Sancionado o Marco Legal dos Ativos Digitais

Sancionado o Marco Legal dos Ativos Digitais

Foi publicada nesta última quinta-feira, a Lei nº 14.478, de 22 de dezembro de 2022 (“Lei nº 14.478”), que traz o marco legal do mercado de ativos digitais e dos prestadores de serviço de referido mercado no Brasil. Em resumo, os criptoativos passam a possuir tratamento próprio no arcabouço jurídico brasileiro.

O crescimento do mercado de ativos digitais na última década impôs aos legislativos de diversos países o importante desafio de regular o tema. No Brasil, os criptoativos passaram a ser pauta do legislativo brasileiro em 2015, quando o Projeto de Lei nº 2.303 foi proposto para regular especificamente o Bitcoin. Desde então, uma série de outros projetos sobre o tema foram apresentados e, após extensas discussões e ajustes promovidos por Câmara e Senado, o Projeto de Lei nº 4.401 foi aprovado, em 29 de novembro de 2022, na Câmara dos Deputados e seguiu para a sanção presidencial, que ocorreu no último dia 22 de dezembro.

A publicação da Lei nº 14.478 significa avanço relevante para assegurar a segurança jurídica aos investidores ao estabelecer diretrizes aos prestadores de serviço dos ativos virtuais e tem caráter de norma geral e principiológica. Como principais pontos trazidos pela norma, estão o conceito do que seriam os “ativos virtuais”, quais são os prestadores que atuam em referido mercado e os princípios que devem nortear a sua atuação e qual o papel deverá ser adotado pelo órgão regulador competente.

Importante destacar que, ao conceituar os ativos digitais, o legislador optou pela via de exclusão, ao afirmar que não estão na esfera de regulação da lei: (i) a moeda nacional e as moedas estrangeiras; (ii) a moeda eletrônica, que, nos termos da Lei nº 12.865, de 9 de outubro de 2013, se caracterizam como recursos em moeda nacional ou moeda estrangeira mantida em meio eletrônico (cartões de crédito e débito, por exemplo); (iii) os programas de pontos e milhas; e (iv) outros ativos cuja emissão, escrituração, negociação ou liquidação esteja prevista em outras normas, por exemplo os valores mobiliários. Nesse sentido, depreende-se que a Lei nº 14.478 regula não só as criptomoedas, como os famosos bitcoins, mas também os chamados payment tokens. Ressalte-se que a Comissão de Valores Mobiliários – CVM publicou em outubro o Parecer de Orientação nº 40, que traz orientações sobre os criptoativos que se caracterizam como valores mobiliários. A análise do VBSO Advogados sobre esse Parecer pode ser lida aqui: https://www.vbso.com.br/cvm-consolida-entendimentos-sobre-criptoativos-e-o-mercado-de-valores-mobiliarios/.

Nessa linha, são considerados como prestadores de serviço desse mercado, aqueles que atuem como intermediários das transações envolvendo ativos digitais, custodiantes de ativos digitais e que participem em serviços financeiros relacionados à oferta ou venda de ativos digitais.

Ainda, a norma estabelece que caberá à entidade da Administração Pública Federal autorizar o funcionamento das prestadoras de serviço relacionados aos ativos digitais, sem definir expressamente quais serão os órgãos competentes para regular a atuação dos prestadores de serviço do mercado dos ativos digitais, deixando a definição nas mãos do Poder Executivo Federal. A expectativa é de que o Banco Central assuma o papel de supervisão e regulação direta do setor, tendo em vista a proximidade de referido órgão com o tema. Os prestadores de serviço relacionados aos ativos digitais terão prazo de, pelo menos, 6 (seis) meses para adequar-se às regras que venham a ser estabelecidas.

Em que pese ser importante marco para o setor, a norma deixou de enfrentar importantes temas para conferir maior segurança aos investidores. Destaca-se, sobretudo, a ausência de imposição de segregação patrimonial, tema que veio à tona com maior ênfase após a quebra de uma das principais exchanges de criptomoedas do mundo, a FTX, que emprestou dinheiro de seus investidores para outra empresa coligada do grupo. A segregação patrimonial é crucial para a proteção dos investidores, já que os ativos virtuais estariam segregados do patrimônio comum das exchanges e, portanto, não seriam afetados por eventual falência destas.

Outro tema polêmico que a norma deixou de abordar foi a necessidade de abertura de sociedade empresária no Brasil, com a consequente adesão ao Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica (“CNPJ”). Nesse ponto, preferiu-se resguardar a continuidade de atividades no Brasil das corretoras estrangeiras de criptomoedas, dado que a exigência vedaria a atuação de diversas exchanges no Brasil até que obtivessem o adequado registro perante a Receita Federal do Brasil. Dessa forma, continua permitida a atuação no Brasil das exchanges estrangeiras sem CNPJ. Implicação direta desta escolha legislativa será a ausência de integração dessas corretoras que não possuam CNPJ ao Sistema de Controle de Atividades Financeiras do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (“Siscoaf” e “Coaf”, respectivamente). Nesse sentido já havia sido decisão do Coaf sobre o tema, ao revogar a habilitação limitada para o uso, pelas exchanges, as funcionalidades do Siscoaf. Espera-se que o tema venha ser tratado na regulamentação infralegal.

Por fim, importante destacar que a norma procurou combater os recorrentes esquemas de pirâmide envolvendo criptomoedas, como o conhecido caso do “Faraó do Bitcoin”. Nesse sentido, a Lei nº 14.478 criou tipo penal no artigo 171-A do Código Penal, que prevê pena de 4 (quatro) a 8 (oito) anos de reclusão e multa àqueles que utilizarem-se dos ativos digitais para “obter vantagem ilícita, em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil ou qualquer outro meio fraudulento”.

Nota-se, portanto, que a Lei nº 14.478 representa importante marco à regulação do tema no Brasil, seja por trazer maior segurança jurídica aos investidores, seja por delegar à Administração Pública federal o estabelecimento de diretrizes, regras e a fiscalização da atuação das corretoras de criptoativos e das exchanges. No entanto, tendo em vista a generalidade da norma, caberá às normas infralegais a efetiva regulação do tema, que deverá ocorrer de forma a proteger os investidores sem se tornar impeditivo ao desenvolvimento do mercado de ativos digitais.

Equipe de Mercado de Capitais e Direito Digital do VBSO Advogados