobre a renda e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) e, cumulativamente, (ii) excluir o valor correspondente a 30% (trinta por cento) dos juros pagos no exercício no âmbito das Debêntures de Infraestrutura na determinação do lucro real e da base de cálculo da CSLL.

No tocante à tributação dos investidores, ressalta-se que as Debêntures de Infraestrutura geram incidência de Imposto sobre a Renda, à alíquota de 10%, quando integrarem a carteira de fundos de investimento que possuam isenção deste imposto no resgate, amortização ou alienação de cotas ou na distribuição de rendimentos[1], criando nova exceção à regra geral de neutralidade fiscal dos fundos de investimento (isto é, a não incidência de impostos corporativos sobre os rendimentos auferidos pela carteira do fundo de investimento).

Em comum entre ambas está o requisito de enquadramento para que façam jus ao tratamento fiscal diferenciado: em ambos os casos, os recursos captados por meio dos títulos em questão devem ser empregados em projetos de investimento considerados como prioritários nas áreas de infraestrutura ou de produção econômica intensiva em pesquisa, desenvolvimento e inovação.

É sobre esse enquadramento que versa o novo decreto.

Novas regras: mudanças para as Debêntures Incentivadas

Neste sentido, a nova regra não apenas lista quais são os setores econômicos em que tais projetos de infraestrutura devem ser desenvolvidos para que as debêntures serem elegíveis aos benefícios tributários, mas também o mecanismo para formalizar tal enquadramento.

Uma das principais mudanças, e muito bem-vinda, é a extinção da necessidade de o ministério setorial responsável editar uma portaria autorizativa para que o projeto financiado pela Debênture Incentivada ou de Infraestrutura seja elegível ao tratamento fiscal favorecido.

Na vigência da regulamentação anterior, era necessário que o ministério responsável pelo setor relativo ao projeto de investimento que se desejasse considerar prioritário editasse uma portaria contendo as regras para submissão dos pedidos de autorização e procedimento de avaliação respectivo (“Portaria Procedimental”) e, uma vez realizado o pedido de enquadramento, o ministério em questão deveria editar uma portaria que, individualmente, considerasse o projeto de investimento em questão como prioritário e, portanto, elegível ao tratamento fiscal disposto na Lei n¬ 12.431/11 (“Portaria Autorizativa”).

Com a nova regra, bastará o protocolo do pedido de enquadramento para que este seja automaticamente concedido, desde que preenchidos os requisitos dispostos no Decreto nº 11.964/24, assim como de eventuais requisitos adicionais formulados nas portarias procedimentais editadas por cada um dos ministérios setoriais correlatos.

Com efeito, mencionados ministérios seguirão competentes para editar as Portarias Procedimentais, relativas não apenas ao mecanismo de submissão dos projetos e requisitos para este pedido, mas também as regras de fiscalização e detalhamento dos requisitos adicionais para enquadramento do projeto em si – por exemplo, maior granularidade das características dos projetos de investimento que serão elegíveis para tal finalidade.

Esse aprimoramento é muito positivo, pois extingue a discricionariedade na concessão ou não da autorização por meio de Portaria Autorizativa e acelera o processo de enquadramento do projeto, desburocratizando o processo.

Vale ressaltar que o novo Decreto convalida as Portarias Procedimentais anteriores, naquilo que não conflitarem com as disposições da nova regra.

Em relação aos requisitos para enquadramento, o Decreto nº 11.964/24 determina que apenas despesas de capital serão elegíveis como destinação de recursos para as Debêntures de Infraestrutura e Debêntures Incentivadas, de modo que despesas que não sejam consideradas como tal – por exemplo, despesas de natureza operacional – deixam de ser elegíveis como destinação e, por consequência, de compor o montante passível de emissão em tais títulos.

Outra mudança relevante é a determinação de que os projetos de infraestrutura elegíveis serão exclusivamente aqueles que sejam objeto de instrumento de concessão, permissão, autorização, arrendamento (exceto no caso de projetos de saneamento básico, em que se aplicará o contrato de programa), de modo que não poderão ser considerados projetos elegíveis aqueles que não envolvam tais instrumentos. Adicionalmente, tais projetos deverão envolver ações de implantação, ampliação, recuperação, adequação ou modernização.

De acordo com a nova regra, uma “mesma debênture” – em nossa leitura, uma mesma emissão de debêntures – não poderá ser simultaneamente considerada uma Debênture de Infraestrutura e uma Debênture Incentivada (por exemplo, em séries diferentes).  No entanto, é permitido que haja emissões diferentes com enquadramentos diferentes, desde que a soma do valor das emissões não exceda o valor das despesas de capital (capex) do projeto financiado.

Para fins de oferta pública dos títulos aqui referidos, o emissor fica obrigado a apresentar à Comissão de Valores Mobiliários comprovação do protocolo das informações relativas ao projeto prioritário perante o ministério setorial responsável, por ocasião do protocolo do requerimento de registro da oferta.

