Lei do FIAGRO é aprovada com vetos que inutilizam o instrumento

Lei do FIAGRO é aprovada com vetos que inutilizam o instrumento

No início de março, o congresso aprovou o Projeto de Lei nº 5.191/2020, que cria o Fundo de Investimento nas Cadeias Produtivas Agroindustriais (FIAGRO). Desde então, aguardava-se a sanção presidencial, que ocorreu na data de ontem (29 de março), com vetos presidenciais relevantes, tendo sido promulgada a Lei n° 10.130.

Havia grande expectativa dos mercados financeiro e do agronegócio em torno da criação do FIAGRO, em virtude de sua versatilidade como instrumento de financiamento das cadeias produtivas agroindustriais, que representam grande parte da geração do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro. O FIAGRO poderá ser constituído sob a forma de condomínio aberto ou fechado, com prazo de duração determinado ou indeterminado, e poderá realizar a aquisição de quaisquer dos ativos: (i) imóveis rurais; (ii) participação em sociedades que explorem atividades integrantes da cadeia agroindustrial; (iii) ativos financeiros, títulos de crédito ou valores mobiliários emitidos por pessoas físicas ou jurídicas que integrem a cadeia agroindustrial; (iv) direitos creditórios do agronegócio e títulos de securitização emitidos com lastro em direitos creditórios do agronegócio; (v) direitos creditórios imobiliários relativos a imóveis rurais e títulos de securitização emitidos com lastro em tais direitos creditórios e; (vi) cotas de fundos de investimento que apliquem parcela preponderante de seu patrimônio nos ativos dos outros itens.

Este rol extenso de ativos confere inerente polivalência ao FIAGRO, que pode atuar em diversas searas distintas: seja realizando investimentos financeiros em títulos do financiamento privado do agronegócio (CRA, CPR-F, CDCA) ou recebíveis vinculados ao setor, seja realizando transações de private equity em que atua como investidor estratégico em empresas de capital fechado da cadeia agroindustrial, ou mesmo explorando imóveis rurais que adquira. Fazendo uma comparação com outros veículos existentes no mercado financeiro, o FIAGRO combina características de Fundo de Investimento Imobiliário (FII), Fundo de Investimento em Participações (FIP) e Fundo de Investimento em Direitos Creditórios (FIDC), tudo em um mesmo veículo voltado para atender especificamente as necessidades do agronegócio. Ao mesmo tempo, o FIAGRO serviria como vetor de governança e incentivo à formalização do setor, pela atuação de profissionais de investimento em proximidade com o empresário do setor agropecuário.

O Projeto de Lei que concebeu o FIAGRO optou por inseri-lo no âmbito da Lei n° 8.668, de 25 de junho de 1993, que é uma lei de natureza tributária, criada para disciplinar os Fundos de Investimento Imobiliário (FII). Com isso, pretendia-se estender ao FIAGRO o mesmo tratamento tributário conferido aos FII, conferindo isonomia do tratamento entre os setores imobiliário e do agronegócio.

O FII, por sua vez, possui algumas características sui generis em sua tributação: seus rendimentos são tributados, como regra geral, a uma alíquota de imposto de renda incidente na fonte (IIRF) de 20% (maior que os veículos de renda variável em geral – 15% – e os investimentos em fundos fechados de renda fixa – 15% a 22,5% em função do prazo da aplicação) e também são tributados nas aplicações em ativos da sua carteira própria, como se fossem uma pessoa jurídica (enquanto os demais fundos de investimento, em geral, não o são), entre outras particularidades.

