Projeto de Lei pode dificultar atuação de credores quanto à aplicação da Desconsideração da Personalidade Jurídica

Projeto de Lei pode dificultar atuação de credores quanto à aplicação da Desconsideração da Personalidade Jurídica

O Projeto de Lei nº 3.401/2008, recém aprovado e que segue para sanção presidencial, teve trâmite lento. Surgido em momento em que não havia disciplina processual adequada sobre a matéria, se destinou a reger o procedimento para a desconsideração da personalidade jurídica.

No entanto, após alterações no Código Civil e Código de Processo Civil, certas previsões da proposta podem gerar embaraços à aplicação do instituto e dificultar a satisfação de créditos.

O artigo 6º do Projeto de Lei, por exemplo, impõe limitação aos efeitos da desconsideração da personalidade jurídica, que não atingirá os bens daqueles que não tenham praticado o ato abusivo da personalidade em detrimento dos credores da pessoa jurídica e em proveito próprio.

Estabelece-se, portanto, que a desconsideração somente poderá ser aplicada em desfavor do sócio que tenha praticado o ato abusivo em desfavor da sociedade e em proveito próprio, de modo que o artigo 2º exige, ainda, demonstração objetiva dos atos praticados que ensejariam a respectiva responsabilização dos sócios/administradores, sob pena de indeferimento liminar do requerimento.

Percebe-se o descompasso da proposta legislativa em face do artigo 50, caput do Código Civil, sob a redação da Lei da Liberdade Econômica, segundo o qual os efeitos da desconsideração devem alcançar “os bens particulares de administradores ou de sócios da pessoa jurídica beneficiados direta ou indiretamente pelo abuso”. Ou seja, não há exigência de participação ativa da pessoa beneficiada pelo ato abusivo, utilizando-se como critério aferir se o sócio foi ou não beneficiado, ainda que indiretamente, pelo abuso.

Os artigos 3º e 4º, por sua vez, estabelecem que o juiz determinará a instauração de incidente, em respeito ao contraditório e à ampla defesa, além de vedar a decretação da desconsideração da personalidade jurídica de ofício pelo juiz.

Os dispositivos, contudo, reproduzem previsões desnecessárias e que já estão regulamentadas no Capítulo sobre o IDPJ, que exige o cumprimento do contraditório bem como condiciona a instauração do incidente “a pedido da parte ou do Ministério Público, quando lhe couber”, conforme os artigos 133 a 136 do CPC/2015.

Ainda, o artigo 5º do Projeto de Lei exige que a desconsideração somente poderá ser decretada após a manifestação do Ministério Público, previsão que contraria o escopo de atuação do Parquet como fiscal da ordem jurídica e impõe sua atuação injustificável em causas que versam sobre questões patrimoniais, interesses particulares e disponíveis.

Tal atuação pode dar ensejo a demasiado tumulto no trâmite das causas que versam sobre interesses eminentemente particulares, para além de agravar ainda mais a celeridade no âmbito dos processos executivos.

A segunda parte do artigo 5º, ao vedar a aplicação da desconsideração da personalidade jurídica por analogia ou interpretação extensiva, também representa retrocesso à luz da jurisprudência atual, que há muito admite a desconsideração inversa da personalidade jurídica, para fins de atingir os bens da pessoa jurídica em execução ajuizada contra o sócio.

Observa-se, desta feita, risco de limitação de aplicação do importante instituto, além de esvaziamento de hipóteses previstas no artigo 50, §§º1 e 2º do Código Civil modificado pela Lei nº 13.874/2019, que abarcam cenários de abuso da personalidade com o propósito de lesar credores e que na prática não necessariamente serão verificadas em uma conduta ativa por parte dos sócios e administradores, mas que ainda os beneficiam direta ou indiretamente.

A limitação do instituto ante as sugestões do Projeto de Lei representa retrocesso, especialmente, diante do contexto observado no âmbito dos processos executivos, que contam com baixíssima taxa de efetividade na recuperação de ativos, o que se agrava ante condutas abusivas de ocultação de patrimônio e abuso da personalidade jurídica.

Caso sancionado, o Projeto de Lei implicará óbices à utilização do instituto e criará ainda mais entraves no âmbito dos processos de recuperação de crédito.