Nota-se, ainda, que fica permitida a emissão de Debêntures de Infraestrutura com cláusula de variação cambial.

Setores elegíveis

De acordo com o Decreto n⁰ 11.964/24, os projetos de infraestrutura que poderão ser considerados prioritários para fins de emissão das Debêntures Incentivadas e das Debêntures de Infraestrutura deverão estar relacionados aos seguintes setores:

(i) logística e transportes, incluídos exclusivamente:

  • rodovias;
  • ferrovias, inclusive locomotivas e vagões;
  • hidrovias;
  • portos organizados e instalações portuárias, inclusive terminais de uso privado, estações de transbordo de carga e instalações portuárias de turismo; e
  • aeródromos e instalações aeroportuárias de apoio, exceto aeródromos privados de uso privativo;

(ii) mobilidade urbana, incluídos exclusivamente:

  • infraestruturas de transporte público coletivo urbano ou de caráter urbano;
  • aquisição de veículos coletivos associados às infraestruturas a que se refere a alínea “a”, como trens, barcas, aeromóveis e teleféricos, exceto ônibus que não se enquadrem no disposto na alínea “c”; e
  • aquisição de ônibus elétricos, inclusive por célula de combustível, e híbridos a biocombustível ou biogás, para sistema de transporte público coletivo urbano ou de caráter urbano;

(iii) energia, incluídos exclusivamente:

  • geração por fontes renováveis, transmissão e distribuição de energia elétrica;
  • gás natural;
  • produção de biocombustíveis e biogás, exceto a fase agrícola;
  • produção de combustíveis sintéticos com baixa intensidade de carbono;
  • hidrogênio de baixo carbono;
  • captura, estocagem, movimentação e uso de dióxido de carbono; e
  • dutovias para transporte de combustíveis, incluindo biocombustíveis e combustíveis sintéticos com baixa intensidade de carbono;

(iv) telecomunicações e radiodifusão;

(v) saneamento básico;

(vi) irrigação;

(vii) educação pública e gratuita;

(viii) saúde pública e gratuita;

(ix) segurança pública e sistema prisional;

(x) parques urbanos públicos e unidades de conservação;

(xi) equipamentos públicos culturais e esportivos;

(xii) habitação social, incluídos exclusivamente projetos implementados por meio de parcerias público-privadas;

(xiii) requalificação urbana;

(xiv) transformação de minerais estratégicos para a transição energética; e

(xv) iluminação pública.

A nova listagem de setores deixa de fora projetos de energia ligados ao petróleo e quaisquer outras fontes de energia que não sejam renováveis, tratando de modo assimétrico tais setores, com o fundamento de incentivar projetos com impacto ambiental positivo.

Em relação aos projetos de pesquisa, desenvolvimento e inovação, os setores elegíveis serão, conforme ato conjunto do Ministério da Fazenda e do Ministério setorial responsável: (i) transição energética; (ii) transformação ecológica; (iii) transformação digital; (iv) complexo industrial da saúde e (v) complexo industrial aeroespacial e de defesa.

Projetos com impacto ambiental ou social

Projetos prioritários que proporcionem impactos relevantes do ponto de vista social ou ambiental deverão contar com relatório de avaliação externa que ateste o referido impacto.  Neste caso, terão prioridade (i) na avaliação, pela CVM, do requerimento de registro de oferta pública e (ii) nos trâmites de aprovação prévia perante o ministério setorial competente, quando aplicável.

Regras de transição

As Portarias Autorizativas relativas a projetos de investimento que não sejam mais elegíveis para os benefícios referidos neste texto permanecem válidas por 90 dias contados da publicação do Decreto n⁰ 11.964/24; findo este prazo, não poderão ser realizadas novas emissões de debêntures (sejam Incentivadas, sejam de Infraestrutura) com fundamento em tais Portarias Autorizativas.

Ainda, nota-se que os projetos de investimento que estejam enquadrados nas Portarias Procedimentais editadas previamente ao Decreto n⁰ 11.964/24, mas não estejam enquadrados em relação ao mencionado decreto, deixam de ser elegíveis para financiamento por meio de Debêntures de Infraestrutura e/ou de Debêntures Incentivadas, a partir da data de edição da nova regra.

As equipes de Mercado Financeiro e de Capitais e de Direito Tributário do VBSO Advogados estão à disposição para esclarecimentos adicionais sobre as novas regras de Debêntures Incentivadas e Debêntures de Infraestrutura.

[1] A Lei nº 14.801/24 menciona os fundos de que tratam o art. 2º da Lei nº 11.312, de 27 de junho de 2006 (FIP), o art. 1º da Lei nº 11.478, de 29 de maio de 2007 (FIP-IE e FIP-PD&I), e o inciso II do caput do art. 1º e os arts. 2º e 3º da Lei nº 12.431, de 24 de junho de 2011 (FIDC Incentivados e FIF Incentivados).