Por outro lado, os FII (e assim também seria o FIAGRO) são alternativas de investimento atrativas para investidores pessoas físicas: rendimentos distribuídos pelo fundo a estes cotistas estão sujeitos a isenção do IRRF quando o fundo tiver mais de 50 cotistas pessoa física, suas cotas forem transacionadas em mercados organizados (bolsa ou balcão) e nenhum cotista pessoa física detiver mais de 10% das cotas ou direito de auferir mais de 10% dos rendimentos do fundo. Além disso, para evitar a perda da eficiência tributária do investidor que goza do benefício da isenção, as aplicações do FII são isentas quando ele aplicar em títulos e valores mobiliários do setor imobiliário que também confiram isenção ao investidor pessoa física que os adquirida diretamente (como os Certificados de Recebíveis Imobiliários – CRI ou as Letras de Crédito Imobiliário – LCI). No caso do FII, se um cotista tiver mais que 25% do total das cotas e for sócio ou construtor do empreendimento no qual o fundo investe, perdem-se os benefícios de isenção dessa carteira imobiliária e o fundo passa a ser tributado como pessoa jurídica. A mesma lógica seria estendida aos FIAGRO quando ele viesse a aplicar seus recursos em títulos do agronegócio (como Certificados de Recebíveis do Agronegócio – CRA, Letras de Crédito do Agronegócio – LCA, entre outros), que também conferem a isenção para pessoas físicas. A lógica da isenção para o fundo aqui é clara: se o investidor pessoa física adquirisse esses ativos diretamente ele gozaria da isenção; logo, ele não deveria ser penalizado com a perda da isenção por adquirir esses títulos por meio do fundo de investimento.

Por fim, do ponto de vista tributário, os FIAGRO traziam uma novidade em relação aos FII: o Projeto de Lei aprovado previa o diferimento do Imposto de Renda sobre ganho de capital na venda de imóveis rurais ao fundo, quando o pagamento for feito em cotas do próprio fundo e na proporção desta sobre o valor total do imóvel. Trata-se de regra de extrema relevância: o produtor, ao contribuir com seu imóvel para a formação do patrimônio do fundo, recebendo em contrapartida cotas, é obrigado a reconhecer o valor de mercado de imóvel e consequentemente teria um ganho de capital que resultaria na necessidade de recolhimento de imposto de renda, ainda que ele não tenha tido efetiva disponibilidade da renda. Isto faria com que muitos produtores tivessem que antecipar caixa para pagamento de um imposto sem ter efetivamente recebido dinheiro pela venda do imóvel. Logo, muitos negócios deixariam de se concretizar (como já ocorrer hoje com os FII), perdendo-se importante incentivo não apenas para movimento da economia, mas para a própria regularização fundiária no país. Nota-se, aqui, que não haveria qualquer espécie de renúncia fiscal, mas simplesmente um diferimento do pagamento do imposto para o momento em que o produtor viesse a efetivamente alienar suas cotas do fundo.

Infelizmente, com a sanção presidencial, todos os temas de natureza tributária do Projeto de Lei aprovado no Congresso foram vetados. Consequentemente, o FIAGRO nasce como o pior veículo de investimento sob a perspectiva tributária: seus investidores terão uma tributação de IRRF sobre os rendimentos do fundo em regra maior – mesmo quando comparado com fundos de investimento que não possuem isenção – e o FIAGRO ainda terá sua carteira tributada – quando nenhum outro fundo de investimento além do FII o tem – tornando-se absolutamente ineficiente. Isto sem contar o problema do recolhimento do imposto de renda na contribuição do imóvel para o patrimônio do fundo, como visto acima. Perde-se, assim, qualquer sentido em se estruturar um FIAGRO quando comparado com outros veículos já disponíveis, embora menos versáteis e não voltados para o agronegócio, como o FIDC, o FIP e o próprio FII.

Sob o medo da renúncia a uma receita tributária hoje inexistente, o governo renuncia a possibilidade de se fazer novos negócios no agronegócio, tornando obsoleta já em seu nascimento uma importante fonte de financiamento para o setor que mais cresce no país.

A Lei n° 10.130/21 ainda depende de regulamentação por parte da CVM no que diz respeito à constituição e funcionamento dos FIAGRO.

 

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